Graça Lago
deveria entrar na Justiça para proibir o nome do pai numa ‘farsa’?
Kiko Nogueira
O desabafo
contundente da filha de Mário Lago sobre o prêmio conferido a William Bonner no Faustão esbarra num problema: o “Troféu” Mario Lago é apenas mais uma
piada do programa. Disfarçada, mas piada. O equivalente ao Troféu Imprensa
do Silvio Santos.
“Meu pai, Mário
Lago, merece respeito! Enojada e revoltada com a farsa que foi o Prêmio Mário
Lago 2014. Com a audiência do Jornal Nacional despencando, o premiado foi o
editor geral do panfleto global”, ela escreveu no Facebook. “Lá no infinito,
papai e mamãe devem ter ficado muito revoltados. E atenção, Rede Globo, não sou
instrumentalizada por ninguém ou por nada. Sei pensar, refletir, fazer
escolhas, opinar, me posicionar”.
Quem vota nos
indicados? Durante quanto tempo? Quantos são? Votação aberta ou fechada?
Ninguém jamais ficará sabendo porque não é essa a intenção.
A única
informação sobre o modus operandi da coisa foi dada pelo apresentador no site
oficial: “O Troféu tem um critério, um conceito. A pessoa precisa ter uma longa
ficha de serviços prestados. Tem que ser uma pessoa com a importância, pelo
trabalho, dignidade, ética… por tudo aquilo que representa a figura do Mário
Lago”, disse Faustão. São ideias elásticas, vindas de um apresentador que se
especializou em chamar qualquer mané que vá ao seu estúdio de “grande figura
humana”.
A tal premiação é mais um ato de autocongratulação da Globo. A emissora, porém, dá a isso ares
de solenidade. Pobre público dominical. O próprio Bonner, ao receber a
estatueta (feita por Hans Donner, talvez?) das mãos de Fernanda Montenegro,
vencedora do ano anterior, afirmou que “em sonho nenhum eu poderia imaginar que
aconteceria isso.” Em seguida, ajoelhou-se diante dela, teatral.
O negócio foi
criado em 2001 com o nome originalíssimo de “Conjunto da Obra” e dado a Mario
Lago, que morreria logo depois e acabaria por batizar o evento.
Desde então, a
lista de ganhadores vai de Glória Menezes a Tarcisio Meira, passando por Hebe
Camargo, Regina Duarte e Roberto Carlos. Bonner é o primeiro jornalista a fazer
parte desse rol. Tire suas conclusões. No ano que vem, ninguém deve se
surpreender se Arnaldo Jabor subir ao palco por sua contribuição para o
apocalipse.
Graça Lago tem
sua razões para se indignar. Mario Lago, um homem de esquerda, provavelmente,
não concordaria com o resultado. Se estaria rindo ou furioso, jamais saberemos.
Fica uma sugestão: que ela entre na Justiça para proibir que o nome do velho
seja ligado a uma palhaçada.
Comentário postado por Graça Lago:
Primeiro, me
apresento - sou Graça Lago, filha de Mário Lago, tenho 63 anos, 50 de militância
política e 46 de jornalismo. O prêmio com o nome de papai foi instituído em
2002, ano da morte dele, e parecia uma homenagem bacana à memória dele. Nada
grandioso, nem um pouco espetacular, apenas um prêmio corriqueiro de uma
emissora de TV (onde ele trabalhou muitos anos) e destinado a homenagear
artistas, principalmente atores. Nada especial, mas que poderia manter a sua
lembrança viva. Bacana. Nunca nos consultaram sobre isso, mas confesso que
fiquei profundamente emocionada quando, passados sete meses da morte de papai,
foi anunciado o prêmio, com um belo clipping sobre a trajetória dele e dedicado
à grande atriz e pessoa de Laura Cardoso. Durante todos esses anos, o prêmio se
manteve em um patamar honesto, com homenagens a diferentes artistas. Ainda que
não concordasse com um ou outro, nenhum ofendia a memória de papai; nem na
escolha e nem na cerimônia, é importantíssimo registrar.
Mas, desta vez,
foi tudo diferente, foi tudo armado e instrumentalizado (como quer o bonner)
para fazer da premiação um ato político, de defesa das orientações facciosas da
globo e de seu principal (embora decadente) telejornal. Foi uma pretensa
maneira de usar o prêmio para abafar as críticas que a partidarização do JN e
de seu editor/apresentador vêm recebendo.
Em tudo o
prêmio fugiu aos seus propósitos originais. Bonner não é um artista, a não ser
na arte de manipular e omitir os fatos. O evento virou um circo de elogios
instrumentalizados. Enaltecer a "imparcialidade" com que ele e sua
parceira conduziram as entrevistas com os presidenciáveis é esquecer que ele
não deu espaço para uma só resposta de Dilma Rousseff; é esquecer que ele e sua
parceira ocuparam mais da metade do tempo estipulado para a entrevista com a
presidenta. É esquecer que esse tratamento não foi dedicado a qualquer outro
entrevistado. É esquecer que, mesmo no auge das denúncias sobre os escândalos
dos aeroportos de Cláudio e Montezuma, o sr. Aécio não foi pressionado nem um
terço do que foi Dilma Rousseff para explicar os flagrantes delitos dos empreendimentos.
É esquecer que, mesmo frente às denúncias da ilegalidade do jato de Eduardo
Campos, a sra. Marina não teve qualquer questionamento contundente (e viajava,
sim, no jato). Isso para não falar de mil e outros atos de atentado à
informação praticados no JN, como bem foi demonstrado pelo laboratório da UERJ.
Mas não parou
aí. Ouvir o bonner criticar as redes sociais revirou o meu estômago. Ouvir o
bonner chamar os que o criticam, e à Globo, de robôs instrumentalizados é
inqualificável. É um atentado à democracia.
Tudo demonstra
que o prêmio, criado talvez até por força de uma admiração por meu pai, foi
usado este ano politicamente, para proteger com a respeitabilidade e memória de
Mário Lago o que não tem respeito, nem nunca terá. Se a intenção foi política,
politicamente me manifestei.
Não poderia
ouvir calada todas essas imensas ofensas à memória de meu pai. Meu pai era um
homem político, e assim se manifestava e comportava cotidianamente. Não
aceitaria, jamais, ser manipulado por excrecências como essa. Vi meu pai
recusar propagandas bem remuneradas por discordar politicamente delas. Sempre
trabalhou e ganhou o seu salário com a maior decência.
Por sua
postura, mereceu a admiração e o respeito até de homens como Roberto Marinho.
No final dos anos 60, o Exército informou à Globo que queria papai como
apresentador das Olimpíadas do Exército. Seria uma maneira de humilhá-lo, de
jogar no lixo a sua biografia. Roberto Marinho recusou o pedido justificando da
seguinte forma: "se o Mário recusar, terei que demiti-lo; se o Mário
aceitar, perderei o respeito por ele". Meio século depois, a Globo tentou
jogar no lixo a biografia do meu pai. A isso digo não e me manifesto
publicamente sobre a imensa farsa montada nesta premiação do jornalismo mais
instrumentalizado e faccioso deste país.
Reproduzido de Diário
do Centro do Mundo
23 dez 2014
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