Quem mais maltrata você?
Moisés Naím
Folha Online
20/07/2012
Por quem você se sente mais maltratado? Por sua operadora de telefonia celular? Seu banco? Pelas companhias aéreas? As relações entre as empresas e seus clientes estão carregadas de conflitos de interesses recobertos por uma capa de hipocrisia, publicidade e marketing.
Em última análise, as empresas querem arrancar o máximo possível de dinheiro de seus clientes, e estes querem pagar o mínimo possível. Criar lealdade à marca e não perder clientes são as principais motivações que levam as empresas a tratar bem a seus clientes. Nada de novo. Não obstante, as empresas insistem em nos convencer que são nossas aliadas amáveis e que suas decisões com relação a preços, qualidade e serviços também são guiadas pela ética. As coisas não têm ido bem ultimamente para esta ideia.
O Barclays Bank, por exemplo, pagou uma multa de US$452 milhões por ter manipulado as taxas de juros interbancárias (a taxa Libor, que alguns cínicos agora andam chamando, em inglês, Lie-More, ou mente-mais). "Não somos os únicos!" disse o presidente do Barclays antes de renunciar. Seu colega do JP Morgan Jamie Dimon insiste que os bancos não precisam de mais controles, já que seus valores éticos, seu seus controles próprios e a concorrência garantem que suas decisões estejam alinhadas com os interesses da sociedade. Mas Dimon foi surpreendido por perdas ocultas de US$2 bilhões em seu banco (ou US$5 bilhões. Ou mais. Ainda não se sabe).
Dimon se disse indignado com a desonestidade dos banqueiros do JP Morgan (pequeno detalhe: são seus empregados). Rajat Gupta, o ex-chefe da prestigiosa consultoria McKinsey & Co ("somos uma organização guiada por valores") acaba de ser condenado em Nova York por ter passado a seu cúmplice informações secretas e valiosas sobre o Goldman Sachs, empresa da qual Gupta era diretor. O banco HSBC também está pedindo desculpas: em 2007 e 2008 sua subsidiária no México enviou aos EUA US$7 bilhões em cédulas supostamente depositadas por cartéis do narcotráfico.
E, por falar no México: de acordo com a OCDE (organismo formado pelos países mais ricos do mundo), os preços excessivos cobrados pela AmericaMovil --a empresa de telefonia de Carlos Slim-- custam aos consumidores desse país US$26 bilhões por ano. Mas pagar a mais para fazer uma ligação telefônica não é tão perigoso quanto tomar um medicamento que, ao invés de curar, mata. A empresa farmacêutica GlaxoSmithKline (GSK) acaba de ser multada em US$3 bilhões por promover medicamentos que causam efeitos negativos ou até a morte. O valor da multa é muito alto, mas não tão alto quando os US$8,2 bilhões que a empresa teve de lucro em 2011.
O que está acontecendo? Essa explosão de comportamentos empresariais abusivos e corruptos é algo novo, ou é simplesmente que agora estamos mais bem informados? As duas coisas. Mas o certo é que o velho princípio do "caveat emptor", frase latina que significa que é o comprador quem deve tomar todas as precauções, porque o risco é todo dele e não de quem vende a ele, é mais válido hoje que nunca. A enorme complexidade do comércio moderno coloca os consumidores em desvantagem. Mas a boa notícia é que hoje os compradores têm acesso a mais informação que nunca antes sobre o que compram e quem vende a eles. O banco Barclays e a GSK acabam de descobri-lo.
Tradução de Clara Allain
O escritor venezuelano Moisés Naím, do Carnegie Endowment for InternationalPeace, foi editor-chefe da revista "Foreign Policy". Escreve às sextas na versão impressa de "Mundo"
Reproduzido de clipping FNDC
20 jul 2012