O novo sistema de poder
O Facebook não tem obrigação de revelar
como manipula o sistema de notícias e tem se tornado um novo sistema de poder
sem controle social.
Luciano Martins Costa
Observatório da Imprensa
As empresas de jornalismo estão perdendo o controle do que é notícia. O domínio
de empresas de tecnologia na produção e distribuição de conteúdo informativo e
opinativo está criando uma nova esfera pública, cujos controladores não estão
especialmente preocupados com transparência e ética.
Esse é o tema
de publicações recentes sobre a maneira como a mídia tradicional ajuda, por
omissão, a consolidar no mundo contemporâneo o poder quase absoluto dos
tecnólogos que inundam o planeta com uma enxurrada ininterrupta de aplicativos
cujas possibilidades as pessoas desconhecem. Uma das análises mais
interessantes é feita por Emily Bell, diretora do Centro Tow de Jornalismo
Digital, instituto de pesquisas da Escola de Jornalismo da Universidade
Columbia, e foi considerada pelo Fórum Mundial de Editores como o mais
importante texto sobre o futuro do jornalismo divulgado neste ano (ver aqui, em inglês, a versão editada para o Instituto
Reuters, de Oxford, publicada na terça-feira, 2/12). Sua principal qualidade
está em marcar o esvaziamento do poder do jornalismo em definir sua própria
natureza.
Emily Bell
observa que as principais decisões que impactam o espaço público da comunicação
estão sendo tomadas por engenheiros que raramente pensam em jornalismo, em
impacto social da informação ou na responsabilidade sobre como notícias são
geradas e disseminadas. “Jornalismo e liberdade de expressão se agregaram como
parte de uma esfera comercial onde as atividades de notícias e jornalismo se
tornaram marginais”, alerta a pesquisadora.
Apontada como
responsável pelo renascimento do grupo britânico Guardian, do qual foi diretora
de conteúdo digital, ela lembra também que nenhuma das principais iniciativas
tecnológicas que dominam o serviço de relacionamentos e interações entre
pessoas foi criado ou pertence a empresas jornalísticas.
Como as
plataformas de mediação social não estão interessadas em contratar jornalistas
ou criar estruturas para a tomada de “decisões editoriais”, atividade altamente
complexa e custosa – conclui –, o espaço público fica à mercê dos interesses do
mercado de tecnologia.
Onde mora o perigo
Emily Bell
comenta que o Facebook usa um conjunto de complicadas fórmulas para decidir
como as notícias vão para o alto das páginas pessoais dos usuários; esses
mecanismos não apenas determinam o que o indivíduo vai ver, mas também definem,
pela constância do uso, o modelo de negócio das plataformas sociais. Esses
algoritmos são secretos, não são alcançados pelas regulações que asseguram as
liberdades básicas inerentes ao direito à livre informação e à privacidade e,
pior, podem ser alterados sem aviso prévio.
A diretora do
Centro Tow lembra que nenhuma outra plataforma na história do jornalismo criou
tal concentração de poder, o que faz do jovem Gregory Marra um dos mais
poderosos executivos do mundo. Ele é diretor de produto do sistema de notícias
do Facebook e tem apenas 26 anos de idade. Recentemente, Marra repetiu no New
York Times o refrão dos tecnólogos segundo o qual a tecnologia é neutra, porque
não faz julgamento editorial sobre o conteúdo postado nas redes sociais. Pois é
justamente aí que mora o perigo, diz Emily Bell.
Ainda que os
engenheiros acreditem que não estão tomando decisões editoriais, é isso que
fazem suas fórmulas matemáticas. Por exemplo, ela lembra, em junho deste ano
pesquisadores registraram que o Facebook manipulou as fontes de notícias de 700
mil usuários para observar como diferentes tipos de informação poderiam afetar
o humor das pessoas. A resposta: boas notícias deixas as pessoas mais felizes.
A questão dos pesquisadores: como o Facebook ousa brincar, literalmente, com as
emoções das pessoas?
Em 2010, a rede
social fez outra experiência, para verificar como a inserção de notícias sobre
eleição estimula pessoas a votar no sistema americano de voto facultativo. Um
professor de Harvard pondera que o mesmo recurso pode convencer milhões de
eleitores, por exemplo, a escolher determinado candidato.
Emily Bell
conclui o artigo alertando que o Facebook não tem obrigação de revelar como
manipula o sistema de notícias. Ela afirma também que a imprensa tradicional
deveria parar de se deslumbrar com as filas para comprar o novo iPhone e olhar
mais para a tecnologia como um novo sistema de poder sem controle social.
Reproduzido de Carta Maior . Via Conversa
Afiada
03 de 2014
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