Gregório Duvivier: O humor pode ser
anárquico e revolucionário
Na mesma semana
na qual foi atacado por um radical de direita no Rio de Janeiro, o artista
Gregório Duvivier concedeu uma entrevista exclusiva ao Blog Convergência. Nela
fala de humor e política, da indústria cultural e do conservadorismo na
sociedade brasileira. [Gregório Duvivier foi agredido verbalmente quando
almoçava num restaurante por um sujeito que disse que não ficaria mais ali
porque ia “acabar metendo a porrada” nele. O ator e escritor ficou calado, mas
o agressor continuou a insultá-lo, dizendo que ele era da “esquerda caviar” e
que deveria estar a almoçar numa cantina, “já que gosta tanto de pobre”].
Blog Convergência – O “Porta dos fundos”
se caracteriza por um humor crítico, muito diferente do que se encontra em
outros espaços da indústria cultural brasileira, marcados por um forte
preconceito de classe e reprodutores de várias formas de opressão (machismo,
homofobia, racismo etc.). Como você enxerga isso?
Gregório
Duvivier – Acho que todo humor vem junto com um posicionamento. Você está
sempre rindo de algo ou de alguém. Os alvos tradicionais do humor são também os
alvos principais da sociedade: mulheres, homossexuais, negros, judeus. É
importante sair desse ciclo de repetição e renovar nossas piadas. Os alvos
podem ser os mais diversos, a começar pelos poderosos, passando por nós mesmos.
A auto-ironia é o primeiro passo para um humor menos preconceituoso, e menos
raivoso.
Quais as relações entre arte e política
na contemporaneidade, em especial no Brasil? É possível pensar ainda a estética
surrealista (incorporada pelo “Porta dos fundos”) e o humor político (também
presente no programa) como ferramentas de crítica à ordem burguesa?
Muitos artistas
evitam se meter com política, o que é compreensível porque a classe política no
Brasil é em sua imensa maioria desprezível – mas falta perceber que o
posicionamento político é inevitável e não se meter com política é impossível.
Uma piada é uma
arma química poderosíssima e, se usada contra a opressão, pode mudar tudo. O
humor pode ser anárquico e revolucionário, quando usado de baixo pra cima. Para
isso, é importante se desvencilhar dos velhos esquemas de produção. Não dá pra
mudar tudo de dentro de uma corporação tão comprometida. Quanto à arte no
Brasil, acho que tem de tudo. Muitos artistas evitam se meter com política, o
que é compreensível porque a classe política no Brasil é em sua imensa maioria
desprezível – mas falta perceber que o posicionamento político é inevitável e
não se meter com política é impossível.
Como você analisa o atual ambiente cultural
brasileiro, em especial no que diz respeito às conexões, outrora tão presentes
no país, entre o papel do artista e o do crítico social (vide nomes como Lima
Barreto, Graciliano Ramos, Gláuber Rocha, Gianfracesco Guarnieri, Chico
Buarque, entre muitos outros). É possível encontrar espaços de produção de uma
cultura crítica, antissistêmica, por dentro da “indústria cultural” brasileira?
Acho que dá
para cavar espaços. A indústria é esperta e tem visto que o público não quer
mais do mesmo. A internet mostrou para a indústria de entretenimento que o
público não está mais interessado nos mesmos velhos produtos repetidos
eternamente. A televisão tem duas opções: abrir os olhos e mudar tudo ou tapar
os ouvidos e seguir tocando a mesma música, produzindo remakes de novelas dos
anos 1970, reciclando piadas da Era do Rádio.
Você observa o crescimento do
conservadorismo na sociedade brasileira, principalmente entre os setores
médios?
O facto do
governo atual estar supostamente mais à esquerda dá a impressão aos conservadores
de que existe alguma novidade ou alguma coragem em se dizer de direita. Não há
coragem nenhuma em se dizer conservador. O conservador é por definição um
medroso. As mudanças que o Brasil está sofrendo, mesmo que muito tardias em
relação ao resto do mundo, apavoram muita gente, o mesmo tipo de gente que
ficou apavorado com a Lei Áurea e as primeiras legislações trabalhistas. O
processo civilizatório no Brasil sempre ocorreu a passos muito lentos, e à
revelia de uma classe média ultra-conservadora, ultra-medrosa e com um terrível
ódio de classe. Basta lembrar que o golpe de 1964 ocorreu com grande aprovação
popular.
Créditos da
foto: Blog Convergência
Fonte: Carta Maior
1/11/2014Geledés
Instituto da Mulher Negra
Reproduzido de Geledés
01 nov 2014
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