segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Gregório Duvivier: O humor pode ser anárquico e revolucionário


Gregório Duvivier: O humor pode ser anárquico e revolucionário

Na mesma semana na qual foi atacado por um radical de direita no Rio de Janeiro, o artista Gregório Duvivier concedeu uma entrevista exclusiva ao Blog Convergência. Nela fala de humor e política, da indústria cultural e do conservadorismo na sociedade brasileira. [Gregório Duvivier foi agredido verbalmente quando almoçava num restaurante por um sujeito que disse que não ficaria mais ali porque ia “acabar metendo a porrada” nele. O ator e escritor ficou calado, mas o agressor continuou a insultá-lo, dizendo que ele era da “esquerda caviar” e que deveria estar a almoçar numa cantina, “já que gosta tanto de pobre”].

Blog Convergência – O “Porta dos fundos” se caracteriza por um humor crítico, muito diferente do que se encontra em outros espaços da indústria cultural brasileira, marcados por um forte preconceito de classe e reprodutores de várias formas de opressão (machismo, homofobia, racismo etc.). Como você enxerga isso?

Gregório Duvivier – Acho que todo humor vem junto com um posicionamento. Você está sempre rindo de algo ou de alguém. Os alvos tradicionais do humor são também os alvos principais da sociedade: mulheres, homossexuais, negros, judeus. É importante sair desse ciclo de repetição e renovar nossas piadas. Os alvos podem ser os mais diversos, a começar pelos poderosos, passando por nós mesmos. A auto-ironia é o primeiro passo para um humor menos preconceituoso, e menos raivoso.

Quais as relações entre arte e política na contemporaneidade, em especial no Brasil? É possível pensar ainda a estética surrealista (incorporada pelo “Porta dos fundos”) e o humor político (também presente no programa) como ferramentas de crítica à ordem burguesa?

Muitos artistas evitam se meter com política, o que é compreensível porque a classe política no Brasil é em sua imensa maioria desprezível – mas falta perceber que o posicionamento político é inevitável e não se meter com política é impossível.

Uma piada é uma arma química poderosíssima e, se usada contra a opressão, pode mudar tudo. O humor pode ser anárquico e revolucionário, quando usado de baixo pra cima. Para isso, é importante se desvencilhar dos velhos esquemas de produção. Não dá pra mudar tudo de dentro de uma corporação tão comprometida. Quanto à arte no Brasil, acho que tem de tudo. Muitos artistas evitam se meter com política, o que é compreensível porque a classe política no Brasil é em sua imensa maioria desprezível – mas falta perceber que o posicionamento político é inevitável e não se meter com política é impossível.

Como você analisa o atual ambiente cultural brasileiro, em especial no que diz respeito às conexões, outrora tão presentes no país, entre o papel do artista e o do crítico social (vide nomes como Lima Barreto, Graciliano Ramos, Gláuber Rocha, Gianfracesco Guarnieri, Chico Buarque, entre muitos outros). É possível encontrar espaços de produção de uma cultura crítica, antissistêmica, por dentro da “indústria cultural” brasileira?

Acho que dá para cavar espaços. A indústria é esperta e tem visto que o público não quer mais do mesmo. A internet mostrou para a indústria de entretenimento que o público não está mais interessado nos mesmos velhos produtos repetidos eternamente. A televisão tem duas opções: abrir os olhos e mudar tudo ou tapar os ouvidos e seguir tocando a mesma música, produzindo remakes de novelas dos anos 1970, reciclando piadas da Era do Rádio.

Você observa o crescimento do conservadorismo na sociedade brasileira, principalmente entre os setores médios?

O facto do governo atual estar supostamente mais à esquerda dá a impressão aos conservadores de que existe alguma novidade ou alguma coragem em se dizer de direita. Não há coragem nenhuma em se dizer conservador. O conservador é por definição um medroso. As mudanças que o Brasil está sofrendo, mesmo que muito tardias em relação ao resto do mundo, apavoram muita gente, o mesmo tipo de gente que ficou apavorado com a Lei Áurea e as primeiras legislações trabalhistas. O processo civilizatório no Brasil sempre ocorreu a passos muito lentos, e à revelia de uma classe média ultra-conservadora, ultra-medrosa e com um terrível ódio de classe. Basta lembrar que o golpe de 1964 ocorreu com grande aprovação popular.

Créditos da foto: Blog Convergência
Fonte: Carta Maior
1/11/2014Geledés Instituto da Mulher Negra



Reproduzido de Geledés
01 nov 2014

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