Aécio teria vencido a eleição de 2014 se
não houvesse internet
Cientista político diz que a mesma
operação utilizada em 2014 para que Aécio vencesse a eleição foi realizada, com
sucesso, em 1989 a favor de Collor. A diferença é que hoje existe a internet e
as informações são constantemente confrontadas
Renato Brandão, RBA
Carro-chefe da
editora Abril, a revista Veja lançada na última sexta-feira (24) divulgou como
matéria de capa uma acusação de que a presidenta reeleita Dilma
Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ambos do PT, tinham
conhecimento de um esquema de corrupção na Petrobras. Sem apresentar qualquer
prova, o conteúdo da reportagem era baseado em suposto depoimento do doleiro
Alberto Youssef à Polícia Federal, que foi desmentido por seu advogado logo
após a publicação.
Considerada a
última “bala de prata” da oposição para tentar impedir uma nova vitória petista
sobre os tucanos, a reportagem foi contestada duramente pela presidenta durante
seu último programa eleitoral na TV na mesma sexta-feira. Ainda naquele dia, a
Justiça considerou a publicidade da revista como “propaganda eleitoral” e
também concedeu direito de resposta ao PT no site da revista.
Ainda assim, o
estrago já estava feito. A campanha e simpatizantes do PSDB distribuíram
panfletos com a capa impressa da revista da Abril em várias cidades do Brasil.
Já na madrugada de sábado (25) para domingo (26), circulavam boatos de que Alberto Youssef havia sido envenenado,
algo que teve de ser desmentido com rapidez pela Polícia Federal.
“Essa operação
da Veja mostra que ela não é um órgão de comunicação, o que ela mostrou
claramente é que ela é uma sala do comitê político do PSDB no Brasil. A revista
operou de maneira a desinformar. Ela desinformou”, disse o sociólogo Sérgio
Amadeu, doutor em Ciência Política pela USP. Comparando o caso à ação midiática
que ajudou a decidir o pleito presidencial de 1989, com a eleição de Fernando
Collor de Mello, Amadeu acredita que o plano da editora Abril só não se
concretizou nas urnas pela existência da internet. “Existe hoje a internet, que
não tinha naquela época. Então, se não houvesse a internet, certamente o
candidato Aécio Neves tinha ganho a eleição.”
Para o
cientista político, as redes sociais apontaram um acirramento muito grande e
deixaram claro que “a linha política e o conteúdo discursivo das forças
comandadas pelo PSDB” é baseada na “estratégia do cinismo”. Amadeu também
defendeu uma reforma política para se alcançar uma legislação mais democrática
dos meios de comunicação. Entrevista completa abaixo:
Qual foi a influência da capa da revista
Veja às vésperas do segundo turno presidencial entre Dilma e Aécio?
A capa da Veja
foi feita justamente para influenciar o resultado eleitoral. Ela normalmente
está nas bancas no sábado, mas saiu na sexta-feira. E era uma capa para,
inclusive, ser impressa, tanto é que a campanha do candidato Aécio Neves (PSDB)
imprimiu essa capa justamente para manter aquele clima que eles criaram no
Brasil de demonização do outro. O grupo Abril, em particular a revista Veja, já
há muito tempo é organização que defende interesses econômicos a partir da
gestão da política. Não há como dizer agora o quanto impactou, mas eles
influíram claramente na votação de domingo, porque o Aécio conseguiu, a partir
desse tipo de ação, crescer e encostar na candidata Dilma Rousseff no segundo
turno das eleições.
Como o sr. avalia o papel da internet
nessas eleições?
Uma coisa que
chama atenção nesse processo é que essa operação já tinha sido feito nas
eleições de 1989, com sucesso, mas não teve desta vez. E por quê? Porque desta
vez – além das pessoas já conhecerem a manobra de grupos de comunicação
misturadas à elite política econômica no caso da vitória do Collor – também
existe hoje a internet, que não tinha naquela época. Então, se não houvesse a
internet, certamente, o candidato Aécio Neves tinha ganho a eleição, porque era
o candidato preferido pelos grupos econômicos, pelos banqueiros, pelo mercado
de capitais. Inclusive oscilava a Bolsa e, se você for ver, é muito curioso,
quando as pesquisas davam a Dilma crescendo, a Bolsa caía, o que mostra o humor
desses especuladores financeiros. A internet foi decisiva para a garantia de um
debate que não existiria se fossem apenas os meios de comunicação de massa
atuando nessas eleições. Isso é bastante nítido no processo eleitoral que
ocorreu em 2014.
E as redes sociais?
As redes
sociais, em particular, tiveram um papel grande e mostraram, na verdade, um
acirramento muito grande. Deixou claro, e é importante que tudo fica
registrado, qual é a linha política e o conteúdo discursivo das forças
comandadas pelo PSDB, que é baseada em preconceito, em mentira e numa estratégia
que podemos chamar de “estratégia do cinismo”. Eles chegam a afirmar que nenhum
corrupto ligado ao PSDB está preso ou foi julgado por incompetência do PT, o
que é uma coisa completamente cínica. Esse tipo de ação, as pessoas não têm
clareza de como vão lidar com isso. Agora, minha opinião é bastante clara: é
preciso mostrar concretamente o que é o PSDB do ponto de vista da corrupção. É
inaceitável que a bandeira da corrupção seja tomada por forças da corrupção. É
inaceitável.
Não tenho
nenhuma dúvida do aparelhamento que (governador de São Paulo) Geraldo Alckmin
faz na Sabesp. Isso ficou nítido nas gravações mostrando que eles são capazes
de ganhar a eleição, inclusive se for para deixar uma cidade em situação de
calamidade. Nós temos que mostrar que eles são uma junção de descompromisso com
a democracia, de má gestão de recursos públicos e de corrupção em larga escala,
como foi feito em São Paulo. Réus confessos entregaram as provas e o Ministério
Público não faz nada. Então, temos que ir para cima disso.
Temos que ir
para cima do crime eleitoral cometido pela revista Veja, temos que exigir o
julgamento do mensalão mineiro antes que ele prescreva e temos que mostrar toda
a ligação que o PSDB tem com crime, com práticas absurdas. Não podemos aceitar.
E não vai ser falando “pessoal, o clima de ódio é ruim”. Não. O clima de ódio
só vai ser reduzido com argumentos verdadeiros e racionais. Não é pedindo paz e
amor, não, mas colocando claramente para as pessoas, insistentemente, as
falácias do discurso que eles reproduzem para o Brasil. A gente tem que ser
muito claro com isso, porque disso depende a democracia, né?
O sr. acredita que o novo governo possa
mudar artigos que dizem respeito à comunicação?
Eu acho que um
dos principais pontos da reforma política para o Brasil é a reforma da
comunicação. Essa operação da Veja mostra que ela não é um órgão de
comunicação, o que ela mostrou claramente é que é uma sala do comitê político
do PSDB no Brasil. A revista operou de maneira a desinformar. Ela desinformou.
Ela já havia feito isso se ligando a um criminoso chamado Carlos Cachoeira e
não aconteceu nada. O cara continua lá na sucursal de Brasília, não foi preso,
não foi condenado. Nós precisamos mexer nessas estruturas de concentração
econômica de poder, fazer uma reforma da comunicação, uma lei de meios, como a
da Argentina. E nós precisamos também de uma reforma política que retire o
poder do capital, que retire o financiamento privado de campanha, mas que
permita também à gente avançar em questões cruciais da sociedade brasileira.
Com uma Constituinte que não possa ser com estes deputados, que tenha que ser
exclusiva. O deputado que quiser fazer essa Constituinte só poderá se
candidatar para isso, para discutir as ideias e o futuro do país, e não para
vir com esquemas que a gente sabe que eles articulam, de grandes corporações,
de forças que bancam campanhas milionárias. Precisamos de uma reforma política
com uma Constituinte exclusiva e, nesse contexto, uma reforma das comunicações.
Por que os partidos têm tido certa
dificuldade em atingir os jovens na internet?
A internet não
é contraposta aos partidos, mas é que a velocidade das comunicações e as
relações intensas que existem na internet geram muitas dificuldades para os
partidos, principalmente para legendas partidárias que são estruturas mais
orgânicas. Por exemplo, o PSDB adotou e atuou como estratégia na internet, e
não é de agora, de desconstruir seus opositores, no caso o governo federal e o
PT.
E os tucanos
fazem isso destilando preconceitos e coisas absurdas. Se for ver o que dizem
dos nordestinos, dos gays e das opções políticas das pessoas, beira ao
fascismo. Agora temos que ver o que os partidos que são propostas democráticas
e de esquerda podem refazer utilizando a internet, mas é muito difícil fazer política
só pelas estruturas partidárias. Hoje, está muito claro que não é só o partido
o elemento que faz política. Há outras formas de se fazer política, inclusive
com conexões, grupos e coletivos de ativistas na internet.
Reproduzido de Pragmatismo
Político
29 out 2014
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