Novo surto de
vale-tudo
Por Alberto
Dines
18/03/2014 na edição 790
Observatório da Imprensa
Na tarde de
12 de abril de 2011, em aula da primeira edição do Curso de Pós-Graduação em
Jornalismo, da ESPM-SP, Eurípedes Alcântara, diretor de Redação da Veja,
na condição de professor-convidado, declarou, para espanto dos 35 alunos
presentes: “Tratamos o governo Lula como um governo de exceção”. Na capa da
última edição do semanário (nº 2365, de 19/3/2014), o jornalista ofereceu
trepidante exemplo da sua doutrina.
Para
comprovar a ilegalidade das regalias que gozaria o ex-ministro José Dirceu no
Complexo da Papuda,Veja cometeu ilegalidade ainda maior. Detentos não
podem ser fotografados ou constrangidos, o ato configura abuso de poder,
invasão da privacidade e, principalmente, um torpe atentado ao pudor e à ética
jornalística. Um bom advogado poderia até incriminar os responsáveis por
formação de quadrilha ao confirmar-se que o autor da peça (o editor Rodrigo
Rangel) não entrou na penitenciária e que alguém pagou uma boa grana aos
funcionários pelas fotos e as, digamos, “informações”.
“Exclusivo –
José Dirceu, a Vida na Cadeia” não é reportagem, é pura cascata: altas
doses de rancor combinadas a igual quantidade de velhacaria em oito páginas
artificialmente esticadas e marombadas. As duas únicas fotos de Dirceu (na capa
e na abertura), feitas certamente com microcâmera, não comprovam regalia
alguma.
Ao contrário:
magro, rosto vincado, fortes olheiras, cabelo aparado, de branco como exige o
regulamento carcerário, não parece um privilegiado. Se as picanhas, peixadas e
hambúrgueres do McDonald’s supostamente servidos ao detento foram reais, Dirceu
estaria reluzente, redondo, corado. Um preso em regime semiaberto pode
frequentar a biblioteca do presídio, não há crime algum.
Agentes
provocadores
A grande
imprensa desta vez não deu cobertura ao semanário como era habitual.
Constrangido, o Estado de S.Paulo foi na direção contrária e já no
domingo (16/3) relatava, com chamada na primeira página, as providências das
autoridades brasilienses para descobrir os cúmplices do vazamento (ver “Dirceu
teria mais regalias na cadeia; DF nega“). Na segunda-feira, na Folha
de S.Paulo, Ricardo Melo lavou a alma dos jornalistas que repudiam este
jornalismo marrom-escuro (ver “O
linchamento de José Dirceu”).
O objetivo da cascata não
era linchar Dirceu, o que se pretendia era acirrar os ânimos, insuflar
indignações contra uma suposta impunidade, alimentar a agenda dos black-blocks
(ou green-blocks?).
Os agitadores
e agentes provocadores estão excitadíssimos às vésperas dos 50 anos do golpe
militar. O violento quebra-quebra na sexta-feira (14/3), na Companhia de
Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) – o maior do gênero na
América Latina – não foi provocado pelos caminhoneiros que passariam a pagar
pelo estacionamento. Foi obra de profissionais do ramo da agitação política com
a inestimável ajuda da PM, que demorou três horas para chegar ao campo de
batalha.
As
convocações para atos e passeatas destinadas a homenagear o golpe de 1964 não
falam na derrubada de Jango, falam em derrotar o PT. Convém lembrar que a rede
Ceagesp é, desde 1997, federalizada, ligada ao Ministério da Agricultura.
Num governo
de exceção vale tudo. Também no jornalismo de exceção.
***
Depois de
três edições e três turmas de valentes profissionais, o Curso de Pós-Graduação
em Jornalismo com Ênfase em Direção Editorial, parceria da Editora Abril com a
ESPM, foi suspenso. Na véspera do primeiro aniversário da morte de Roberto
Civita, está desativada uma de suas mais lindas façanhas no campo da formação
profissional. Não merecia.
Reproduzido
de Observatório
da Imprensa
18 mar 2014
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