Coisas de que Joaquim Barbosa se
esqueceu de ficar triste
Alguém o viu expressar tristeza com o
fato de o processo contra o mensalão tucano não atribuir o mesmo crime de
quadrilha a Eduardo Azeredo, do PSDB de MG?
Antonio Lassance
Carta Maior
28 fev 2014
O presidente
do Supremo, relator da AP 470, esbravejador-geral da Nação, candidato em
campanha a um cargo sabe-se lá do que nas eleições de outubro, decretou
solenemente:
"É uma tarde triste para o Supremo".
É curioso
como Joaquim Barbosa se mostra triste com algumas coisas, e não com outras.
Alguém o viu
expressar tristeza com o fato de o processo contra o mensalão tucano não
atribuir o mesmo crime de quadrilha a Eduardo Azeredo (PSDB-MG) & Companhia
Limitada?
O inquérito
da Procuradoria-Geral da República (INQ 2.280, hoje Ação Penal 536), que
sustenta a denúncia contra Azeredo, foi apresentado pelo mesmo Procurador
(Roberto Gurgel), ao mesmo STF que julgou o mensalão petista, e caiu nas mãos
do mesmo relator, ele mesmo, Joaquim Barbosa.
O que dizia o
Procurador? Que o mensalão tucano "retrata a mesma estrutura operacional
de desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro e simulação de empréstimos
bancários objeto da denúncia que deu causa a ação penal 470, recebida por essa
Corte Suprema, e envolve basicamente as mesmas empresas do grupo de Marcos
Valério e o mesmo grupo financeiro (Banco Rural)”.
Se é tudo a
mesma coisa, se são os mesmos crimes, praticados pelas mesmas empresas, com o
mesmo operador, cadê o crime de quadrilha, de que Barbosa faz tanta questão
para os petistas?
Alguém viu o
presidente do Supremo expressar sua tristeza sobre o assunto?
Alguém o viu decretar a tristeza no STF quando o processo contra os tucanos, ao
contrário do ocorrido com a AP 470, foi desmembrado, tirando do STF uma parte
da responsabilidade por seu julgamento?
Talvez muitos
não se lembrem, mas as decisões de desmembrar o processo do mensalão tucano e
de livrar Azeredo e os demais da imputação do crime de quadrilha partiram do
próprio Joaquim Barbosa.
Foi ele o
primeiro relator do mensalão tucano. Foi ele quem recomendou tratamento
distinto aos tucanos.
Justificou,
sem qualquer prurido, que os réus estariam livres da imputação do crime de
formação de quadrilha “até mesmo porque já estaria prescrito pela pena em
abstrato”, disse e escreveu Barbosa, em uma dessas tardes tristes.
Mais que
isso, livrou os tucanos também da imputação de corrupção ativa e corrupção
passiva.
O que se tem
visto, reiteradamente, são dois pesos, duas medidas e um espetáculo de arbítrio
de um presidente que resolveu usar o plenário do STF como tribuna para uma
campanha eleitoral antecipada de sua possível e badalada candidatura, sabe-se
lá por qual "partido de mentirinha", como ele mesmo qualificou a
todos.
E as tantas
outras tristezas não decretadas?
Vimos a
maioria que compõe hoje o STF ser destratada como se fosse cúmplice de um
crime; um outro bando de criminosos, portanto, simplesmente por divergirem de
seu presidente e derrotá-lo quanto a uma única acusação da AP 470.
Que exemplo!
Sempre que um
ministro do Supremo, seja ele quem for, trocar argumentos por agressões, será
uma tarde triste para o Supremo.
Há uma
avalanche de questões importantes, que dormem há décadas no STF, e que seriam
suficientes para que se decretasse que todas as suas tardes são tristes.
Não só há
decisões, certas para uns, erradas para outros. Há sempre uma tarde triste no
STF pela falta de julgamentos importantes. Cerca de metade das ações de
inconstitucionalidade impetradas junto ao Supremo simplesmente não são
julgadas.
Dessas, a
maioria simplesmente é extinta por perda de objeto. Ou seja, o longo tempo
decorrido é quem cuida de dar cabo da ação, tornando qualquer decisão
desnecessária ou inaplicável. Joaquim Barbosa se esquece de ficar triste com
essa situação e de decretar seu luto imperial.
Por exemplo,
o STF ainda não julgou as ações feitas por correntistas de poupança contra
planos econômicos, alguns da década de 1980. Tal julgamento tem sido
sucessivamente adiado. Triste. Quem sabe, semana que vem?
É triste, por
exemplo, a demora do STF em julgar a Lei do Piso salarial nacional dos
professores. Nada acontece com prefeitos e governadores que se recusam a pagar
o piso salarial, enquanto o Supremo não decide a questão. Até agora, o assunto
sequer entrou em pauta. Triste.
Muito mais
triste foi a tarde em que auditores fiscais do trabalho, procuradores do
trabalho, militantes de direitos humanos, sindicalistas e até o ministro do
Trabalho, Manoel Dias, se reuniram em frente ao Supremo para chorar pelos dez
anos de impunidade da Chacina de Unaí-MG.
Fazendeiros
acusados da prática de trabalho escravo contrataram pistoleiros que tiraram a
vida de quatro funcionários do Ministério do Trabalho que investigavam as denúncias.
Nenhum dos
ministros cheios de arroubos com o suposto crime de quadrilha esboçou tristeza
igual com a impunidade de um crime de assassinato.
Até o
momento, aguardamos discursos inflamados contra esse crime que envergonha o
país, acobertado por aberrações processuais judiciárias, uma delas estacionada
no STF.
Quilombolas e
indígenas: que esperem sentados?
Tristes foram
também os quase cinco anos que o Supremo demorou para simplesmente publicar o
acórdão (ou seja, o texto definitivo com a decisão final tomada em 2009) sobre
a demarcação da reserva indígena de Raposa Serra do Sol (RR). Pior: ao ser
publicado, o STF frisou que a decisão não serve de precedente para outras
áreas. Triste.
Faltou ainda,
a Joaquim Barbosa e a outros ministros inflamados, uma mesma tristeza, uma
mesma indignação e um mesmo empenho para que o STF decida, de uma vez por
todas, em favor da demarcação de terras quilombolas.
Seus
processos, como tantos outros milhares, aguardam julgamento.
Uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade foi ajuizada pelo DEM contra o decreto do
presidente Lula, de 2003, que regulamentava a identificação, o reconhecimento,
a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocupadas por essas
comunidades que se embrenharam pelo interior do território nacional para fugir
da escravidão.
Por pouco não
se deu algo ainda mais escabroso, pois o ministro relator de então, Cezar
Pelluso, havia dado razão aos argumentos do DEM impugnando o ato.
A propósito,
na mesma tarde em que o STF julgou e afastou a imputação do crime de quadrilha
aos réus da AP 470, o mesmo Joaquim Barbosa impediu a completa reintegração de
posse em favor dos Tupinambás de Olivença, Bahia.
A área dos
índios estava sendo reconhecida e demarcada pela Funai. Joaquim Barbosa, tão
apressado em algumas coisas, achou melhor deixar para depois. Ora, mas o que
são uns meses ou até anos para quem já esperou tantos séculos para ter direitos
reconhecidos?
Realmente,
mais uma tarde triste para o Supremo.
Apesar de
você
A célebre
música de Chico Buarque, "Apesar de você", embora feita na ditadura,
ainda cai bem para enfrentarmos descomposturas autoritárias desse naipe.
Diz a música,
entre outras coisas:
"Hoje
você é quem manda
Falou, tá
falado
Não tem
discussão"
"Você
que inventou a tristeza
Ora, tenha a
fineza
De
desinventar"
"Apesar
de você
Amanhã há de
ser
Outro
dia".
(*) Antonio
Lassance é cientista político.
Reproduzido
de Carta
Maior
28 fev 2014
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