Apologia ao crime versus liberdade de
comunicação
Venício A. de Lima
Diante da
apologia feita pela âncora do telejornal SBT Brasil de “justiceiros” vingadores
que espancaram, despiram e acorrentaram pelo pescoço um suspeito adolescente,
de 15 anos, a um poste no Flamengo, no Rio de Janeiro (ver aqui),
permito-me relembrar artigo que publiquei no Observatório da Imprensa em
dezembro de 2008, “A liberdade de comunicação não é absoluta”.
Logo após o
desfecho do “sequestro de Santo André”, o Ministério Público Federal (MPF), por
intermédio da procuradora Regional dos Direitos do Cidadão, Adriana da Silva
Fernandes, ajuizou contra a Rede TV! uma Ação Civil Pública (ACP) na Vara Cível
da 1ª Subseção Judiciária de São Paulo, em função de sua cobertura
“jornalística” dos fatos.
Ao justificar
sua competência para tratar do caso, o MPF lembrou que a RedeTV! é
concessionária de um serviço público federal e que faz parte de suas funções
constitucionais “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis”. Além disso, a lei complementar
que dispõe sobre as atribuições do MP lhe atribui expressamente “zelar pelo
efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de relevância
pública e dos meios de comunicação social aos princípios, garantias, condições,
direitos, deveres e vedações previstos na Constituição Federal e na lei,
relativos à comunicação social”.
De outro
lado, quando apresentou as razões de direito, foram reafirmados princípios
normativos recorrentemente questionados pelos representantes do sistema privado
de radiodifusão, tais como os limites da liberdade de imprensa; o caráter de
serviço público das concessionárias e sua consequente subordinação ao direito
público; e a necessidade de “controle quando (a concessionária) incorrer em
abuso”, no interesse da sociedade.
Diante das
semelhanças com a situação que envolve a jornalista do SBT, vale a longa
citação:
“A
Constituição Federal garante plenamente a liberdade de expressão e de
manifestação do pensamento, de criação, de expressão e de informação, vedando
qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística (art. 220, caput
e § 2º). No entanto a liberdade de comunicação social não é absoluta, devendo
estar em compasso com outros direitos inseridos na Constituição Federal, dentre
eles o direito à privacidade, à imagem e à intimidade dos indivíduos (art. 220,
§ 1º; e art. 5º, X), bem como os valores éticos e sociais da pessoa e da
família (art. 221, IV).
Ademais, o
art. 53 da Lei nº 4.117/62 declara que constitui abuso, no exercício da
liberdade de radiodifusão, o emprego desse meio de comunicação para a prática
de crime ou contravenção previstos na legislação em vigor no país, inclusive
para incitar a desobediência às leis ou decisões judiciárias; comprometer as
relações internacionais do país; ofender a moral familiar, pública, ou os bons
costumes; colaborar na prática de rebeldia desordens ou manifestações
proibidas.
É importante
dizer que, ao contrário do que pensa o senso comum, a Ré não é “proprietária”
do canal em que opera. É, na verdade, uma concessionária do serviço público
federal de radiodifusão de sons e imagens, e, como tal, está sujeita às normas
de direito público que regulam esse setor da ordem social.
Justifica-se
o regime jurídico de direito público porque, diversamente do que acontece nas
mídias escritas, as emissoras de rádio e TV operam um bem público escasso: o
espectro de ondas eletromagnéticas por onde se propagam os sons e as imagens.
Trata-se de um bem público de interesse de todos os brasileiros, pois somente
por intermédio da televisão e do rádio é possível a plena circulação de ideias
no país.
A liberdade
de comunicação deverá ser protegida sempre que cumprir sua função social, mas
será submetida a controle quando incorrer em abuso. Referida liberdade é uma
garantia instituída pela sociedade e para a sociedade, não se podendo admitir,
portanto, que seja utilizada contra esta”.
O
comportamento da âncora do SBT Brasil, infelizmente, não constitui uma exceção
no jornalismo que tem sido praticado na radiodifusão brasileira. Exatamente por
isso e pelo rotineiro recurso das concessionárias desse serviço público ao
argumento da “liberdade de expressão absoluta”, vale relembrar o caso da
RedeTV!
Com a
palavra, o Ministério Público.
__________
Venício A. de Lima é jornalista e
sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB
(aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros
(Cerbras) da UFMG e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos
Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros livros
Reproduzido
de Teoria
e debate
13 fev 2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário