Quando
os barões saíram da sombra: o que aconteceu com a imprensa brasileira nos
últimos 50 anos
Por
Paulo Nogueira no Diário do Centro do Mundo
Blog
do Saraiva
07/02/2013
É interessante o que
aconteceu no jornalismo brasileiro nos últimos 50 anos.
Na época da ditadura militar, os donos das grandes empresas mantinham perfil baixo. Por motivos óbvios: havia risco. Ditaduras têm relação sempre áspera com o jornalismo. A exceção conspícua aí era Roberto Marinho, da Globo. Ele era “absolutamente confiável”, para os militares. Podia dizer que “dos seus comunistas” cuidava, e era verdade. Os comunistas que trabalhavam com Roberto Marinho não escreviam nada que pudesse alimentar sua causa.
Os demais donos não
gozavam da mesma confiança dos militares. Os Mesquitas, que tinham apoiado a
Revolução de 1964, exigiram depois que os militares voltassem logo para os
quartéis. Mas os generais tinham gostado do poder, e terminaram por censurar o
Estadão por muitos anos. Na Folha, sob Octavio Frias de Oliveira, você teve um
jogo duplo. Frias não era um “pensador” como os Mesquitas.
Durante muitos anos ele
manteve um jornal que era seu gesto de confraternização com o regime, a Folha
da Tarde. Iniciei minha carreira nele. Você parecia às vezes estar não numa
redação, mas num quartel. Antogio Aggio Filho, o editor-chefe, era de
extrema-direita. O secretário de redação, Rodrigão, era militar. O
redator-chefe, Torres, tinha livre trânsito no Dops. Não vi isso, mas contavam
na redação que Torres uma vez subira numa cadeira para defender a morte de
guerrilheiros – ou terroristas, como ele os chamava. A meu lado, na redação,
trabalhavam um coronel, apelidado exatamente assim, Coronel. Era discreto,
simpático. Guardo boas lembranças das conversas supérfluas que travávamos ali
no fechamento.
Aggio foi posto no cargo
de diretor da Folha da Tarde em 1969 por Frias, segundo quem a decisão se devia
à competência do jornalista e não a seu trânsito com os militares. Ele varreu
da redação as pessoas de esquerda. O jornalista Jorge Okubaro, que mais tarde
se tornaria editorialista do Estadão, viveu a transição. “Alguns foram
demitidos sob alegação de incompetência, mas o verdadeiro motivo da demissão
foi o fato de terem, em algum momento, feito ou participado de alguma
manifestação que os caracterizava como de esquerda, seja pelas conversas
pessoais, seja pelos textos que eventualmente publicaram”, lembra Okubaro.
Em 1984, quando a
democracia já era visível, Aggio foi demitido. Num texto memorialístico,
escrito alguns anos atrás num blog que mantinha, Aggio afirmou que Frias dizia
que ele era seu “braço direito”. Havia aí uma alusão ao direitismo de Aggio.
Era um jogo de palavras.
O “braço esquerdo” era
Claudio Abramo, diretor da Folha de S. Paulo, um jornalista de formação
trotsquista que Frias tiraria do cargo abruptammente a mando do general Hugo
Abreu na crise provocada por uma crônica (bela) em que Lourenço Diaféria notou
que as pessoas mijavam na estátua do patrono do exército, duque de Caxias, no
centro de São Paulo.
A Folha era relativamente
preservada. Mesmo assim, Frias uma vez pediu a meu pai que escrevesse um
editorial no qual dissesse que não havia presos políticos. Todos os presos
seriam iguais. Era uma resposta ao Estado de S. Paulo, que vinha cobrindo uma
greve de fome de presos políticos em 1972.
Papai não topou, e pagou
o preço do congelamento. Meu pai me contou o episódio, mas só fui ver há pouco
tempo, pelo arquivo, o teor do editorial pedido por Frias — que afinal foi
publicado, escrito imagino a que custo emocional por Claudio Abramo. Várias
vezes Claudio passara por papai, na redação da Folha, para comentar sua
preocupação com amigos que tinha entre os grevistas de fome.
Um trecho: “É sabido que
esses criminosos, que o matutino (Estado) qualifica tendenciosamente de presos
políticos, mas que não são mais do que assaltantes de bancos, sequestradores,
ladrões, incendiários e assassinos, agindo, muitas vezes, com maiores requintes
de perversidade que os outros, pobres-diabos, marginais da vida, para os quais
o órgão em apreço julga legítima toda promiscuidade.”
Ter jornalistas
importantes em cargos de destaque era conveniente, na ditadura, para os
momentos mais complicados. Quando o regime imprensou a Folha depois que o
cronista Lourenço Diaféria escreveu que o povo “mijava” na estátua do Duque de
Caxias, uma absoluta verdade como sabe quem a conhece, Frias pôde oferecer a
cabeça de Claudio Abramo, o diretor de redação, para apaziguar as coisas.
Terminada a ditadura, o
quadro mudou. Ter redações sob o comando deixou de ser um risco. Passou a ser o
que é sempre em situações normais: fonte de prestígio e status.
Os jornalistas deixaram de ser um escudo. Foi quando eles, lenta, segura e gradualmente, foram perdendo espaço e voz nas corporações. A voz dos donos foi avultando. Sem entender esse processo, ninguém conhece compreender o que aconteceu com a mídia brasileira no último meio século.
Daí a semelhança no tom
mesmo de empresas aparentemente tão diferentes, como a Folha e a Globo. De
Arnaldo Jabor a Clóvis Rossi, de Ali Kamel a Merval Pereira, os colunistas
reproduzem com mínimas variações o pensamento conservador. Os jornalistas, como
indivíduos independentes de suas empresas, só voltariam a encontrar microfone
com a internet. O mundo digital, com sua anarquia incontrolável, romperia o
domínio das opiniões. Mais do que por razões econômicas, que existem de resto,
este é o principal motivo pelo qual a internet incomoda tanto as grande
empresas.
Reproduzido
de Diário do Centro do Mundo 06 fev 2013
Divulgado no clipping FNDC 07
fev 2013
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