Ninguém
é dono da internet
Flávia
Lefèvre
Carta
Capital
26/11/2012
Onde
você estava quando o Google foi embora? Como você imaginaria um mundo com a
internet fora do ar?
A internet é um espaço
público, como uma cidade, um parque, o meio ambiente que, apesar de ter surgido
num contexto de guerra, tornou-se o que é hoje por impulso do que o ser humano
tem de mais nobre: a criatividade, inteligência e vocação para socializar,
tornando-a uma importante e decisiva manifestação cultural.
E este espaço ainda está
em estado bruto, sujeito ao poder dos grupos econômicos que veem na internet
uma oportunidade infinita de lucros, bem como ao poder dos governos
autoritários que encaram este valioso palco para as mais diversas e livres
manifestações dos pensamentos e comunicação uma ameaça aos seus domínios.
É neste contexto que
nasceu o projeto de lei (PL 2126/2011) do Marco Civil da Internet, resultado de
um debate intenso contando com a participação significativa da sociedade
iniciado em 2009 pelo Ministério da Justiça, que se deu por intermédio de dois
processos de consulta pública, até chegar à Câmara, tendo como relator o
deputado Alessandro Molon (PT-RJ).
Pretende-se com o PL o
estabelecimento de princípios, garantias, direitos e deveres, bem como a
definição de diretrizes para atuação dos Poderes Públicos para a regulação do
uso da internet no Brasil.
O PL traz princípios
fundamentais para a garantia de que a internet não será apropriada por
interesses comerciais e que não servirá de instrumento para a discriminação
social, o cerceamento da livre manifestação do pensamento e para o desrespeito
à garantia da privacidade.
Sendo assim, é fácil
entender o motivo pelo qual as teles têm mobilizado esforços significativos
para impedir a aprovação do projeto. E seus esforços têm sido bem sucedidos,
especialmente porque encontram respaldo na atuação retrógrada e marcada pelo
viés oligárquico que domina o Congresso Nacional.
Foi assim que no último
dia 20 de novembro, por uma manobra hábil do deputado Eduardo Cunha (PMDB), o
deputado Arnaldo Farias de Sá (PTB) se prestou a apresentar requerimento de
retirada do PL da pauta de votação pela quarta vez, acolhido pelo voto da
maioria dos partidos, menos do PT, PSOL e PCdoB.
O golpe no PL poderá ter
sido decisivo, pois o presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS),
irritado com a manobra, anunciou que a partir daquele momento o projeto deixava
de ser uma prioridade, o que significa um retrocesso.
Corremos o risco de
deixarmos de ter a “Constituição da Internet”, como se comentou na imprensa
internacional noticiando que o Brasil perdeu a oportunidade de se tornar uma
referência geopolítica no cenário da regulamentação dos direitos da internet.
O objetivo das teles é
levar a discussão do tema para a próxima reunião da União Internacional deTelecomunicações (UIT), que ocorrerá em Dubai a partir de 3 de dezembro. Os
grandes grupos econômicos pretendem que na UIT – órgão marcado pela falta de
transparência e sujeito às pressões dos poderosos – consigam definir
orientações contrárias ao princípio da neutralidade das redes, de modo que as
empresas fiquem autorizadas a discriminar o tráfego de pacotes de dados na
internet, de acordo com o valor pago pelos consumidores. Traduzindo: quem pagar
mais vai ter privilégio no tráfego.
Outro ponto fulcral para
as teles: ao contrário do que estabelece o projeto, querem ter o direito de
guardar e usar as informações privadas daqueles que usam suas redes.
Dezenas de entidades da
sociedade civil, entre elas a PROTESTE – Associação de Consumidores – enviaram
cartas a ANATEL – que representa nosso país na UIT – no sentido de deixar
claros os interesses dos cidadãos brasileiros e as divergências com as
pretensões das teles. Sabemos que elas hoje têm um poder de influência
determinante na agência e seria lamentável ver o Brasil defendendo posição
retrógrada quanto ao que foi recentemente reconhecido pelo Conselho dos
Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas de que, assim como a
liberdade de expressão na internet, o acesso às redes de telecomunicações
também se constitui como direito humano fundamental a ser protegido por todos
os países.
No meio dessa forte
disputa, saudamos a União Europeia que, identificando a manobra dos grupos
econômicos, no último dia 23 de novembro divulgou uma carta de diretrizes
afinadas com os princípios expressos no PL do Marco Civil da Internet,
especialmente no que diz respeito à neutralidade das redes.
Estamos, então, num
momento crucial, pois, no fundo, o que as teles pretendem é exercer o poder de
donas da internet; pretendem confundir infraestrutura com o espaço virtual
criado a partir das redes de telecomunicações, sob o falacioso argumento de que
não é justo que empresas de conteúdo como Google, Facebook, Netflix, entre
outras , paguem pelo uso da internet o mesmo do que os pequenos consumidores.
Ocorre que, se essas
empresas ocupam muito as redes é porque nós consumidores demandamos muitas
informações; é este o maior valor envolvido na questão. Quanto mais as empresas
de conteúdo pagarem às teles, mais caros ficarão os valores dos serviços
contratados com os consumidores, trazendo consequências indesejáveis para a
universalização dos serviços ofertados na internet.
A mobilização da sociedade
civil neste momento é urgente e imprescindível; temos de ser eficientes para
que o Congresso Nacional, especialmente a Câmara dos Deputados, atuem de acordo
com os anseios legítimos de nós que os elegemos, apoiando e fortalecendo os
parlamentares comprometidos com o interesse público e com a aprovação do Marco
Civil da Internet.
Leia também:
Reproduzido
de Carta
Capital
26
nov 2012
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