Imprensa
em crise
A
vida dos “donos da mídia” não está fácil. E não falta liberdade, mas
credibilidade. O mau jornalismo é cada vez mais notado e desprezado
Laurindo
Lalo Leal Filho
O próximo dia 7 é o dia
“D” na Argentina: “D” de dezembro, de diversidade e de democracia. É o que diz
um anúncio veiculado pela TV pública durante os jogos de futebol para lembrar a
data da entrada em vigor da nova Lei de Meios Audiovisuais, aprovada há três
anos pelo Congresso.
Lembra também que apenas
um grupo de comunicação insiste em não acatar a lei, aquele que reúne o
conglomerado de veículos encabeçados pelo jornal El Clarin. São 240 Tvs a cabo,
4 Tvs abertas, 9 rádios AM e 1 FM. A nova lei limita a propriedade por empresa
a um máximo de 24 licenças para TV a cabo e dez para emissoras abertas de TV e
rádio (AM e FM).
O objetivo é ampliar a
liberdade de expressão dando voz a setores da sociedade emudecidos pela força
do monopólio. A lei estabelece que as licenças de rádio e TV serão destinadas
em partes iguais a emissoras estatais, comerciais e de “gestão privada sem fins
lucrativos”, algo parecido com as nossas comunitárias.
Ao se negar a cumpri-la
o grupo Clarin afronta o executivo, autor do projeto; o legislativo que o
aprovou e o judiciário por tê-lo considerado constitucional. Para tanto, além
do combate interno, busca apoio internacional como ficou demonstrado na recente
reunião da Sociedade Interamericana de Prensa (SIP), realizada em São Paulo.
No encontro, o caso
argentino foi apresentado como atentado à liberdade de imprensa, servindo de
mote para condenações de outros governos populares, como os da Venezuela,
Bolívia e Equador. O curioso é que nesses países a mídia comercial é
majoritariamente oposicionista e atua com total liberdade. Basta ver as
manchetes e os destaques diários de jornais como o “El Universal”, de Caracas;
do “El Universo”, de Guayaquil; “El Diário”, de La Paz e o próprio “El Clarin”,
de Buenos Aires e grande parte dos programas de TV.
Mas a vida para os seus
proprietários não está mesmo fácil e não é por causa dos governos. A razão está
na crescente perda de credibilidade de suas publicações, cada vez mais
descoladas dos avanços sociais inegáveis que ocorrem nesses países. A
população, ao votar, leva muito mais em conta as melhoras que sente no dia a
dia do que as imprecações estampadas nas páginas de jornais e revistas.
Ao lado, é claro, do
apoio de novas formas de comunicação, como a internet, capazes de mostrar o
outro lado da moeda. E não só ela. Diante do cerco imposto pela mídia
comercial, governos populares passaram a impulsionar meios alternativos. Foi a
forma encontrada para dialogar com a população sem passar por filtros
conservadores.
Reside aí, ao que tudo
indica, o maior desespero dos empresários. Em alguns países sua verdade,
garantida como única, passou a ser confrontada com outras ideias e informações.
Trata-se de um abalo maior do aquele que vem sendo causado pela concorrência
dos meios eletrônicos.
Em todos os encontros empresariais
da mídia sobram interrogações sobre o futuro dos veículos impressos. Aparecem
do dia para noite gurus pagos a preço de ouro para indicar novos caminhos.
Falam em “paywall”, o “muro poroso”, onde o internauta acessa os conteúdos até
um determinado limite de matérias. Depois disso, se quiser seguir, tem que
pagar. A maioria mantém ainda edições impressas e virtuais simultâneas,
enquanto outros tomam decisões mais radicais ficando apenas na internet, como
fez há pouco a tradicional revista “Newsweek”.
De imediato esse parece
ser o maior desafio da mídia tradicional. Mas a médio prazo a questão do
conteúdo será o problema mais grave, não importando o suporte a ser usado, seja
papel ou tela de computador. Na medida em que os níveis de renda e de escolaridade
das populações latino-americanas crescem, suas exigências tornam-se maiores.
Partidarizações em
campanhas eleitorais disfarçadas de “jornalismo independente” serão melhor
percebidas e refutadas. Assim como erros de informação e pautas descartáveis,
tão comuns hoje, desprezadas. Como já começa a acontecer em alguns de nossos
vizinhos para desespero dos “donos da mídia”.
Reproduzido de Revista do Brasil
13
nov 2012
Via
Carta
Maior
Laurindo
Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP.
É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poderda televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.
Faça download/descarregue a Cartilha "Nueva Ley de medios Audiovisuales: desafios para laos medios comunitarios y populares", da FARCO, Doro Argentino de radios Comunitarias, clicando aqui, ou leia em PDF online aqui.
Conheça o site/página de "Donos da Mídia", no Brasil. clicando aqui.
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