Em
entrevista, Muniz Sodré fala de racismo e manipulação da mídia
Muniz Sodré é negro,
baiano, fala russo, alemão, iorubá e francês, é faixa-preta em caratê e
jiu-jítsu. Mas não foi por isso que um dia, quando trabalhava na revista
Manchete, agrediu fisicamente Adolpho Bloch – coisa que muito jornalista já
teve vontade de fazer. Sodré completou 70 anos em 2012, no dia 12 de janeiro, e
entre os vários eventos que lhe prestam homenagem, um leva o nome de um grande
amigo.
O Prêmio de Jornalismo
Abdias Nascimento – organizado pela Comissão de Jornalistas pela Igualdade
Racial (Cojira-Rio), ligada ao Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio –
vai homenagear este professor emérito da Escola de Comunicação da UFRJ. Na
noite de segunda-feira (12/11), em meio à entrega dos prêmios aos jornalistas
vencedores, Sodré será chamado ao palco. Ele vai ouvir algumas palavras, por
sua militância contra a discriminação racial e contribuição à diversidade
cultural, e falar algumas outras.
Antes disso, o site do Sindicato
dos Jornalistas foi até sua casa, no bairro carioca do Cosme Velho, para
uma entrevista sobre imprensa, jornalismo de hoje, de ontem, racismo e
preconceito. Confira a seguir.
Sindicato
dos Jornalistas do Rio: Ao longo de 2012 o senhor recebeu várias
homenagens pelos seus 70 anos. Como o senhor encara isso? A idade começou a
chegar de fato?
Muniz
Sodré: Ela chega. Com 70 anos você
começa a perceber que o corpo não está mais o mesmo. Eu faço esporte violento
(capoeira, caratê, jiu-jítsu), mas o corpo não reage da mesma maneira. Você
sente que o esqueleto não aguenta mais. No caratê, que é um esporte de impacto,
com o passar do tempo as pancadas vão ficando muito fortes. E o corpo não é
mais o mesmo. Faço ioga também. Outro dia, pela manhã, estava com o corpo todo
doído.
Sindicato dos
Jornalistas do Rio: Sua ligação com jornalismo vem de onde?
MS: Eu sempre gostei de ler e escrever. Sempre fui meio CDF. Falo várias línguas. Fui tradutor, falo inglês, francês, alemão, italiano, espanhol, russo, árabe, iorubá (de origem africana, língua dos terreiros de candomblé), fui professor de latim. Era muito conhecido na Bahia por isso. Fui tradutor oficial da Prefeitura de Salvador. Quando você vai envelhecendo, o gosto por falar vai desaparecendo. Não falo bem como eu falava antes. Mas ainda dou conferência nestas línguas. O jornalismo vem desta coisa de escrever. Sempre fui profissional de jornalismo. Mas deixei a profissão em 1974, não estava mais interessado. Tinha um cargo na Bloch. Fui chefe de reportagem e redator da Manchete. Comandei a TVE em 1979 e 80. Meu último cargo público foi na Biblioteca Nacional, de 2005 a 2010. Nunca mais na vida quero cargo público.
Sindicato dos Jornalistas do Rio: Causa muito problema?
MS: É
muito arriscado. Você dirigir orçamento público hoje é tão perigoso quanto
entrar à noite da favela do Rato Molhado (Zona Norte do Rio), você não sai
vivo. Pode entrar armado, vai sair sem arma e sem cabeça. Dirigir orçamento
público é a mesma coisa. Existem duas instituições de controle contábil no País
que acho que são as melhores do mundo: a Controladoria Geral da União (CGU) e o
Tribunal de Contas da União (TCU). Todo mudo acha que no Brasil tem muito
roubo. Tem roubo mas se sabe. É impossível roubar no serviço público sem que
(os órgãos) saibam. Cada conta, cada despesa é controlada integralmente pela
CGU, e no final do ano, pelo TCU.
Sindicato
dos Jornalistas do Rio: Uma vírgula fora do lugar e…
MS: Está
frito. Mas falam que é tanto roubo… Mas se sabe, só escapa quem tem força
política. É um tipo de trabalho que é muito bom para ladrão. Se você é honesto,
você pode se acusado por uma besteira e vai para o Diário Oficial da mesma
forma que o ladrão. Enquanto que o ladrão está acostumado a isso e não vai para
a cadeia. A primeira vez que estou vendo ir para a cadeia alguém deste tipo é
nessa história do mensalão. Quem costuma ir para cadeia mesmo é preto e pobre,
pp.
Sindicato
dos Jornalistas do Rio: E qual a sua avaliação sobre a cobertura dos
jornais atualmente, a exemplo da forma como foi noticiado o julgamento do
mensalão?
MS: Hoje
em dia o leitor se interessa muito pouco por assuntos sérios. O entretenimento
e a diversão são o grande módulo do jornalismo. Isso é uma lástima. Um exemplo:
o Segundo Caderno de O Globo. Os assuntos são música popular, TV, teatro,
shows. Aí você tem colunistas que, se você prestar a atenção, todos estão
ligados ao show business de um modo ou de outro – até quando são muito bons.
Francisco Bosco, filho do João Bosco, é muito bom articulista. Mas o pai é
músico, ele faz letra, é poeta… José Miguel Wisnik (também colunista em O
Globo) é músico, professor. Caetano Veloso é Caetano. Hermano Vianna, irmão de
Herbert Vianna. O show business, o entretenimento atravessam por inteiro o
jornalismo. Tudo é diversão. E acho que isso contaminou o assunto mensalão.
Para atrair leitores para este assunto, que é técnico, precisaram fazer uma
novela do Supremo Tribunal Federal, o bem e o mal. O Lewandowski (Ricardo,
ministro do STF, votou pela absolvição de réus do mensalão) foi votar (nas
últimas eleições) e recebeu vaia porque ficou como vilão da novela. Já o
Joaquim Barbosa (relator do caso) ficou de herói. Acompanhei o mensalão pelo
Globo, pelos jornais, como uma novelização do julgamento.
Sindicato
dos Jornalistas do Rio: A imprensa pode ter sido mais rigorosa por se
tratar de um julgamento que envolve políticos do PT?
MS: Tem
uma atração a mais. Se fosse o PSDB, e não tivesse no poder o PSDB, não teria a
mesma atração. Sabe-se que houve mensalão do PSDB, o caso do FHC nas Ilhas
Cayman, mas nunca tocaram nisso. É o mesmo tipo de escândalo se alguém vê e
denuncia. O problema é que alguém sempre apita, quando apita é preciso saber se
a imprensa está disposta a pegar isso.
Sindicato
dos Jornalistas do Rio: Pelo que o senhor observa nos alunos de
Jornalismo, qual é a expectativa deles com o futuro profissional, com o que vão
encontrar?
MS: O
jornalismo mudou. Ninguém que sai de lá (ECO) está desempregado. Estão nas
redações? Não. O maior mercado é a assessoria de comunicação, depois a
Internet. A comunicação hoje é um território onde a sociedade se desenvolve. As
pessoas no fundo criam seus próprios empregos hoje. Claro, tem muitos que vão
para jornal, para rádio, TV. As redações estão cheias de ex-alunos da ECO, da
Fluminense, da PUC. Mas é um emprego de uma rotatividade muito grande, você
passa pouco tempo nele. A profissão de deslocou da questão da entidade do
jornalista.
Fonte: Sindicato dos
Jornalistas do Rio
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