O
poder da mídia, contradições e (in)certezas
Por
Venício A. de Lima em 23/10/2012 na edição 717
Apesar da certeza
arrogante com que alguns “pesquisadores” nos oferecem interpretações sobre a
influência da grande mídia – ou da inexistência dela – tanto no funcionamento
das instituições republicanas como no comportamento coletivo – ou no
comportamento do que se chama de “opinião pública” –, os dias que correm
oferecem razões de sobra para muita reflexão e humildade.
Alguns exemplos
reveladores:
1. É difícil
acreditar que a posição unânime da grande mídia favorável à condenação de todos os
réus, por todos os crimes a eles imputados pelo Ministério Público na Ação
Penal nº 470, ao longo dos últimos sete anos, não tenha exercido influência
importante no resultado do julgamento no STF.
Dito de outra forma:
tivesse a grande mídia, desde a primeira denúncia, em 2005, pautado sua
cobertura pelo princípio constitucional da “presunção de inocência” em relação
a todos os réus e a todas as acusações, o resultado do julgamento teria sido o
mesmo?
Supondo que a resposta
correta a essa pergunta seja “dificilmente”, estaremos admitindo a influência
direta da grande mídia sobre o Judiciário, vale dizer, um dos três poderes da
República.
Nova visibilidade
2. A se confirmarem
os resultados ainda pendentes no segundo turno das eleições municipais, será
possível afirmar que o julgamento da Ação Penal nº 470 não produziu o resultado
esperado (desejado) pela grande mídia e pelos partidos de oposição [ao governo
Dilma e ao governo anterior do presidente Lula]. Isto é, apesar de anos
seguidos de “julgamento e condenação pública” de quadros dirigentes do PT e de
alguns de seus partidos aliados, candidatos desses partidos venceram disputas
em cidades-chave e tiveram expressivo número de votos em todo o país.
Seria correto, portanto,
afirmar que a grande mídia não exerce mais a influência decisiva que já exerceu
em campanhas eleitorais como, por exemplo, nas eleições presidenciais de 1989
(Collor x Lula).
3. O Ibope divulgou
recentemente o resultado comparativo das preocupações predominantes entre os
brasileiros no ano de 1989 e em 2010 (ver
aqui).
O quadro abaixo é
autoexplicativo, todavia vale destacar o comentário que está no release de
divulgação dos resultados em relação ao “tipo de preocupação” corrupção.
Afirma o Ibope:
“Apesar das
constantes notícias sobre o assunto, o combate à corrupção também preocupa
menos o brasileiro: de 20% passou a ser citada por 15% dos entrevistados.”
Qual a relação da queda
da preocupação do brasileiro com a corrupção e as “constantes notícias” – uma
verdadeira campanha de moralidade seletiva e criminalização da política –
veiculadas na grande mídia desde 2005?
Preocupações
nacionais, ontem e hoje (IBOPE)
|
||
Tipo de preocupação
|
1989
|
2010
|
Inflação
|
57
|
4
|
Saúde
|
49
|
66
|
Segurança Pública
|
15
|
42
|
Educação
|
41
|
31
|
Desemprego
|
39
|
29
|
Combate à corrupção
|
20
|
15
|
Habitação
|
15
|
9
|
Dívida Externa
|
24
|
-
|
Drogas
|
-
|
29
|
Fichas
técnicas das pesquisas
|
||
Abrangência
|
Nacional
|
Nacional
|
Período de campo
|
Novembro/1989
|
Maio/2010
|
Entrevistas
|
3.650
|
2.002
|
Margem de erro
|
2 pontos percentuais
|
2 pontos percentuais
|
4. O final da
novela Avenida Brasil da Rede Globo prendeu a atenção de boa parte do
país na sexta feira (19/10). As Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc)
já haviam constatado queda do consumo de energia durante o horário em que a
novela esteve no ar: 5% entre 21h e 22h. Por causa da novela, o comício do
candidato a prefeito de São Paulo Fernando Haddad, com a participação da
presidenta Dilma, marcado para o mesmo dia do capítulo final, foi adiado.
Considerando que a
novidade foi a visibilidade que deu à chamada “nova classe C”, vale perguntar:
quais modelos de comportamento (político, ético, de consumo etc., etc.) foram
“oferecidos” diariamente à imensa audiência mobilizada por essa novela?
Outros
tempos
Aparentemente
contraditórios, esses fatos deveriam obrigar “pesquisadores” a pensar duas
vezes antes de fazer avaliações definitivas: se há grande influência sobre o
Judiciário, ela parece ser bem menor em relação aos resultados eleitorais
(salvo o aumento nos índices de abstenção?) ou às preocupações dominantes entre
os brasileiros. Por outro lado, o que dizer sobre uma novela que mobiliza
milhões de pessoas a ponto de interferir diretamente na organização do tempo
cotidiano? E, mais importante, o que tudo isso tem a ver com o processo
democrático?
Hoje, como sempre, não
existe explicação simples para a enorme complexidade das relações entre a
mídia, as instituições republicanas e, sobretudo, a cidadania.
Um fato, todavia, parece
certo: de maneira geral, a grande mídia não exerce mais o imenso poder que já
teve sobre a maioria da população brasileira. Ainda bem.
***
[Venício A. de Lima é
jornalista e sociólogo, pesquisador visitante no Departamento de Ciência
Política da UFMG (2012/2013), professor de Ciência Política e Comunicação da
UnB (aposentado) e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos
Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros]
Reproduzido
de Observatório
da Imprensa
23
out 2012
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