Precisamos
regulamentar imprensa no Brasil, afirma Lula
Vanessa
Silva/ Portal Vermelho
Portal
CUT
18/10/2012
Ex-presidente
se soma à mobilização “por um novo marco regulatório da comunicação”
O ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva está na Argentina, onde cumpre intensa agenda política:
almoçou com a presidenta Cristina Kirchner, na quarta (17) e participa, nesta
quinta (18) de um congresso empresarial. Em entrevista ao jornal La Nación, ecoando
o amplo debate a respeito da entrada em vigor da lei dos meios naquele país,
Lula foi taxativo ao avaliar a situação do Brasil: “aqui precisamos instalar
uma discussão política sobre um novo marco regulatório da comunicação”.
Lula também falou sobre
o menor crescimento econômico do Brasil neste ano e destacou a necessidade de
uma reformulação no FMI e nos organismos internacionais como a ONU. Com relação
ao polêmico julgamento do mensalão e a possibilidade de ele também ser julgado,
é categórico: “eu já fui julgado. A eleição de Dilma foi um julgamento
extraordinário. Um presidente com oito anos de mandato sair com 87% de
aprovação é um tremendo julgamento”.
Meios
de comunicação
Eu penso que poucos
líderes políticos do mundo foram e são tão criticados pela imprensa como eu. No
entanto, não reclamo. Eu nunca tive a imprensa a meu favor, e não é por isso
que deixei de ser presidente com a maior aprovação de meu país. Me parece que
devemos acreditar na sabedoria dos leitores, dos ouvintes de rádio e dos telespectadores.
Eles saberão julgar os valores do comportamento de um político, e também do
comportamento da imprensa.
Acredito que no Brasil
precisamos instalar uma discussão política sobre um novo marco regulatório da
comunicação. A última regulação é de 1962, não há nenhuma explicação para que
no século 21 tenhamos a mesma regulação que em 1962, quando não havia telefones
celulares, nem internet. A evolução que teve nas telecomunicações não está
regulada. Essa briga existe na Argentina, na Venezuela, no México, onde Ricardo
Salinas e Slim estão em guerra todo santo dia. E no Brasil preparamos uma
conferência nacional – na qual participaram partidos, meios de comunicação,
telefonia – e elaboramos uma proposta de regulação, que precisa ser discutida
com a sociedade. Não há modelo definitivo, não há o modelo de O Globo, da
Folha, de Lula ou de Dilma, isso não existe. Então vamos começar uma discussão
com a sociedade para saber o que é o mais importante para que os meios de
comunicação sejam cada vez mais retransmissores de conhecimento, de informação,
cada vez mais livres e sem ingerência do governo.
Relações
internacionais
O fato de querermos
fazer uma reforma nas instituições multilaterais não depende da crise. A crise
apenas agravou este debate. O Brasil, há pelo menos 15 anos luta para que a ONU
seja reformada, e que tenha uma representação do mundo geográfico
correspondente a 2012 e ao século 21 e não que represente o mundo de 1948. Não
há explicação para que apenas cinco países tenham o controle dos assuntos mais
importantes do mundo, sem que haja um representante da América Latina, da
África, sem um país de 1 bilhão de habitantes como a Índia ou mesmo a Alemanha.
Queremos que a ONU e o
Conselho de Segurança sejam representativos da realidade de hoje, e não do
passado.
O FMI também tem que ser
reformado para que possa funcionar como um banco que possa ajudar os países em
crise e não como um banco para fazer pressão nas economias dos países pobres.
Na crise atual dos Estados Unidos e Europa, o FMI não sabe o que fazer. Ninguém
sequer quer escutar o FMI! É como se não servisse para nada! Dá a impressão de
que foi criado para Argentina, Brasil, Bolívia ou México e não para a Alemanha
nem Grécia. É por isso que nós queremos fazer um debate.
Integração
Sonho com a integração
da América Latina. A integração não é um discurso, deve transformar-se em um
ato cotidiano de cada cidadão e de cada governante. E ainda nos resta muito por
fazer.
Irã
Vejamos o caso do Irã.
Todos os dias vejo notícias que dizem que o Irã quer construir uma bomba
atômica. Eu não acredito nisso. Eu desejo para o Irã o mesmo que desejo para o
Brasil: utilizar a energia nuclear para fins pacíficos. E com esta ideia eu fui
ao Irã. Os membros do Conselho de Segurança nunca tinham conversado com [Mahmoud]
Ahmadinejad. A política foi terceirizada, colocam assessores para conversar e
os presidentes nunca conversam. E quando eu disse que ia conversar com
Ahmadinejad para que ele se comprometesse a aceitar as regras que eram impostas
pela AIEA, disseram que era ingênuo. Fomos ao Irã, estivemos dois dias juntos
com a Turquia, e conseguimos que o Irã se comprometesse com o que os
norte-americanos e a União Europeia queriam. Para a minha surpresa, quando
Ahmadinejad aceitou e nós apresentamos um documento assinado, o que aconteceu?
Sancionaram o Irã. Por quê? Porque não era aceitável que um país do terceiro
mundo tivesse conseguido o que eles não conseguiram.
Chávez
É necessário analisar a
Venezuela não em comparação com o Brasil ou Argentina, nem com a Europa. Tem
que analisar a Venezuela de Chávez em comparação com a Venezuela antes de
Chávez. E melhorou muito a Venezuela. O povo pobre ganhou dignidade. A América
do Sul ganhou muito com o Chávez. Porque antes até os vasos sanitários eram
importados dos Estados Unidos. Hoje importa de outros países: Brasil,
Argentina… A Venezuela começou a olhar a América Latina e por isso defendi a
entrada da Venezuela no Mercosul. Pela importância estratégica da Venezuela, é
uma das maiores reservas de petróleo do mundo e de gás, tem um potencial
energético extraordinário. Nós precisamos, enquanto Unasul, discutir como nos
tornar sócios dessa riqueza que temos. Por isso penso que Chávez foi importante
para a Venezuela. (…) Com a minha chegada ao poder, a de Kirchner, de Chávez, de
Evo Morales, foi que as pessoas começaram a perceber que gostamos de nossos
países, que começamos a ver nossos países a partir de nossa própria realidade.
Isso mudou. Quando cheguei ao governo, a relação comercial entre Brasil e
Argentina era de 7 bilhões. No ano passado, foi 40 bilhões de dólares.
Mercosul
Penso que o que fizemos
na América do Sul já é muito. O problema é que éramos países com uma cultura
colonizada, com uma mente colonizada. Fomos doutrinados para que nos víssemos
como adversários, como inimigos e os amigos estavam no norte. Quando na
verdade, não tem que ter inimigos nem no Norte, nem aqui, temos que construir o
que for bom para Argentina e Brasil. Lembro que há muito tempo realizamos
reuniões onde muitos países diziam que o Mercosul já não interessava, que o
Mercosul tinha acabado, e que havia que implementar a Alca. Hoje, nem o governo
norte-americano fala da Alca. Sequer eles.
Mensalão
Não me manifesto sobre
esse processo, primeiro porque naquela época eu era presidente da república e
creio que um ex-presidente não pode opinar sobre a Suprema Corte.
Principalmente quando o processo está em desenvolvimento. Vamos esperar que
termine o processo e então com certeza poderei emitir minha opinião.
Eu já fui julgado. A
eleição de Dilma foi um julgamento extraordinário. Um presidente com oito anos
de mandato sair com 87% de aprovação é um tremendo julgamento e não me preocupo
com nada. Cada poder: Executivo, Legislativo ou Judicial, tem suas próprias
responsabilidades e cada um deve cumprir com a mesma.
Economia
Sejamos sinceros. Há uma
desaceleração econômica promovida pelo próprio governo. Obviamente há problemas
com a crise econômica, mas acontece que em 2010 nós crescemos muito, o consumo
era exageradamente alto e era necessário diminuir um pouco esse ímpeto da
economia. Essa redução do governo também foi afetada pela crise internacional.
Houve uma diminuição das exportações. As exportações da Argentina caíram quase
20%, houve uma diminuição importante, e no nível mundial a diminuição foi
somente 6%. Era necessário controlar a inflação. As informações que tenho da
presidência e do ministro da Fazenda é que a inflação está controlada e para o
próximo ano, Brasil voltará a crescer mais ou menos 4,5%.
Volta
à presidência
Um político não pode
nunca descartar [esta hipótese]. O problema é que cada vez que fazem esta
pergunta... se eu digo que não o descarto, a imprensa diz: “Lula admite que
será candidato”. Se eu digo o contrário, dizem “Lula nunca mais será
presidente”. Eu sou um político, e creio que já cumpri minha parte. Toda a
minha vida tive vontade de provar que era capaz de fazer o que eu reivindicava,
e creio que conseguimos fazer muito mais. Hoje, o principal legado que deixamos
para a sociedade brasileira, além dos 40 milhões de brasileiros que ascenderam à
classe média, além do aumento do salário mínimo, dos 17 milhões de empregos
formais criados, o principal legado é a relação entre o Estado e a sociedade.
Realizamos 73 conferências nacionais. As principais políticas de meu governo
foram decididas em plenários, onde havia debates no âmbito municipal, estatal e
nacional. Eram políticas de todas as áreas, tudo foi discutido. Queria provar a
mim mesmo que um governante nunca, em hipótese alguma, deve ter medo de
conversar com a sociedade. Não podemos ver em cada pessoa que nos cerca na rua
um inimigo. Porque muitas vezes temos que nos perguntar por que é inimigo agora
se votou em mim.
Reproduzido
de clipping FNDC
18
out 2012
Foto: Foto: Juani Roncoroni/Estadão . Via Portal Vermelho
O ex-presidente Lula visita a presidente argentina, Cristina Kirchner, no Palácio do Governo, em Buenos Aires, nesta quarta-feira (17)
Leia também:
"PT retomará debate sobre a mídia?", por Altamiro Borges (20/10/12) do Blog do Miro, via clipping FNDC clicando aqui.
"Chávez e a derrota dos barões da imprensa", por Roberto Amaral (22/10/12) no Brasil de Fato, via clipping do FNDC clicando aqui.
"Venezuela: ministro quer construção coletiva da comunicação", por Prensa Latina no Portal Vermelho (22/10/12) via clipping do FNDC clicando aqui.
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