sábado, 4 de fevereiro de 2012

Ignácio Ramonet: Não existe a tão aclamada neutralidade da imprensa'


"Não existe a tão aclamada neutralidade da imprensa", diz diretor do Le Monde Diplomatique

Samir Oliveira . Sul 21
30/01/2012

O diretor de redação do jornal francês Le Monde Diplomatique, Ignácio Ramonet, acredita que a mídia deveria se posicionar claramente sobre a linha ideológica e política que segue. Doutor em Sociologia e professor de Teoria da Comunicação, o jornalista, que comanda um periódico abertamente de esquerda, diz que não existe a tão aclamada neutralidade da imprensa.

“Um jornal que diz que é objetivo é um jornal alinhado à direita e que tenta esconder seu ponto de vista”, explica. Ramonet entende que os veículos de comunicação deveriam deixar claras as posições políticas e ideológicas que defendem. “Não tenho nada contra um jornal ser de direita, acho interessante que existam. Mas que fique claro que representa o ponto de vista dos empresários, da burguesia e da classe conservadora”, aponta.

O jornalista esteve em Porto Alegre na semana passada para participar das atividades do Fórum Social Temático e mesmo com uma apertada agenda encontrou tempo para conversar durante meia hora com a reportagem do Sul21. Nesta entrevista, ele analisa também o papel das esquerdas na crise capitalista que assola a Europa e contrapõe a situação no velho continente ao momento vivido pela América Latina. “A América Latina está construindo o Estado de bem-estar social, enquanto na Europa ele está sendo destruído”, compara.

Sul21 – O senhor escreveu o livro A tirania da comunicação. Quais os propósitos por trás da atuação jornalística dos grandes veículos e comunicação?

Ignácio Ramonet – O jornalismo está vivendo várias crises. A primeira delas é a dominação pelos grandes grupos globais. Esses grupos são multimídia, detêm televisões, imprensa escrita, rádios e sites. E se comportam como atores da globalização, o que faz com que não tenham a mesma relação direta com os leitores. A segunda crise jornalística foi criada pela internet. Em muitos países, a imprensa escrita está desaparecendo, sendo substituída pelos meios digitais. E aí vem também uma crise econômica, porque o modelo de sustentação da imprensa escrita não funciona mais. Caíram a publicidade e as tiragens.

Sul21 – A internet não trouxe benefícios ao jornalismo?

Ignácio Ramonet – O problema é que temos dois modelos – o impresso e o digital – e nenhum deles funciona. Provavelmente, o que vai prevalecer será o modelo digital, até porque a informática se aprimora cada dia mais nos países em desenvolvimento. Uma consequência do advento da internet é o que os cidadãos podem intervir muito mais do que antes. O público não é mais passivo, hoje existe a possibilidade de comentar e de difundir a informação. Isso também afeta o trabalho do jornalista, que acaba possuindo um papel diferente, não está mais num pedestal. Não é mais só o jornalista que fala. A relação hoje em dia é muito mais interativa. Por outro lado, isso gera uma crise de identidade: se todo mundo pode ser jornalista, o que é, de fato, ser jornalista? Onde está a especificidade de um jornalista, se qualquer pessoa pode sê-lo?

Sul21 – A internet, com a força das redes sociais, está se convertendo numa ferramenta efetiva contra o monopólio da informação pela mídia tradicional?

Ignácio Ramonet –  O panorama está mudando. A internet pode romper os monopólios? Sim, pode ser que seja possível. Mas não acredito que se deva pensar que se alcançará uma fase de democratização da informação. O que há é uma ilusão de democratização, já que hoje em dia todos podemos produzir e difundir informação. Há uma noção de que estaríamos nos auto-informando. Mas, na realidade, todos são auxiliados pelas fontes centrais de informação. Então há uma maior participação das pessoas, mas ainda existem os monopólios. E esses monopólios já integram o Facebook, o Twitter e possuem suas páginas digitais. A democratização existe, mas os monopólios não se enfraqueceram. No fundo, o que está mudando é a defesa das pessoas contra a tentativa de domesticação levada adiante pela mídia dominante. Do ponto de vista ideológico, o objetivo dos grandes meios de comunicação é domesticar a sociedade. Com as novas ferramentas digitais e com as redes sociais, surge um modo de se defender disso.


Sul21 – Aqui no Brasil a mídia se diz imparcial e desprovida de objetivos políticos. Nenhum jornal da imprensa tradicional se qualifica abertamente como de esquerda ou de direita. O senhor, como diretor do Le Monde Diplomatique, um jornal de esquerda, avalia que é necessário haver maior transparência quanto à posição ideológica da mídia?

Ignácio Ramonet –  Acredito que são os leitores que dão identidade a um jornal. O jornal não diz “somos de esquerda”. Mas, sem dúvida, a neutralidade não existe. Um jornal que diz que é objetivo é um jornal alinhado à direita e que tenta esconder seu ponto de vista. Não tenho nada contra um jornal ser de direita ou de centro-direita, pelo contrário, acho interessante que existam. Mas que fique claro que representa o ponto de vista dos empresários, da burguesia e da classe conservadora. Não acredito que se possa dar a informação de maneira objetiva. Existem fatos objetivos, mas o comentário sobre eles será sempre diferente. E é importante que seja assim, desde que se jogue com as cartas na mesa.


Sul21 – O governador Tarso Genro disse num evento do FST que a esquerda precisa perder o medo da mídia e enfrentar temas que a imprensa “mastiga de forma negativa”. É exagerada a cautela dos políticos em relação à mídia?

Ignácio Ramonet – Os meios de comunicação têm uma função absolutamente indispensável numa sociedade democrática. Mas não são partidos políticos e não devem pensar que o são. Se querem se transformar em partidos, que se apresentem nas eleições. O papel crítico da mídia é indispensável na democracia. Mas não podem confundir crítica com oposição. Na América Latina muitos veículos de comunicação que têm dominado a vida intelectual acreditam que são mais importantes que os partidos políticos. Nesse continente, os latifundiários da imprensa são os novos amos das consciências. Acreditam que podem domesticar a população e não aceitam a autonomia do poder político.

Leia a entrevista completa em Sul 21 clicando aqui.

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