Dilma Rousseff colheu o que não semeou
A presidenta colheu precisamente os
resultados do que não semeou: não promoveu a emergência de um sistema
democrático de informação.
Wanderley Guilherme dos Santos
Aproveitando
a vaia pornofônica que singularizou a participação dos reacionários e
distraídos na abertura da Copa das Copas, a oposição saiu-se com o comentário
de que a presidenta Dilma Roussef colheu o que semeou. Pensou que estava
abafando. Não estava. Para além da falta de compostura e civilidade, a oposição
errava outra vez no diagnóstico. A presidenta colheu precisamente os resultados
do que não semeou: não promoveu a emergência de um sistema de informação
democratizado.
A falta de
pluralismo nos meios de comunicação não é ambição de esquerdas partidárias.
Trata-se da prestação de um serviço privado, pago por consumidores, atualmente
fraudados em suas aspirações de consumo. Ler um jornal, uma revista ou assistir
ao noticiário da televisão faz parte da pauta de itens que a vida moderna põe,
ou devia por, à disposição de quem os deseje usufruir. E os consumidores têm o
direito de protestar. Assim como os passageiros urbanos reclamam da qualidade
dos serviços pelos quais pagam, os leitores e espectadores insatisfeitos se
julgam ludibriados pelos fornecedores da mercadoria que compram.
Os jornais,
revistas e emissoras de televisão registraram com olhos complacentes os
quebra-quebras aleatórios propulsionados pela carestia e falta de qualidade dos
transportes em circulação. Não seria bom para a democracia, tal como não o eram
os destemperos de violência, que os desgostosos com o pífio padrão do
jornalismo, minorias como as de junho do ano passado ou maiorias como a queda
de audiência e circulação atestam, empastelassem jornais ou ocupassem estações
de televisão, exigindo participação e honestidade de gestão.
Durante o
período que antecedeu a Copa das Copas e não somente em relação a ela, os meios
de informação sonegaram centenas, milhares de notícias altamente relevantes
para a vida dos leitores e espectadores. Mais do que isso, disseminaram
incansavelmente uma visão de mundo incompatível com a realidade dos fatos. Era
falso que os aeroportos, estádios, avenidas e metrôs não iriam ficar prontos.
Era falso que os gramados não drenariam as chuvas, as comunicações não
funcionariam, os holofotes não acenderiam. Era falso que os turistas seriam
assaltados, que não haveria segurança, que conflitos gigantescos ofuscariam os
jogos nos campos de futebol pela pancadaria generalizada nas arenas do lado de
fora. Tudo falso. Moeda falsa. Produto estragado vendido a preço de luxo.
As trombetas
da derrocada econômica, da inflação sem controle, do afinal bem vindo
desemprego, são igualmente serviço fraudulento. Os leitores estão sendo
diariamente lesados em sua boa fé, duplamente: não são informados do que ocorre
efetivamente na sua cidade, no seu estado e no país, e são levados a acreditar
que há um pesadelo à espreita assim que puserem os pés fora de casa. Quando não
o vêem não é porque não exista, mas porque ainda não chegou a alguns lares:
inflação, desemprego, falta de saúde e de educação; pior, falta de perspectiva.
A lição é
terrível. Dela sabiam os tiranos da antiguidade, os tiranos da
contemporaneidade os imitaram: um sistema articulado de falsidades pode
produzir os delírios fantasistas ou as angústias aterradoras de uma droga, se
absorvido por tempo suficiente. Uma imprensa oligopolizada é nada menos do que
uma droga. Eficientíssima, capaz de produzir o pessimismo sem fundamento das
análises econômicas, tanto quanto o desvario irracional das vaias pornofônicas.
Ao se manter indiferente à péssima qualidade do serviço pago, inclusive com as
bondades das concessões e outras benfeitorias, a presidenta Dilma Roussef colheu
o que não semeou.
Reproduzido
de Carta
Maior
02 jul 2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário