Foto: Manifestantes contra a Imprensa (21/06/2013 . Blog do Saraiva
Outro legado da copa
Por Laurindo Lalo Leal Filho
26 jun 2014
Além de
estádios, aeroportos e alguns novos serviços de transporte, a Copa do Mundo no
Brasil deixa um outro grande legado: a certeza de que precisamos ampliar a
liberdade de expressão no país.
Restrita a
alguns jornalões diários, a revistas semanais monocórdicas (com exceção da
Carta Capital) e a um conjunto oligopolizado de emissoras de rádio e TV, a
informação homogênea, já denunciada há muito tempo pela mídia alternativa,
tornou-se cristalina nesta Copa.
A revista
semanal de maior tiragem chegou a anunciar que devido ao ritmo das obras dos
estádios o Brasil só teria condições de realizar a Copa em 2038. Mas não foi só
ela que vendeu essa mentira ao brasileiros. Foi a mais descarada, sem dúvida,
não contando no entanto com o privilégio da exclusividade.
Basta
consultar os jornais ou conseguir acesso aos telejornais dos últimos anos para
constatar que todos rezaram pela mesma cartilha. O objetivo era desacreditar da
capacidade do governo brasileiro em oferecer as condições necessárias para a
realização de um evento desse porte.
A expressão
“imagina na Copa” foi uma das mais ouvidas em aeroportos, rodoviárias, avenidas
e estradas congestionadas e até em filas de bares e restaurantes, nos últimos
tempos. Refletia a expectativa negativa criada pela mídia em torno do evento.
O clima ruim
propagado dessa forma se alastrou mundo afora. Equipes estrangeiras de
jornalistas baseadas no Brasil são raras. Na maioria dos casos a cobertura do
pais é realizada por apenas um correspondente que se pauta, invariavelmente,
pela mídia nativa.
Deu no que
deu. Até uma Brazuca (bola oficial desta Copa) incandescente se aproximando
como um meteoro mortal sobre o Rio de Janeiro ilustrou a capa de uma revista
alemã. O Brasil era um perigo para quem por aqui se aventurasse neste 2014.
Governos de alguns países alertaram seus cidadãos para esses riscos.
Tentava-se
destruir em pouco tempo todo o esforço empreendido pelo governo brasileiro, a
partir de 2002, para fazer dos país um ator respeitado, não apenas pelas
transformações que operava internamente, mas também por sua seriedade e
capacidade de ação política no cenário internacional.
Basta lembrar
o protagonismo de Brasília, ao lado do governo turco, ao alinhavar com o Irã um
acordo nuclear estimulado e depois boicotado pelos Estados Unidos.
Há uma cena
impagável no filme “Habemus Papam”, do diretor italiano Nanni Moretti, quando
após a morte do Papa o seu sucessor (representado pelo excelente Michel
Piccoli) reluta em assumir o posto. Um dos cardeais, desesperado com a demora,
alerta que daquele jeito logo o presidente do Brasil estaria por lá para ajudar
a encontrar uma solução.
Ao que tudo
indica, no entanto, lá como cá, a população não foi na onda da mídia. Estádios,
ruas e praças estão lotadas, nunca houve tantos turistas circulando pelo Brasil
ao mesmo tempo como nestes dias. Talvez pudessem ter vindo mais, não fossem os
fantasmas plantados pela mídia.
Até a critica
de que o ex-presidente Lula exagerou ao propor à FIFA um número maior de
cidades-sede para a Copa foi por água abaixo. Todas estão dando conta do
recado. Só é lamentável que cidades como Belém ou Florianópolis tenham ficado
de fora. Em vez de 12 poderiam ter sido 14 ou quem sabe 16.
Diante de
tudo isso os meios de comunicação farão auto-crítica ou serão responsabilizados
pelas perdas causadas ao país? Claro que não. Basta ver que a torcida contra
não desapareceu. Pequenos incidentes, comuns a qualquer grande evento, seguem
tendo destaque. Para não falar da mesma revista, antes mencionada, que soltou a
manchete: “Só alegria até agora”. O “até agora” é revelador da intenção.
Ao transitar
das questões estritamente políticas para as político-esportivas a mídia
tradicional deu uma contribuição importante para a revelação a um público mais
amplo do seu papel disseminador de um pensamento único, antagônico aos
interesses da ampla maioria da população brasileira.
Tiragens de
jornais e revistas em queda, audiências de telejornais despencando são as
respostas do público, cada vez mais consciente de que, por esses meios, não
escapa do pensamento único.
Como através
do mercado não há solução para o problema, ao contrário, ele só joga a favor da
concentração da propriedade dos meios, resta a saída única da presença do
Estado, regulando a comunicação para ampliar a liberdade de expressão.
A consciência
dessa necessidade por camadas cada vez mais amplas da população é, sem dúvida,
um dos maiores legados da Copa das Copas.
__________
Laurindo Lalo
Leal Filho é sociólogo, jornalista e professor de Jornalismo da ECA-USP.
Twitter: @lalolealfilho.
Reproduzido do
Blog do Zé Dirceu
26 jun 2014
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