Manuel
Castells analisa as manifestações em São Paulo
Sociólogo
espanhol, Manuel Castells esteve no Fronteiras do Pensamento
2013 para a conferência Redes de indignação e esperança, homônima à
sua mais recente obra, a ser lançada no Brasil em setembro (editora Zahar). Em
São Paulo, no preciso momento de sua fala no Teatro Geo (11/06), a Avenida
Paulista era espaço de tensão entre a polícia militar e os manifestantes contra
o aumento das passagens de ônibus. Questionado pelo público sobre o que estava
acontecendo na cidade, Manuel Castells respondeu:
Todos estes movimentos, como todos os movimentos sociais
na história, são principalmente emocionais, não são pontualmente indicativos.
Em São Paulo, não é sobre o transporte. Em algum momento, há um fato que traz à
tona uma indignação maior. Por isso, meu livro se chamaREDES de indignação e de
esperança. O fato provoca a indignação e, então, ao sentirem a possibilidade de
estarem juntos, ao sentirem que muitos que pensam o mesmo fora do quadro
institucional, surge a esperança de fazer algo diferente. O quê? Não se sabe,
mas seguramente não é o que está aí. Porque, fundamentalmente, os cidadãos do
mundo não se sentem representados pelas instituições democráticas. Não é a
velha história da democracia real, não. Eles são contra esta precisa prática
democrática em que a classe política se apropria da representação, não presta
contas em nenhum momento e justifica qualquer coisa em função dos interesses
que servem ao Estado e à classe política, ou seja, os interesses econômicos,
tecnológicos e culturais. Eles não respeitam os cidadãos. É esta a
manifestação. É isso que os cidadãos sentem e pensam: que eles não são
respeitados.
Então, quando há qualquer pretexto que possa unir uma
reação coletiva, concentram-se todos os demais. É daí que surge a indicação de
todos os motivos - o que cada pessoa sente a respeito da forma com que a
sociedade em geral, sobretudo representada pelas instituições políticas, trata
os cidadãos. Junto a isso, há algo a mais. Quando falo do espaço público, é o
espaço em que se reúne o público, claro. Mas, atualmente, esse espaço é o
físico, o urbano, e também o da internet, o ciberespaço. É a conjunção de ambos
que cria o espaço autônomo. Porém, o espaço físico é extremamente importante,
porque a capacidade do contato pessoal na grande metrópole está sendo negada
constantemente. Há uma destituição sistemática do espaço público da cidade, que
está sendo convertido em espaço comercial. Shopping centers não são espaços
públicos, são espaços privados organizando a interação das pessoas em direção a
funções comerciais e de consumo. Os cidadãos resistem a isso.
Veja que interessante é o caso da Praça Taksim e do
Parque Gezi, em Istambul. Há meses, eles estão protestando contra a destruição
do último parque no centro histórico da cidade, onde seria construído um
shopping center, um complexo dedicado aos turistas, que nega aos jovens o
espaço que poderiam ter para se relacionar com a natureza, para se reunir, para
existir como cidadãos. Portanto, é a negação do direito básico à cidade. O
direito, como disse Henri Lefebvre, de se reunir e ocupar um espaço sem ter que
pagar, sem ter que consumir ou pedir permissão a autoridades. Por isso,
tenta-se ultrapassar a lógica da liberdade na internet à liberdade no espaço
urbano.
Eu não posso opinar diretamente sobre os movimentos que
estão acontecendo neste momento aqui em São Paulo, mas há algumas
características de tentar manifestar que a cidade é dos cidadãos. E este é o
elemento fundamental em todas as manifestações que eu observei no mundo.
O que muda atualmente é que os cidadãos têm um
instrumento próprio de informação, auto-organização e automobilização que não
existia. Antes, se estavam descontentes, a única coisa que podiam fazer era ir
diretamente para uma manifestação de massa organizada por partidos e sindicatos,
que logo negociavam em nome das pessoas. Mas, agora, a capacidade de
auto-organização é espontânea. Isso é novo e isso são as redes sociais. E o
virtual sempre acaba no espaço público. Essa é a novidade. Sem depender das
organizações, a sociedade tem a capacidade de se organizar, debater e intervir
no espaço público.
Reproduzido de Fronteiras do Pensamento
15 jun 2013
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