Conselho de Comunicação Social expõe vícios na concepção do Congresso Nacional sobre comunicação
Mariana Martins
Para o Observatório do Direito à Comunicação
20/07/12
Foram seis anos de espera para a convocação da nova gestão do Conselho de Comunicação Social (CCS), que estava sem funcionar desde 2006, em desacordo com o disposto na Constituição Federal. Na terça-feira (17/7), o Senado Federal, órgão responsável pela nomeação do CCS, divulgou os 26 membros do Conselho, sendo 13 titulares e o mesmo número de suplentes.
Dentre os titulares, nenhuma mulher. Dentre os membros da sociedade civil, no máximo o representante da Fundação Getúlio Vargas pode ser considerado representante de entidade, coletivo ou grupo que discute a comunicação. A grande maioria são empresários, “laranjas” e religiosos, com destaque para o exemplo que melhor define a composição deste conselho: o jornalista Fernando César Mesquita, atual secretário de Comunicação do Senado e ex porta-voz de José Sarney na Presidência da República. A vaga de Mesquita, pasmem, é destinada à sociedade civil.
As decepções poderiam cessar por aí, e já estariam de bom tamanho, mas não. Parece que a nomeação do CCS veio mesmo para chocar aqueles que há anos questionam a inoperância do órgão, acreditando na sua importante, ainda que limitada, missão.
Ilustres desconhecidos
Vale relembrar que o CCS foi um dos pontos mais críticos da Constituinte de 1988. O grupo de parlamentares que lutavam por um capítulo da comunicação com caráter mais democrático fazia questão da existência de um Conselho, nos moldes dos conselhos superiores de comunicação social de países europeus, como na BBC do Reino Unido. O conselho, ao contrário do que é hoje, seria de caráter deliberativo e com um poder muito maior, próximo ao de órgãos reguladores.
Este formato de conselho foi uma das causas – se não a principal delas – para que o capítulo da Comunicação Social quase não ficasse pronto a tempo de ser inserido no texto da Constituição. Mas ele ficou. E lá estava o Conselho, no último artigo do Capítulo V do Título VIII, como órgão auxiliar do Congresso Nacional e com caráter consultivo.
Dois anos depois, a Lei nº 8.389/1991 regulamentou o artigo 224, que dispõe sobre a existência do Conselho. Salvo engano, o primeiro dos cinco artigos da Comunicação Social a ser regulamentado depois da promulgação da Constituição Federal. Mas foi apenas em 2002 que o Conselho foi nomeado pela primeira vez, com gestão de dois anos. Em 2004 teve a sua última nomeação, de forma não muito diferente da do presente ano – não só por alguns nomes repetidos, mas pela mesma característica da indicação de jornalistas de grandes empresas e de ilustres desconhecidos nas vagas da sociedade civil, por exemplo.
Tratamento de choque
Voltemos à composição da atual gestão. Quanto aos nomes dos empresários de rádio, TV e impresso, foram indicados os mesmos de sempre – donos dos grandes conglomerados dos meios de comunicação. Estes devem ter sido acordados com seus pares. Quantos aos engenheiros de notório conhecimento na área, os cargos foram loteados entre SBT e Globo. Mas este não seria, por exemplo, um lugar para ser ocupado por vários dos estudiosos de engenharia das telecomunicações das universidades do país, que, diga-se de passagem, vêm desenvolvendo as tecnologias da TV Digital Brasileira? Para o Congresso Nacional, quando se fala em tecnologia, trata-se da tecnologia que representa os interesses das grandes empresas de comunicação. Logo, ocupa-se o cargo com dois tecnólogos indicados por estas.
Quanto aos representantes das categorias profissionais, o Conselho conta com Celso Schröder pelos jornalistas, e José Catarino Nascimento pelos radialistas. De acordo com entrevista dada por Nascimento à Revista Brasil Atual, ele não foi sondado e nem consultado para ser nomeado. Afirmou que ainda não sabe se vai assumir o cargo. Segundo a revista, da mesma forma se deu a nomeação de Luiz Gerace, presidente do Sindicato Interestadual dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual (que abrange Norte, Nordeste e Sudeste, com exceção de São Paulo).
De volta aos quatro representantes da sociedade civil: um já devidamente apresentado; dos outros três representantes titulares, um é arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta, que tem como suplente o escritor e ex-jornalista das Organizações Globo, Pedro Rogério Couto Pereira. Outro representante, João Monteiro Filho, criador da RedeVida, uma das maiores emissoras religiosas do país, tem como suplente o ator, que pouco conheço politicamente – reconheço apenas de novelas da Globo – José Vitor Castiel. E por fim, o professor da Fundação Getúlio Vargas, especialista em propriedade intelectual, Ronaldo Lemos, que tem como suplente o ex-ministro da Cultura, Juca Ferreira. Afora os dois últimos, nunca vi nenhum dos outros de qualquer forma inseridos no debate da comunicação, sua regulação, seus problemas, suas soluções. Gostaria mesmo era de saber qual deles sabe o que faz um Conselho de Comunicação Social e qual o papel de um conselheiro.
O processo de composição do Conselho de Comunicação Social expõe, na verdade, a concepção descompromissada e antidemocrática do Congresso Nacional sobre a discussão da comunicação social no país. Tal constatação se mostra ainda mais grave pelo fato de o Congresso ser o responsável pelas outorgas e renovações das concessões de rádio e televisão, processo que, como se sabe, é permeado pelos interesses dos empresários do setor, muitas vezes também parlamentares – como o atual presidente do Senado. Este processo, como todo vício, não acaba sem tratamento de choque. Iniciemos!
***
[Mariana Martins é jornalista, doutoranda da linha Políticas de Comunicação e Cultura da Universidade de Brasília (UnB), integrante do Laboratório de Políticas de Comunicação da UnB e do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social]
Reproduzido de Observatório do Direito à Comunicação
20 jul 2012
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