Subdesenvolvimento e Revolução
Ligia Deslandes
Recentemente recebi a notícia de que o Instituto de Estudos Latino-Americanos - IELA, da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, irá editar a coleção Pátria Grande, Biblioteca do Pensamento Crítico Latino-Americano, que terá 40 volumes, todos editados pela Editora Insular, de Florianópolis.
Recentemente recebi a notícia de que o Instituto de Estudos Latino-Americanos - IELA, da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, irá editar a coleção Pátria Grande, Biblioteca do Pensamento Crítico Latino-Americano, que terá 40 volumes, todos editados pela Editora Insular, de Florianópolis.
O primeiro volume dessa coleção será o livro “Subdesenvolvimento e Revolução”, do mineiro Ruy Mauro Marini, publicado originalmente no México em 1969. Aqui no Brasil essa obra foi marginalizada e combatida pelos representantes da ditadura militar e por representantes da hegemonia liberal, entre eles o professor sociólogo e político FHC, que fizeram de tudo para expurgar do país o pensamento de Marini. Por conta disso os livros dele foram editados em vários países do mundo, menos no Brasil.
Fiquei feliz com essa iniciativa da UFSC, pois, há algum tempo queria ler essa obra. Agora, com certeza vou ter acesso a ela. Mas, a minha alegria é ainda maior, quando vi a UFSC se embrenhar com seriedade nos estudos latino-americanos e que irá editar mais 39 obras, além da de Marini, sobre o pensamento reflexivo dos povos latino-americanos.
Quando fiz meu mestrado na UFF, por iniciativa de uma de nossas professoras, fui pesquisar autores latino-americanos e me apaixonei pelo pensamento de Walter Mignolo, Enrique Dussel e Anibal Quijano, autores sul-americanos que as universidades brasileiras desconheciam e faziam questão de ignorar. Nasci em 1961 e fui para a escola pela primeira vez em 1967. Em todos os meus anos de escola até o segundo grau nunca tinha escutado falar da América do Sul, de nossos vizinhos sul-americanos.
A história do Brasil, deturpada e invisibilizada na escola, a história da América Latina, totalmente proibida, desconhecida de todos nós, a história dos povos africanos, negada, subalternizada. Nos livros de história brasileiros o que nos era ensinado era a história dos colonizadores. A civilização européia e todos os seus conceitos de civilidade, educação, cultura, trabalho e vida cotidiana formou nosso pensamento, excluindo todo pensamento diferente e divergente que pudesse existir.
Assim, nos formamos! Somos o efeito disso! Nossa política e nossa economia foram durante anos o resultado dessa lavagem cerebral. Faz muito pouco tempo, nosso povo tinha vergonha de ser brasileiro. Achávamos que tudo que vinha de fora era de melhor qualidade. Vivíamos de cabeças baixas, rezando para que o dia seguinte fosse melhor. E mesmo assim acreditávamos a partir das várias campanhas feitas pela elite brasileira que o Brasil era um país amistoso, de pessoas não violentas, que não tinha racismo, que não tinha guerras nem desastres naturais. Lembram disso? Quem nasceu na década de 60, 70 e 80 com certeza ouviu algumas dessas bobagens manipulatórias. Há, também diziam que éramos o país do futuro, apesar de estarmos o tempo todo atolados em nosso subdesenvolvimento.
A partir de 2002 com a eleição de Lula da Silva renovamos nossa auto-estima e iniciamos uma verdadeira revolução. Em 10 anos houve uma mudança significativa na área social, nas relações de trabalho, na área econômica, na área política e na relações internacionais. O povo brasileiro está se passando a limpo! O que poderíamos esperar? Que todos nossos problemas fossem resolvidos? Problemas que vem desde nossa colonização? O clientelismo, a corrupção, a hipocrisia, o moralismo, a subalternidade são valores que importamos do colonialismo civilizatório que nos moldou. De onde veio a vontade de tirar vantagem de tudo? Será que ainda pensamos que esses valores nos pertencem?
Na verdade nossa subjetvidade herdou essas porcarias civilizatórias da Europa e EUA. Não tivemos tempo nos últimos 500 anos de nos apropriarmos de nós mesmos, de nossa história, de nossa própria forma de pensar e agir, de nossa civilização pensada a partir de nossas necessidades, de nossa diversidade e não dos outros. A importância do que foi feito nos últimos dez anos não pode ser desprezada. Somente agora temos a possibilidade de nos assumir e nos reinventar.
A prova disso é a proximidade cada vez maior que estamos tendo com países da América do Sul e da África. Não podemos esquecer os processos de assunção de nossa verdadeira história, que estão sendo expostos, por exemplo, pela Comissão da Verdade.
A edição do livro de Marini será um marco. Um marco patrocinado pela UFSC, mas, com certeza, irá influenciar outras universidades no sentido de buscarmos nossa própria identidade intelectual sem as injunções colonizatórias que até hoje sobrevivem em nosso mundo acadêmico. Talvez demore um pouco mais. Talvez leve um pouco menos para tirarmos o ranço eurocêntrico e liberal de nossas escolas. Talvez levemos mais duas ou três gerações para ter o Brasil que sonhamos! Mas, ele está a caminho... Mais do que qualquer coisa, precisamos extipar de nós a ganância e arrogância intelectual e cultural que aprendemos. Convoco todos os educadores a refletir sobre isso...
Reproduzido do Blog de Lidia Deslandes
26 mai 2012
Conheça também:
“As Lutas Pós Coloniais dos Trabalhadores do Petróleo” de autoria de Ligia Deslandes, clicando aqui.
“IELA lança Coleção Pátria Grande – a Biblioteca do Pensamento Crítico Latino-Americano” (24/05/12) na página do Instituto de Estudos Latino-Americanos, UFSC, clicando aqui.
“Ruy Mauro Marini: Subdesarrollo y Revolución”, por Marcus Viana (2009) na página da Fundação Lauro Campos – Socialismo e Liberdade, clicando aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário