Demandas sociais: pela defesa da liberdade de expressão e de um novo marco regulatório para as Comunicações
Por Larissa Cabral*
No Brasil, aqueles que lutam pela efetiva democratização da comunicação social enfrentam um grande obstáculo: o seleto grupo que controla os principais meios de comunicação do país, o qual não apresenta a menor vontade política de aceitar qualquer mudança nas atuais condições da Comunicação brasileira.Teoricamente, os que defendem a democratização, deveriam poder contar com o Estado, por meio de respaldo legal, de direito. A realidade, contudo, nos mostra algo bem diferente: pouco diálogo, pouco debate, instituições não-funcionais a perduração de monopólios comunicacionais em praticamente todas as regiões do país.
Por causa da origem privatista dos meios de comunicação brasileiros, criou-se um monopólio do setor que sempre impediu o debate sobre regulação. Isso ocorre porque menos de dez famílias detêm o controle de mais de 80% dos serviços de comunicação no país. Quase metade dos deputados e senadores é concessionária de canais da rádio e TV. A regulação e o debate acerca das mudanças inerentes à legislação ficam fora do alcance social.
Presente na pauta atual de reivindicações por parte da sociedade civil, o novo marco regulatório das comunicações se mostra urgentemente necessário e se justifica por algumas razões. Entre elas destacam-se: 1) a ausência de pluralidade e diversidade na mídia atual; 2) a legislação brasileira no setor das comunicações é arcaica e defasada, e não contempla questões atuais, como as inovações tecnológicas e a convergência de mídias; 3) a legislação também é fragmentada, multifacetada, composta por várias leis que não dialogam umas com as outras e não guardam coerência entre elas; 4) a Constituição Federal de 1988 precisa também da regulamentação da maioria dos artigos dedicados à comunicação (220, 221 e 223).
No Brasil, a ausência deste marco legal beneficia as poucas empresas que hoje se favorecem da preocupante concentração no setor e impede o pleno exercício do direito à comunicação e da liberdade de expressão, afetando a democracia brasileira, ainda que contemos com algumas ferramentas e mecanismos legais que deveriam garantir isso.
O FNDC
Criado em julho de 1991 como movimento social e transformado em entidade em 20 de agosto 1995, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) congrega entidades da sociedade civil para enfrentar os problemas da área das comunicações no país. Ele é um dos braços da sociedade civil na luta por pelo debate para a elaboração de um novo arcabouço legal para as comunicações. O FNDC, contudo, afirma que a discussão pública de questões fundamentais para ampliar a pluralidade e a diversidade das comunicações e garantir a universalização do acesso à banda larga têm ficado ausentes da agenda governamental, tanto na esfera federal, como estadual, a quem pouco interessa a consulta pública e o diálogo com a sociedade civil.
O FNDC defende que é preciso um envolvimento maior do governo no debate público para desfazer a ideia – construída pelos setores contrários ao estabelecimento de regras democráticas – de que regulação é censura.
Herz – Na época em se debatia a criação do CCS, faleceu o principal negociador pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o jornalista Daniel Herz, que liderou a campanha da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) pela democratização das comunicações durante a Assembléia Nacional Constituinte de 1988. Herz também foi um dos fundadores e coordenador do FNDC e participou ativamente como mentor e defensor da Lei da Cabodifusão (Lei 8.977 de 1995), que estabeleceu a obrigatoriedade da presença de emissoras públicas, comunitárias e universitárias nos pacotes de TV por assinatura.
Daniel Herz ainda foi ativista na luta pela implementação do CCS. Por anos, as grandes redes de televisão boicotaram a criação deste Conselho e ele só foi implementado após um longo período de lutas pela democratização das comunicações, liderado por sindicatos, movimentos sociais e ONGs ligados ao FNDC. Herz foi conselheiro do CCS, onde militou por políticas mais democráticas na área das comunicações até o seu falecimento em maio 2006, em decorrência de um câncer de medula, em Porto Alegre.
O CCS
O ConselhoNacional de Comunicação Social é um órgão consultivo do Congresso Nacional, previsto na Constituição (art. 224) e criado pela Lei 8389/91. Sua função é analisar a renovação de concessões de rádio e TV e estabelecer orientações gerais sobre a comunicação no Brasil. Seria sua atribuição, entre outras, outorgar e renovar autorizações e concessões para exploração de serviços de radiodifusão. O Conselho Nacional de Comunicação Social, contudo, demorou cerca de onze anos para ser implementado, funcionou por quatro anos e, desde 2006, não está mais ativo.
O Conselho de Comunicação Social deveria ser composto de:
- um representante das empresas de rádio;
- um representante das empresas de televisão;
- um representante de empresas da imprensa escrita;
- um engenheiro com notórios conhecimentos na área de comunicação social;
- um representante da categoria profissional dos jornalistas;
- um representante da categoria profissional dos radialistas;
- um representante da categoria profissional dos artistas;
- um representante das categorias profissionais de cinema e vídeo;
- cinco membros representantes da sociedade civil.
Histórico – Em 1985, a deputada Cristina Tavares, foi responsável por relatar e apresentar o primeiro anteprojeto para apreciação do plenário da Subcomissão da Ciência, Tecnologia e da Comunicação. Nesta proposta, constava a instalação de um Conselho Nacional de Comunicações composto por 15 membros, entre representantes de entidades empresariais, sindicais, governo e sociedade civil. O projeto recebeu dezenas de emendas e foi sucessivamente derrotado.
A emenda final do deputado José Carlos Martinez (PMDB-PR), detentor de concessões de TV no Paraná, ao relatório de Tavares, enterrou definitivamente a criação do Conselho Nacional de Comunicação nos termos propostos pela relatora. A proposta de Martinez, acatada pela Constituinte, atribuiu à União, ad referendum do Congresso Nacional, “outorgar concessões, autorizações ou permissões de serviços de radiodifusão”.
Na década de 90, surgiu a iniciativa de regulamentação do Conselho, a partir de proposta do deputado Antônio Britto (PMDB-RS) e sancionada pelo presidente Fernando Collor. Para definição da composição do conselho, colocou-se o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) à frente do processo.
Regulamentado em 1991, o CCS ainda esperou por mais de uma década para ser instalado. O jornalista e conselheiro eleito para a primeira gestão do Conselho foi Carlos Chagas. A revisão da Lei 8.977/95 aprovou a entrada de 30% de capital estrangeiro nas empresas de comunicação nacionais, mas logrou-se a instalação do Conselho de Comunicação Social. Por muitas vezes constatou-se que representantes dos interesses da grande mídia ocupavam as vagas da sociedade civil.
Apesar de sua existência estar explícita na lei, não houve a renovação de sua gestão e desde 2006, o CCS está ocioso. Apenas o presidente do Congresso Nacional, José Sarney, pode restaurá-lo, mas há muita resistência por parte dos senadores, pois muitos são detentores de concessões. Com isso, o CCS está desde 2007 sem integrantes e inanimado.
Espera-se que o Conselho seja instaurado, reativado, constituindo-se autônomo e imbuído de ferramentas eficazes de controle social da comunicação, que tenha participação direta não apenas na decisão da concessão de rádio e de televisão, mas, sobretudo, na fiscalização do seu funcionamento.
Conclusão
Ainda que dispositivos legais garantam o direto da sociedade de informar e ser informada, a falta de democratização dos meios comunicacionais e a falta de regulamentação e participação social no desenvolvimento de políticas para o setor, aparecem como um verdadeiro obstáculo para a democracia. As leis parecem insignificantes e as instituições que deveriam aplicá-las e fiscalizá-las figuram como elefantes brancos.
O Conselho de Comunicação Social, por exemplo, mostra-se inanimado, não atendendo aos preceitos que justificam sua existência. Não chegou a conseguir atuar com autonomia, acomodando-se entre interesses privados, revelando-se sem nenhuma efetividade prática. Já organizações como o FNDC mostram que a sociedade está sim interessada no debate e exige mudanças no sistema comunicacional brasileiro. Destaca-se, contudo, a enorme vácuo entre as demandas sociais e as políticas propostas pelo governo, constantemente apático ou omisso.
Para que os órgãos regulatórios desse tipo funcionassem de forma eficaz e justa, deveriam buscar independência em relação ao setor regulado e aos governos. Deveriam ainda definir diretrizes para políticas públicas e promover o fomento do setor; cuidar do monitoramento e fiscalização e aplicar sanções, podendo também funcionar como órgão consultivo para outras instâncias, como acontece em alguns países como Reino Unido, França, Alemanha, Bósnia Herzegovina e na província de Catalunha. O fato de um Conselho desse tipo estar condicionada à vontade política da mesa do Senado e ao lobby é um dos aspectos que tiram a autonomia e a legitimidade de um órgão como esse. É preciso incentivar o debate de propostas relativas ao setor das comunicações, mas evitando uma reestruturação técnica que não englobe questões essenciais para a efetiva democratização das comunicações.
Além disso, é importante salientar que todos os órgãos reguladores deveriam ter mecanismos de transparência e espaços de participação da sociedade civil em sua dinâmica de funcionamento, como ouvidorias, consultas e audiências públicas, conselhos consultivos ou mesmo conselhos de supervisão.
Diretrizes fundamentais – 20 pontos para democratizar as comunicações no Brasil
1. Arquitetura institucional democrática
2. Participação social
3. Separação de infraestrutura e conteúdo
4. Garantia de redes abertas e neutras
5. Universalização dos serviços essenciais
6. Adoção de padrões abertos e interoperáveis e apoio à tecnologia nacional
7. Regulamentação da complementaridade dos sistemas e fortalecimento do sistema público de comunicação
8. Fortalecimento das rádios e TVs comunitárias
9. Democracia, transparência e pluralidade nas outorgas
10. Limite à concentração nas comunicações
11. Proibição de outorgas para políticos
12. Garantia da produção e veiculação de conteúdo nacional e regional e estímulo à programação independente
13. Promoção da diversidade étnico-racial, de gênero, de orientação sexual, de classes sociais e de crença
14. Criação de mecanismos de responsabilização das mídias por violações de direitos humanos
15. Aprimoramento de mecanismos de proteção às crianças e aos adolescentes
16. Estabelecimento de normas e códigos que objetivem a diversidade de pontos de vista e o tratamento equilibrado do conteúdo jornalístico
17. Regulamentação da publicidade
18. Definição de critérios legais e de mecanismos de transparência para a publicidade oficial
19. Leitura e prática críticas para a mídia
20. Acessibilidade comunicacional
CCS Estaduais – Uma opção diante da inanição do CCS nacional é a possibilidade de se instaurar um Conselho Estadual de Comunicação, como ocorreu, por exemplo, na Bahia, em janeiro de 2012. O Conselho, o primeiro do tipo e formado por 27 integrantes, tem uma composição paritária entre representantes do poder público, do segmento empresarial e dos movimentos sociais e entidades populares. Dentre suas atribuições, destacam-se a formulação e acompanhamento da política pública de comunicação social do estado; a elaboração do Plano Estadual de Políticas Públicas de Comunicação Social; a defesa dos direitos difusos e coletivos no que tange à comunicação social; e o fomento à produção e difusão de conteúdos locais e veículos populares e independentes, marca a conquista de um instrumento que efetiva a comunicação como direito pela população baiana.
A criação de Conselhos Estaduais foi aprovada na 1ª Conferência Nacional de Comunicação, em 2009. Esse fato, contudo, gerou reação de veículos da grande mídia e de partidos conservadores de determinados estados, que sinalizaram positivamente em relação a instituição dessa ferramenta, acusando as propostas de terem o objetivo de cercear a liberdade de expressão.
Fontes
http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1991/lei-8389-30-dezembro-1991-372551-publicacaooriginal-1-pl.html
MBA em Jornalismo: Gestão Editorial
Florianópolis – turma 2012
Disciplina: Ética Legislação e liberdade de imprensa
Professor: José F. Karam
Aluna: Larissa B. C. Cabral
Reproduzido de Desacato
04 mai 2012
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