Nunca estivemos tão cegos
Roseli Goffman*
Revista do Instituto Telecom
Para Saramago, (Janela da Alma, 2001, documentário de Walter Carvalho), “estamos cegos à lei, à razão, à sensibilidade. Estamos atados na caverna de Platão, vendo sombras neste mundo audiovisual”. Mas não estamos cegos pela escuridão, muito pelo contrário, estamos blindados pela profusão de imagens e dos discursos que sombreiam a luz do dia e nos afastam do cotidiano.
Lembramos aqui o artigo de Helio Pellegrino para a Folha de São Paulo, em 11 de setembrode 1984, em que faz interagir o Complexo de Édipo e a passagem do princípio do prazer ao princípio de realidade, “em que se funda o pacto com a Lei da Cultura – ou Lei do pai – é a tarefa primordial da criança na primeira etapa do seu desenvolvimento psicossexual. O pacto com a Lei do pai prepara e torna possível o pacto social. A ruptura com o pacto social, em virtude de sociopatia grave – como é o caso brasileiro – pode implicar a ruptura, ao nível do inconsciente, com o pacto edípico. Não nos esqueçamos que o pai é o primeiro e fundamental representante junto à criança da Lei da Cultura. Se ocorre, por retroação, tal ruptura, fica destruído, no mundo interno, o significante paterno, o Nome-do-Pai e, em consequência, o lugar da Lei”.
Esclarecemos que no campo da Psicologia, o termo Pai, usado por Pellegrino, não se restringe à família, mas todo e qualquer lugar para esta função/significante, e que o pensamento da Diferença, e seus representantes, não recusam uma função simbólica e socializante: “não com o ovo de onde saiu, nem com os genitores que o ligam a ele, [...] mas com um espaço social e político a ser conquistado” (DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos 1998, p. 94). Ambas abordagens expressam por que defendemos o marco regulatório das Comunicações, como pacto social necessário à entrada do Brasil no processo em andamento nos Estados Democráticos.
A decisão do Governo brasileiro de regular homeopaticamente vem sendo muito tímida em relação à demanda da sociedade, que provou na Conferência Nacional de Comunicação (Confecom, 2009) que tem mais de 600 propostas de tese avançadas sobre os destinos da Comunicação que merecemos.
Temos como exemplo mais recente destas forças em confronto, a Lei nº 12.485, sobre o serviço das TVs por Assinatura (SeAC) sancionada em setembro de 2011, que vem sendo atacada pelas empresas do setor em seu objetivo primordial: garantir as cotas de conteúdo nacional e independente em pífias 3 horas e meia por semana até 2014, atingindo no máximo doze entre as dezenas de canais disponíveis. Apenas essa tímida regulação oxigenará a cadeia produtiva, promovendo o crescimento econômico e fomentando a diversidade e a regionalidade do setor. Aqui, antes dos institutos caça-fantasmas convocarem suas fantasias catastróficas sobre censura é preciso conferir que a insuspeita comunidade européia garante 50% de cota obrigatória na veiculação de conteúdo nacional nas TVs por assinatura. Alguns representantes de empresas do setor e certos “institutos” especialmente criados com o fim exclusivo de impedir estes avanços democráticos, que erguem mais uma vez a bandeira da censura para afirmar seus princípios, estão simplesmente regredidos ao supor que o capitalismo possa integralizar a sua ilusão de completude.
Para fins particulares, tentam manter-se fora do princípio de realidade e da Lei da Cultura, buscando inutilmente impedir que este pacto social possa cumprir-se, em benefício de todos.
Entendemos que toda e qualquer forma de silenciar o debate da Comunicação no Brasil, impedindo a regulação dos artigos a ela dedicados pela Constituição Federal de 1988, está afinal confrontada por um marco regulatório, construído com ampla participação da sociedade brasileira, conforme o artigo ainda tão atual de Helio Pellegrino: “Só o amor e a liberdade, subordinando e transfigurando o temor, permitem uma verdadeira, positiva e produtiva relação com a Lei”. Produzir subjetividades diversificadas, autônomas e libertárias é compromisso de todas e todos com o Estado Democrático.
Recomendamos também, até mesmo para aqueles que ainda estão na caverna platônica, a ampla divulgação da Plataforma para um Novo Marco Regulatório das Comunicações, em www.comunicacaodemocratica.org.br
*Roseli Goffman é Psicóloga, Conselheira do Conselho Federal de Psicologia, Secretária-Geral do FNDC
Reproduzido da Revista do Instituto Telecom No. 4
Via Clipping FNDC
03/04/2012
Descarregue a Revista do Instituto Telecom No. 4 clicando aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário