Sorria meu bem
Dos filósofos gregos aos cientistas de nosso tempo, todos dizem a mesma coisa: bom humor é fundamental
Eugenio Mussak
Sócrates preconizava o humor e era bem-humorado, ao contrário de Platão, que considerava o riso um sinal de fraqueza de caráter. Platão abriu uma escola. Sócrates ensinava na praça. Foi acusado de subversão dos costumes, preso e levado ao suicídio compulsório. Disse o juiz:
- Você está condenado à morte.
Com a calma dos sábios, Sócrates respondeu:
- Grande coisa. O senhor também.
Esses dois gênios mostram que não existem pessoas bem ou mal-humoradas: há as que se permitem ser e as que não. E isso depende mais da educação que recebemos, da atitude pessoal, que da genética ou da situação em que nos encontramos.
E, se temos o direito de escolher entre a graça e o tédio, há boas razões para preferir a primeira: a ciência e a sabedoria dos antigos, mas principalmente nossa própria experiência, ensinam que precisamos do humor para o equilíbrio físico, mental e espiritual. Mesmo se estivermos condenados à morte.
Rir para equilibrar
Os antigos usavam a palavra “humor” para designar os líquidos do corpo que estariam ligados à saúde da pessoa e, como conseqüência, a seu estado de espírito. Hipócrates os estudava. Segundo o pai da medicina, os quatro humores circulantes eram o sangue, a fleuma, a bílis amarela e a bílis negra. Do equilíbrio dos quatro dependia o equilíbrio do corpo, a saúde.
Como a saúde do corpo interfere na condição psicológica da pessoa, bem como recebe influência desta, foi natural que se estabelecesse rapidamente uma relação entre os humores e o comportamento. Uma pessoa alegre, de bem com a vida, estava de bem com seus humores. Era, portanto, uma pessoa bem-humorada. Pronto, de Hipócrates a Patch Adams em dois parágrafos.
Este último é o médico que criou a ONG Doutores da Alegria, composta por pessoas que usam o humor para acelerar a recuperação de pacientes em hospitais, especialmente crianças, com resultados comprovados. Patch Adams conta que adotou um temperamento alegre depois de ter sido internado como depressivo. Chegou à conclusão que tristeza ou alegria podem ser resultados de decisão pessoal, e que o poder de influencia dessas duas condições sobre o destino de cada um é enorme.
Até notórios mal-humorados, como Freud, estiveram preocupados com o tema. Em 1905, ele publicou um livro chamado Os Chistes e sua Relação com o Inconsciente, com estudos sobre o humor, a comédia e o gracejo, utilizando os princípios gerais da psicanálise.
Freud acreditava que nossos sonhos seriam a manifestação de idéias latentes, que se apresentam com imagens um tanto diferentes da realidade – e às vezes criam até uma caricatura dela. No Livro dos Chistes, o grande psicanalista afirma que o humor usa as mesmas ferramentas que utilizamos para construir o sonho. E que tanto o sonho quanto o humor são necessários para aliviar tensões internas e descarregar energias destrutivas.
De acordo com Freud, por meio do sonho elaboramos nossas frustrações e nos equilibramos, e através do humor também. A diferença consiste no fato de que, enquanto o humor é uma forma de comunicação interpessoal, o sonho é a mais natural das formas de comunicação intrapessoal. O sonho é solitário. E o humor “é a mais social das funções psicológicas destinadas à obtenção do prazer”.
(...)
Riso filosófico
O humor não mira um indivíduo ou uma instituição, mas a própria condição humana. É uma espécie de riso filosófico, em que o homem compara a finitude do mundo e da própria vida com o infinito da idéia.
Costumo dizer que o pensamento diferencia os seres humanos dos animais, enquanto a qualidade do pensamento diferencia as pessoas entre si. Temos também que somos o único animal que ri (a hiena só engana) e, da mesma forma, a qualidade do humor nos diferencia uns dos outros. Uns têm mais, outros menos, alguns têm demais (e ganham fortunas com isso), outros não têm nenhum (e quem os agüenta?). E há os que têm mas não sabem usar, ou o expressam de maneira torta, ou na hora errada.
Ser bem-humorado não significa adquirir talento para contar piadas – embora você possa fazer isso (há muita gente “séria” se descobrindo em cursos para palhaços, por exemplo).
Também não quer dizer que você tenha de fazer troça de tudo e de todos, ou jamais conter um trocadilho, por pior que seja – ainda que você tenha o direito de experimentar como e quando um comentário engraçado ou nonsense pode cair bem.
O estado do qual estamos falando é muito mais o do olhar bem-humorado, o da sensação plena de “bem-humorança”. Tem mais a ver com sentir-se de bem consigo mesmo, com os outros, com a vida. É a medida ideal.
Bem, de tudo que já li, de tudo que observo, e também agora, enquanto buscava insumos para este texto, não encontrei nada de valor que pudesse arranhar a nobreza desta idéia: sorria.
Você pode até “reprogramar” seu cérebro, ou abraçar uma seita – há mil maneiras de encontrar a felicidade. Mas esta, sem dúvida, é a receita de maior bom senso no mercado: sorria, e veja o mundo sorrindo ao seu redor.
Porque está provado que bom humor atrai bom humor. “O sorriso e o motivo para sorrir estão sempre juntos, não importa qual dos dois chegou primeiro” (esta eu copiei não sei de onde).
Revista Vida Simples nº10, 01/10/2003
Texto publicado sob licença da revista Vida Simples, Editora Abril.
Todos os direitos reservados.
Reproduzido do Blog de Eugenio Mussak via Facebook Pedagogia UFSC
Acesso em 29 mar 2012.
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