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quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Rafael Patto: Por um marco regulatório das comunicações



Por um marco regulatório das comunicações

Rafael Patto
06/12/12

Existe no Brasil uma contradição muito hipócrita: a mentalidade liberal, ou neoliberal, é contra os monopólios do Estado, e, com base nesse argumento, se justificaram as PRIVATARIAS da década de 1990 (que são injustificáveis do ponto de vista ético, moral, legal e até mesmo lógico). Mas curiosamente os monopólios privados dos meios de comunicação não são alvos de questionamentos.

Apenas seis famílias neste país, representantes da minoria das minorias da nossa sociedade, se arvoram ao direito de falar por TODOS, e consideram que esse direito é um direito natural, divino, absoluto e que não pode ser contestado. O Marco Regulatório das Comunicações é um instrumento necessário à quebra da concentração de poder das empresas de comunicação. Diluir essa concentração é condição necessária à democratização desse setor. Uma mesma empresa não pode ser dona de tevê, rádio, jornal, revista, portal de internet, tudo ao mesmo tempo. Essas propriedades cruzadas retidas nas mãos dos mesmos donos representam uma ameaça à diversidade e à pluralidade. Afinal, são sempre as mesmas vozes, as mesmas idéias, as mesmas opiniões circulando em diferentes meios e canais. É preciso distribuir melhor, repartir esse latifúndio midiático, para que mais vozes, mais idéias, mais opiniões também possam circular, a bem da diversidade e da democracia.

Nos EUA, por exemplo, é terminantemente proibido que uma única empresa tenha, num mesmo estado, canal de tevê, de rádio e jornal impresso. Por quê? Porque isso é elementar para a democracia! Quando, num mesmo domínio territorial, circula apenas a visão de mundo impregnada dos interesses de um único grupo, todos os que ali vivem estarão submetidos a um filtro, e terão seu contato com o mundo sempre mediado por essa filtragem, que pode ser tendenciosa, enviesada e que pode também manipular, bloquear ou censurar informações, sem que haja contraponto. E é exatamente isso o que acontece aqui no Brasil. A Rede Globo, por exemplo, é um império que engordou com o dinheiro dos governos ditatoriais, e hoje detém o controle de um verdadeiro conglomerado multimidiático. Se fossem uma empresa estadunidense, as Organizações Globo JAMAIS poderiam possuir emissoras de tevê, rádio, jornais, revistas, portais de internet, tevê a cabo, como ocorre aqui. Porque isso é sabidamente atentatório à democracia e à liberdade de expressão. Porque enquanto somente os Marinho falam por todos esses canais, e em nome de uma minoria ínfima da nossa sociedade que compartilha dos mesmos interesses que eles e comunga da visão de mundo deles, outros milhões e milhões de brasileiros com outras visões de mundo são silenciados e têm castrado o seu direito de expressão porque não dispõem de acesso aos meios sociais de comunicação necessários ao exercício da liberdade de expressão. Isso é justo?

Na Argentina, a presidenta Cristina Kirchner está enfrentando com muita coragem essa realidade injusta. O Grupo Clarín, uma espécie de Globo argentina, terá até o dia 08 de dezembro para se desfazer de seu império oligopólico. Absurdamente, esse Grupo detém o domínio de 254 canais de tevê no país. Com a nova lei, só poderá ter 24. Se antes 254 canais expressavam as mesmas idéias e as mesmas opiniões e visões de mundo, com a nova lei, estarão abertas 230 vagas para que outras 230 visões de mundo também se expressem. Isso não é maravilhoso para a diversidade cultural e para a pluralidade política de uma nação? É disso que precisamos aqui no Brasil! Na Argentina, o governo não está estatizando as empresas de comunicação. Apenas está exigindo que os oligopólios se desfaçam, a fim de que os meios de comunicação não estejam mais concentrados nas mãos de tão pouca gente. Se isso fosse feito aqui no Brasil, toda a sociedade ganharia. Afinal, a gente sabe que os veículos de comunicação submetidos a esse controle tão restrito não representam nem a maioria do nosso povo, quanto mais a sua totalidade. O Brasil da tevê se resume ao sudeste do Brasil, e, mesmo assim, um sudeste fake, “higienizado”, sem os traços e as marcas da diversidade, que são tratadas como sujidades pela estética televisiva.

Para que tenham fim esses mecanismos de exclusão, de apagamento das diferenças, que produzem a invisibilidade de grupos étnicos e suas formas de ser e viver, e o silenciamento de formas de falar e pensar da maioria do povo deste país, é que precisamos com urgência de um Marco Regulatório das Comunicações, a exemplo dos que já existem nas principais democracias do planeta.

Na França, que é um país de dimensão inúmeras vezes menor do que o Brasil, o sinal de uma mesma emissora de tevê não pode ter um alcance superior a 30% de seu território. Aqui no Brasil, o sinal da Globo chega a quase 100% dos lares brasileiros, do Oiapoque ao Chuí, sem nenhum tipo de restrição. Isso é um fator de empobrecimento para o próprio país, que não tem a oportunidade de ser apresentado à sua grandiosidade, diversidade e diferenças locais e regionais. Sempre é só o sudeste: uma só paisagem, um só sotaque, um só estilo de vida. O Brasil não é uma coisa só. É preciso que as concessões públicas para emissoras de tevê sejam mais democráticas, para que mais pessoas tenham acesso e oportunidade de produzir conteúdos no Brasil e difundi-los, irradiá-los, pelos meios de radiodifusão. Isso contemplaria a demanda social por liberdade de expressão e, ao mesmo tempo, atenderia ao direito do consumidor de contar com uma oferta diversificada desse serviço de radiodifusão que lhe asseguraria uma efetiva liberdade de escolha, com opções realmente diferentes, e não mais essa situação que ocorre hoje em que mudar o canal da tevê não significa absolutamente nada. Qual a diferença entre Gugu e Faustão? É a mesma idiotia! Qual a diferença entre Arnaldo Jabor, Alexandre Garcia, Nêumanne Pinto e Boris Casoy? É a mesma depravação reacionária! É preciso diversificar!!!

Por isso, é preciso um Marco Regulatório das Comunicações!

REGULA, DILMA!!!!

Se quem não deve não teme, porque querem impedir que mais vozes falem??? Quem teme a pluralidade de idéias??? Tem gente que quando vai falar contra o Marco Regulatório não diz nada mais do que um fraseado vazio e do tipo "pro-forma". A pessoa nem se contextualiza no debate para dar uma opinião, nem procura aprofundar seus conhecimentos sobre o tema. Apenas joga o PRE-conceito PRE-concebido PRE-fabricado na conversa, empurrando esse lero-lero de “liberdade de imprensa”, como se regulamentação da mídia se confundisse com censura. Aonde é que a regulamentação do setor midiático se choca com os princípios de liberdade de expressão???

É o desregramento do setor que frustra o direito de expressão da ampla maioria da sociedade. A questão é essa: as pessoas confundem liberdade de expressão com liberdade de imprensa (e essa é uma confusão provocada pela desinformação que a própria imprensa produz). Esses conceitos são muito diferentes. E liberdade de expressão é muito mais amplo e abrangente. Não podemos achar que só a imprensa pode se expressar. A liberdade de expressão é para todos, é um direito universal e não de apenas meia dúzia de EMPRESAS.

O espectro eletromagnético por meio do qual vibram as ondas de rádio e tevê, cada uma na sua frequência, é limitado, não é infinito não. E está praticamente todo tomado pelos conglomerados que se formaram em torno de propriedades que têm sempre os mesmos donos. São redes de emissoras de rádio e televisão de pouquíssimos proprietários que ocupam praticamente a totalidade desse espectro eletromagnético, que é um bem público. Não dá pra um "novato" se inserir nesse "mercado" se ele não for regulamentado e submetido a reformulações. Não existe livre concorrência nesse segmento absolutamente monopolizado, dominado por empresas que se fizeram verdadeiros impérios às custas do Estado e do Erário (empréstimos, financiamentos de bancos públicos, camaradagens de sucessivos governos, perdões de dividas, isenções fiscais, etc. etc. etc.) Não dá!!! Tem que regular. Ou seja, tem que pôr regulamento, regra. O campo das comunicações no Brasil é absurdamente desregrado, como em nenhum outro lugar do mundo civilizado.

Não podemos continuar admitindo que exista uma "casta" na sociedade que paire acima do bem e do mal e acima das leis. Se há leis para todo mundo, porque as empresas de comunicação não vão se submeter a elas também???

Não há argumento que consiga justificar de modo racional a não regulamentação desse setor. Quem se opõe a isso deve recorrer a preconceitos, inverdades ou simplismos.

Reproduzido de Facebook de Rafael Patto
06 dez 2012

Conheça a página "Donos da Mídia" clicando aqui.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

PT E psdb: A DIFERENÇA ENTRE ELES É O PAÍS QUE CADA UM CONSTRUIU



PT E psdb: A DIFERENÇA ENTRE ELES É O PAÍS QUE CADA UM CONSTRUIU*

02/12/12

Pra mim, essa conversa de que, depois que o PT assumiu o governo, teriam se diluído as diferenças entre os partidos políticos não passa de uma tremenda balela daqueles que morrem de medo da evidenciação das diferenças que, sim, existem e são muitas.

Vamos  brincar de “faz de conta”. Faz de conta que as diferenças ideológicas que marcavam a distância do PT para os demais partidos tenham se esvaído. Não faz mal. Porque ainda que isso fosse verdade, há uma enorme diferença de realizações concretas, de obra construída, que é cada vez maior e mais sólida. A maiúscula transformação social ocorrida no Brasil a partir do primeiro governo Lula é o que marca a diferença entre PT e psdb, por exemplo. E fim de papo. Basta conferir os indicadores em todas as áreas, a começar do combate efetivo e sistemático à corrupção.

Quantas investigações de casos de corrupção no governo fhc chegaram até um estágio conclusivo? Que instrumentos foram propostos pelos tucanos para promover a transparência na administração pública? O governo federal do PT criou o Portal da Transparência, por meio do qual todo e qualquer cidadão pode acompanhar a execução orçamentária da União, tendo acesso a um pormenorizado controle de gastos e prestação de contas do uso do dinheiro público. Por sua vez, que ferramenta o governo tucano em São Paulo disponibiliza para o cidadão paulista que quiser ter esse mesmo acesso ao controle dos gastos públicos na esfera estadual? Nenhuma! Da mesma forma, nos anos fch, os gastos públicos do governo federal eram uma verdadeira caixa-preta. Além disso, fhc não respeitou a independência institucional dos órgãos de fiscalização do Estado, a exemplo do Ministério Público Federal e o Tribunal de Contas da União. Lula, ao contrário, sempre reconheceu a autonomia funcional dos membros dessas instituições e ainda investiu como nunca antes na profissionalização da Polícia Federal, dotando-a de capacidade material, humana e logística para se dedicar ao combate à corrupção e ao desvio das finalidades públicas dos atos de agentes do Estado. Por isso existe a sensação de que os casos de corrupção aumentaram nos últimos anos. Mas essa impressão é enganosa. O que aumentou foi o enfrentamento da corrupção. O Estado deixou de passar a mão na cabeça dos corruptos e parou de varrer a sujeira para debaixo do tapete. A sociedade tem que entender isso. As pessoas têm que escolher em que país querem viver: neste onde os escândalos são devidamente investigados, ou naquele onde os crimes não escandalizavam as pessoas porque não eram tornados públicos.

Em matéria de oferta de crédito e distribuição de oportunidades, a comparação também é reveladora. Em 2002, o crédito total disponibilizado para todos os brasileiros era de R$ 380 bilhões. Hoje, só o Banco do Brasil tem isso. Em 2011, a oferta total de crédito foi de R$ 1,6 trilhão. Em 2002, a Caixa Econômica financiava 5 milhões de reais. Em 2011, os financiamentos totais pela Caixa atingiram R$ 70 bilhões. O Banco do Nordeste emprestou, em 2002, R$ 262 milhões e em 2011 emprestou quase R$ 30 bilhões. É dinheiro nas mãos do povo. O dinheiro que sempre ficava escondido, que só era usado pela meia dúzia que sempre se achou dona desse país, hoje está aí circulando: está nas mãos das mães que recebem o Bolsa Família para seus filhos e que movimentam a economia local das regiões onde vivem; está no incentivo à agricultura familiar das pequenas propriedades rurais, nos microempreendimentos daqueles que vêm querendo aproveitar o bom momento da economia brasileira para alavancar seus próprios negócios; está nas milhares de bolsas integrais ou parciais do ProUni, que vêm permitindo a milhões de brasileiros estudarem e ampliarem suas oportunidades na vida; e por aí vai. Esse é o espírito do “Brasil de TODOS”. Todo esse dinheiro que os governos do PT estão colocando nas mãos do povo, fazendo circular na economia por meio dos microcréditos rurais, os créditos habitacionais, os créditos estudantis, o Bolsa Família, os reajustes do salário mínimo sempre acima da inflação, os investimentos públicos em infraestrutura (PAC) e em programas setoriais (Luz para Todos, Minha Casa Minha Vida, Programa Nacional da Agricultura Familiar) enfim, toda essa dinheirama que foi socializada estava concentrada nas mãos daqueles que sempre lucraram muito assaltando os cofres públicos. Empréstimo no Brasil sempre foi muito caro porque sempre existiram aqueles que metiam suas bundas em cima da grana para impedir que ela circulasse. A partir do governo Lula, isso acabou. E ainda querem dizer que não existem diferenças?

O mais curioso, no entanto, é a resistência desses segmentos mais reacionários da nossa sociedade em admitir os avanços do país sob o comando do PT. Para essa gente alucinada, os êxitos eleitorais do PT se justificariam exclusivamente por aquilo que eles chamam de “políticas assistencialistas” como se programas de transferência de renda como o Bolsa Família fossem meramente eleitoreiros. Essa é uma visão absurdamente preconceituosa e que parece corresponder muito bem à preguiça mental dessa gente que não gosta de raciocinar. Parece que a única coisa que o PT fez desde que assumiu o governo do país foi implementar o Bolsa Família, e mais nada. Já não teria sido pouca coisa, mas não foi só isso. Será que somente os beneficiários do Bolsa Família consideram que o país melhorou nos últimos dez anos?

O ódio que a elite brasileira sente do governo dos trabalhadores lhe cega de tal maneira que ela perde a capacidade de fazer uma análise devidamente coerente do que vem se passando no país desde o início da década passada. Até o observador menos atento já foi capaz de compreender que o sucesso popular dos governos do PT não se deve apenas às políticas sociais: “é a economia, estúpido!”.

Claro que os programas de proteção ao extrato popular de baixíssima renda são muito significativos do ponto de vista social, mas são mais significativos ainda quando considerados sob o prisma de seus impactos na economia de um modo geral. Além desses programas, é preciso levar em consideração também os efeitos positivos causados por outras ações de governo que foram determinantes para que hoje o Brasil não fosse uma Grécia falida e endividada. As medidas sociais de transferência de renda e combate à miséria, combinadas com a valorização do salário mínimo e a formalização do mercado de trabalho, foram fundamentais para o fortalecimento e a ampliação do mercado consumidor interno. A ativação desse mercado interno, por sua vez, estimulou a produção industrial, permitindo a elevação dos níveis de crescimento econômico com geração de emprego, inclusão social e redução das desigualdades regionais do país. Foi esse ambiente que permitiu ao país avançar inclusive na redução progressiva das taxas de juros, que nos tempos de fhc atingiram os maiores patamares em toda a história, desestimulando o capital produtivo e favorecendo o capital especulativo que não produz nenhum bem ou serviço sequer e não gera nenhum posto de trabalho sequer. O governo tucano prestigiava quem queria o lucro fácil, exploratório e predatório do país, e penalizava quem pretendesse investir no Brasil e colaborar com o seu crescimento. Isso também mudou, e muito.

E é graças a essas mudanças que, de 2003 a 2011, 40 milhões de pessoas em todo o Brasil saíram da classe D e E e chegaram a classe C. “É quase a população da Espanha”. O Nordeste é a região onde a classe C mais cresceu nos últimos anos (+50%). A mesma faixa de renda cresceu mais no interior do país (+ 36,4%) do que nas regiões não metropolitanas (+28,3%). A renda dos 50% mais pobres da população subiu 580% mais rápido do que a dos 50% mais ricos.

Essa é a obra do PT no governo. Alguma semelhança com a estagnação econômica, com a concentração de renda, com as PRIVATARIAS dos tempos dos tucanos?

Acho que os dados reais nos permitem afirmar sem medo de errar que as diferenças entre PT e psdb estão mais evidentes do que nunca. E a base dessa diferença não será encontrada apenas na assistência social, como querem os analistas de araque. Basta perguntar para os que sempre quiseram estudar, mas não tinham maiores oportunidades porque não podiam contar com o ENEM ou o ProUni. Perguntem a eles! Perguntem também para quem sempre considerou a casa própria um sonho inalcançável, mas conseguiu realizá-lo graças ao “Minha Casa, Minha Vida”. Perguntem aos que queriam abrir uma microempresa e não conseguiam porque não existia o “SuperSimples”. Perguntem aos estudantes que sempre sonharam em fazer um intercâmbio em universidades estrangeiras e não tiveram essa oportunidade porque não existia o “Ciência sem Fronteiras”. Perguntem a quem simplesmente queria plantar e colher e não podia porque não havia disponibilidade de crédito para micropodutores rurais e para a agricultura familiar. Perguntem para aqueles que até o despontar do século XXI não tinham sequer luz elétrica em casa e agora podem oferecer aos filhos um delicioso suco gelado retirado da geladeira nova recém-adquirida. Perguntem a eles se não é verdade que a vida deles melhorou nos últimos dez anos como “nunca antes na história desse país”. Eles não perguntam porque já sabem das respostas.

Mas seria muito bom se um dia os mervais pereiras, as doras kramers, as elianes cantanhedes e outros “cheirosos” saíssem de suas torres de marfim. Faria bem a eles tomar um banho de Brasil, abrir os olhos, encarar a realidade e constatar de maneira honesta a brutal diferença que existe entre o PT e os demais partidos que já governaram esse país em toda a sua história.

Reproduzido de Facebook de RafaelPatto
02 dez 2012

terça-feira, 6 de março de 2012

Políticas de Comunicação na América Latina: Cristina Kirchner, a mídia e nós


Cristina Kirchner, a mídia e nós

Venício A. de Lima

Uma das mais importantes conquistas do primeiro governo de Cristina Kirchner na Argentina (2007-2011) foi a aprovação da Lei nº 26.522 – Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual –, em 10 de outubro de 2009. A Ley de Medios, como ficou conhecida, substitui o Decreto-Lei nº 22.285 promulgado pela ditadura militar, em 1981.

Antes de ser enviado ao Congresso Nacional o anteprojeto foi amplamente debatido em todo o país. Em 2008, Kirchner nomeou o presidente do Comitê Federal de Radiodifusão (Comfer) para coordenar sua elaboração. A base inicial do trabalho foram os 21 pontos defendidos pela Coalizão por uma Radiodifusão Democrática, criada pelo Fórum Argentino de Rádios Comunitárias, em 2004. Além de contar com o apoio de figuras como, por exemplo, Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz, fazem parte do fórum sindicatos, associações profissionais, universidades, emissoras comunitárias e movimentos de direitos humanos.

A partir daí, foram programados quinze fóruns regionais para debater o anteprojeto e a própria presidenta presidiu encontros com empresários, líderes sindicais e estudantis, grupos de mídia, produtores independentes, reitores de universidades, diretores e professores de escolas de comunicação, líderes religiosos e associações de comunicação comunitária.

Quando o projeto de lei foi enfim remetido ao Poder Legislativo, o governo havia conseguido construir um consenso em torno dele, amparado em amplos setores da sociedade argentina. Mesmo assim, foi alterado duzentas vezes durante sua tramitação e, finalmente, aprovado na Câmara dos Deputados (146 votos a favor, 3 contra e 3 abstenções) e no Senado (44 a favor e 24 contra).

Resistência antecipada

Desde o anúncio da intenção de elaborar um projeto de lei para substituir a regulação do tempo da ditadura militar, em processo rigorosamente democrático, o governo de Cristina Kirchner sofreu – e continua sofrendo – intensa oposição dos grupos dominantes de mídia e de seus aliados internos e externos, inclusive no Brasil.

Por quê? Porque a lei argentina busca a regulação do, até então, oligopolizado mercado de mídia. Este, agora, divide-se em três partes iguais: para a iniciativa privada, o Estado e a sociedade civil. Impede-se, portanto, a continuidade da concentração da propriedade e da propriedade cruzada e, sobretudo, promovem-se a pluralidade e a diversidade através da garantia da liberdade de expressão de setores até aqui excluídos do “espaço público midiático” – povos originários, sindicatos, associações, fundações, universidades –, através de entidades sem fins comerciais.

São também garantidas cotas de exibição para o cinema argentino e a  produção nacional, além do fomento à produção de conteúdos educativos e para a infância. As novas concessões e as renovações de concessões terão de passar por audiências públicas e, para cuidar do cumprimento da lei, incluindo os vários itens que estão sendo regulamentados pelo Congresso Nacional, foram criados a Autoridade Federal, com sete membros, e o Conselho Federal, com quinze.

Como era de esperar, desde que entrou em vigor a Ley de Medios tem sido objeto de inúmeras medidas cautelares no Poder Judiciário, impetradas pelos grupos de mídia dominantes e/ou por parlamentares de oposição ao governo Kirchner. O objetivo, por óbvio, é conseguir embargos provisórios e protelar indefinidamente a plena vigência do texto legal.

Para enfrentar as resistências e divulgar a nova legislação foi criado pelo governo argentino um portal com o sugestivo nome de “Hablemos Todos” (http://www.argentina.ar/hablemostodos/), que publica depoimentos de apoio feitos por personalidades públicas, nacionais e internacionais. Vale a pena visitá-lo.

Lições a tirar

A Ley deMedios argentina, como já se afirmou reiteradamente, precisa ser estudada e debatida entre nós. Certamente servirá como exemplo de uma regulação democrática que busca garantir aos cidadãos a liberdade de expressão, plural e diversa, e, ao mesmo tempo, a competição complementar e equilibrada no mercado de mídia.

Além disso, temos muito a aprender com o processo democrático liderado pelo governo de Cristina Kirchner. No Brasil, apesar da convocação e realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, em dezembro de 2009, não se conseguiu ainda uma mobilização da sociedade civil capaz de convencer o governo federal a liderar o processo.

A decisão do PT de recomendar o debate sobre o marco regulatório nas campanhas municipais de 2012 e o compromisso da nova executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que tomou posse em dezembro de 2011, de ir às ruas para mostrar à população brasileira a necessidade de uma nova regulação do setor, renovam as esperanças de que enfim se criem as condições políticas que nos permitam avançar.

No campo das comunicações, não há dúvida, nossos vizinhos argentinos estão muito à frente de nós.

A ver até quando.

Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, entre outros livros, de Regulação das Comunicações –História, Poder e Direitos; Paulus, 2011

Reproduzido de Teoria e Debate
20 jan 2012
Via Rafael Patto do Grupo Facebook Comunicação Democrática

Leia também:

"Políticas de Comunicação na América Latina: por que no Brasil é diferente?" por Venício A. Lima (Carta Maior junho 2011 ) clicando aqui.

"Argentina: nova lei dos meios audiovisuais" por Bernardo Felipe Estellita Lins, Consultor Legislativo da Área XIV Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, da Câmara dos Deputados (Brasil), clicando aqui.

"Lei nº 26.522 – Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual", no Wikipedia com vários links/enlaces, clicando aqui.

"A Universidade e as leis para a comunicação" por Laurindo Lalo Leal Filho (Carta Maior julho 2011), clicando aqui.


“Poder do cartel da mídia controla até o Congresso” (Outubro 2010), por Monitor Mercantil na página de Brasil! Brasil!, clicando aqui.

"Los populismos mediáticos en América Latina" por Philip Kitzberger da Universidad San Andrés (Argentina) clicando aqui.


"Professor argentino enaltece a 'Ley dos Medios' de seu país" (abril 2010), sobre a conferência de Damián Loreti no III Seminário de Legislação e Direito à Comunicação, na página do Observatório do Direito à Comunicação, clicando  aqui.


Comentário de Filosomídia:


Democratização dos meios de comunicação no Brasil: um debate para a universidade tomar parte.


Os professores Venício Lima Laurindo Lalo Leal Filho vêm colocando esse tema em debate já fazem anos e, especificamente lembrando o caso argentino, inspiram para que nas universidades brasileiras tomemos como responsabilidade o aprofundamento dessa discussão da democratização dos meios de comunicação no país. Algo que se vai devagar Brasil afora, pelo menos para a nova administração das profas. Roselane & Lúcia a tomar posse na reitoria da UFSC (em maio de 2012) esse tema foi colocado em pauta para que se juntem outras vozes na academia no enfrentamento dessa verdadeira batalha. Bem oportuno esse texto postado acima para reforçar nossos deveres na garantia de direitos constitucionais desregulados há décadas.