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segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Livro "O quarto poder" de Paulo Henrique Amorim lançado na UFSC em 27/11/15


Livro de Paulo Henrique Amorim será lançado dia 27/11/15 (sexta-feira) no 1º Encontro de Blogueiros e Ativistas Digitais de SC,  no auditório Elke Hering da BU/UFSC

O 1º Encontro de Blogueiros e Ativistas Digitais de SC será realizado no dia 27 de novembro (sexta-feira), no auditório Elke Hering, da Biblioteca Universitária.

A proposta é discutir o processo de democratização da mídia no contexto das novas tecnologias e o aparecimento de outros atores no campo da comunicação. A jornalista do Instituto de Estudos Latino-Americanos (Iela), Elaine Tavares, participa da mesa sobre mídia catarinense.

O Encontro é aberto a todos os interessados, além de blogueiros, ativistas digitais, profissionais e estudantes da área de comunicação e  sindicalistas.

Na programação está definido o lançamento do novo livro do jornalista Paulo Henrique Amorim, o Quarto Poder – uma outra história.

Programação:

13h30 – Credenciamento

14h – Mesa 1 – Conjuntura Estadual da Mídia catarinense — Com o professor Nilson Lage, a jornalista Elaine Tavares e o advogado e político Milton Mendes (a confirmar)

15h30 – Coffee-break

16h – Mesa 2 – Conjuntura Nacional da Mídia brasileira — Com o blogueiro Eduardo Guimarães do blog da Cidadania e o jornalista Altamiro Borges do Barão de Itararé

18h – Lançamento no Núcleo Catarina do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé

18h30 – Mesa 3 – Palestra com Paulo Henrique Amorim

19h30 – Lançamento do livro O Quarto Poder – Uma outra história, de Paulo Henrique Amorim

As inscrições poderão ser feitas gratuitamente pela página do Encontro no facebook ou no próprio local.

Mais informações: (47) 8835-8635 ou na página do Encontro.


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Lalo Leal: As grandes democracias levam a sério o direito humano à informação


As grandes democracias levam a sério o direito humano à informação

No mundo desenvolvido, regulação das comunicações serve para ampliar a diversidade de conteúdos e democratizar a liberdade de expressão

Laurindo Lalo Leal Filho

(*) Artigo publicado originalmente na Revista do Brasil

A regulação dos meios de comunicação é algo comum nas grandes democracias do mundo. Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Portugal, Espanha entre outros países há várias décadas estabeleceram regras para o setor. A maioria busca atualizá-las constantemente para alinhar a legislação às inovações tecnológicas e as transformações sociais. Os britânicos, por exemplo, a cada cinco anos em média, discutem e aprovam no Parlamento novas regras para a mídia eletrônica e recentemente aprimoraram a regulação para os meios impressos.

Na América Latina, nos últimos anos, a maioria dos países aprovou leis modernas para o rádio e a televisão com o objetivo de democratizar o seu uso. O caso mais expressivo, por seu respaldo político e pela consistência da lei, é o da Argentina que em 2009 teve aprovada pelo Congresso Nacional a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual.

Uma das principais características comuns a todos esses países é a existência de um órgão regulador ou de uma autoridade reguladora pública com competência para aplicar as leis existentes para o audiovisual. São responsáveis por outorgar as concessões de rádio e TV, acompanhar e avaliar a qualidade dos serviços prestados pelos concessionários e promover, ou não, a renovação das concessões. São também os fóruns legais para manifestações do público e de diálogo com as empresas de radiodifusão.

Na concessões os governos diretamente ou os órgãos reguladores redigem os chamados “cadernos de encargos” onde constam os direitos e os deveres atribuídos aos concessionários durante o período em que vigorar a concessão.

Tipos de programas, públicos que pretendem atingir, formas de financiamento são alguns dos itens que constam no caderno. Caso eles sejam descumpridos o órgão regulador tem poderes de impor sanções que vão da advertência a cassação da concessão.

Nos Estados Unidos, a Federal Communications Commission (FCC) é o órgão criado através da Lei de Comunicação de 1934 que tem como  prerrogativa central realizar a regulação econômica da mídia evitando a concentração da propriedade dos meios. Não permite, por exemplo, que apenas uma empresa seja dona de jornal e de emissoras de rádio e TV numa mesma cidade.

Embora a primeira emenda da Constituição estadounidense garanta a absoluta liberdade de expressão, a FCC recebe queixas constantes sobre o conteúdo das programações. No entanto sua ação limita-se basicamente a proteger as crianças do que ela chama de “material indecente”, proibido de ser veiculado entre às seis da manhã e às 10 da noite.

Ainda assim a FCC pode punir emissoras que transmitam informações falsas, realizem sorteios ou concursos em que as regras não estejam claras e não sejam rigorosamente cumpridas ou aumentem o som nos intervalos comerciais.

A FCC é responsável também por fazer cumprir a lei que determina a obrigatoriedade das emissoras transmitirem, no mínimo, três horas semanais de “programação infantil essencial”, identificando os programas com o símbolo E/I e informando antecipadamente os pais sobre os horários de exibição. Eles devem ser exibidos entre às 7h e às 10h da manhã com pelo menos 30 minutos de duração.

Na Europa, os órgão reguladores preocupam-se mais com questões de conteúdo exigindo das emissoras cuidados que vão da veracidade dos anúncios exibidos à linguagem utilizada por artistas e apresentadores.

No Reino Unido a regulação do rádio, TV, internet e redes de telecomunicações é realizada pelo Ofcom (Office of Communications) criado em 2003 unificando vários órgãos existentes anteriormente. Os meios impressos são regulados pela IPSO (Independent Press Standards Organization), uma organização independente aprovada pelo Parlamento e sancionada pela rainha Elizabeth II em 2013.

Ao Ofcom cabe a tarefa de garantir à população britânica  a existência de serviços de comunicação eletrônica de alta velocidade, de programas de rádio e TV com qualidade e diversidade além de proteger os espectadores e ouvintes de conteúdos impróprios e de impedir a invasão de privacidade.

Conta para isso como uma série de canais abertos ao público para que este possa se manifestar em relação aos serviços prestados pelos meios de comunicação. As demandas são avaliadas e, quando é o caso, levadas aos responsáveis pelas transmissões. Abusos comprovados são punidos de acordo com a legislação.

Os meios impressos foram durante quase 60 anos auto-regulados através da PCC (sigla em inglês da Comissão de Reclamações sobre a Imprensa). O código de conduta adotado foi elaborado pelos próprios empresários que, além disso, ocupavam mais da metade das vagas do órgão. A complacência da Comissão diante de casos graves de violações éticas cometidas pela imprensa minou a sua credibilidade. Ela não resistiu ao escândalo provocado pelos jornalistas flagrados grampeando telefones de artistas e de pessoas envolvidas em casos policiais.

Diante da ineficiência da PCC, o governo britânico criou uma comissão de inquérito para esclarecer o “papel da mídia e da policia no escândalo das escutas telefônicas ilegais”. Ao final dos trabalhos a principal recomendação do Relatório Levenson (referência ao presidente da comissão Lord Justice Levenson) foi a criação de uma nova agência reguladora para a mídia com poder de aplicar multas de até um milhão de libras (cerca de quatro milhões de reais) ou de até 1% do faturamento das empresas.

A IPSO tem como uma de suas atribuições adotar medidas para proteção dos cidadãos, além de poder obrigar jornais, revistas e sites de internet com conteúdo jornalístico a publicar correções de matérias e pedidos de desculpas.  A adesão das empresas ao órgão é voluntária mas as que não aderirem poderão sofrer punições ainda mais severas. A criação da agência é resultado de um acordo firmado entre os três maiores partidos britânicos e tem o respaldo de uma Carta Real, assinada pela rainha Elizabeth. Qualquer alteração só poderá ser feita com o voto de pelo menos dois terços do parlamento.

Na Argentina a regulação atinge apenas o rádio e a TV, com a aplicação da nova Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual aprovada pelo Congresso em 2009. Seu mérito principal é o de ampliar a liberdade de expressão no pais garantindo o acesso ao espectro eletromagnético de grupos sociais antes excluídos pela força do monopólio. A lei estabelece que 33% do espectro está destinado a organizações sem fins lucrativos e abre espaço para que povos originários possam controlar emissoras de rádio e TV transmitindo programas em seus próprios idiomas, como já ocorre na região de Bariloche.

A nova legislação acaba com os monopólios e oligopólios ao estabelecer limites para o número de concessões outorgadas a cada empresa. Nenhuma delas (seja estatal, privada com fins lucrativas ou privada sem fins lucrativos) pode controlar mais de 1/3 das concessões que terão no máximo dez anos de vigência.

Por força da lei, o grupo Clarin teve que abrir mão de várias de suas licenças e, por isso, tornou-se o seu maior opositor tendo sido derrotado em todas as instâncias do Judiciário para as quais apelou. Agora um empresário não pode mais controlar canais de TVs abertas e fechadas ao mesmo tempo e o sinal de uma empresa de TV por assinatura não poderá chegar a mais de 24 localidades e nem superar o limite de 35 por cento do total de assinantes.

A lei de meios argentina permitiu uma expansão do setor audiovisual até então inédita no pais. Foram concedidas 814 licenças para operação de emissoras de rádio, TV aberta e TV paga. Dessas 53 de TV e 53 de rádio FM destinaram-se às universidades e 152 para emissoras de rádio instaladas em escolas primárias e secundárias.

No Brasil calcula-se que 19 projetos de lei visando a democratização da mídia já foram elaborados pelo poder Executivo desde que entrou em vigor a Constituição de 1988. Nenhum deles foi levado ao debate com a sociedade e muito menos enviado ao Congresso Nacional. Seguem vigorando as leis antigas que, por serem obsoletas, atendem aos interesse daqueles que se beneficiam dessa situação.

No caso do rádio e da televisão apenas a aprovação de leis que regulamentassem os artigos da Constituição referentes ao Capítulo da Comunicação Social já seria um grande avanço. Eis alguns exemplos:

Artigo 220

Compete à lei federal:

I -  “regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que se recomendam, locais e horários em que a apresentação se mostre inadequada”.

É um das poucas determinações da Constituição que foi objeto de regulação originando o que se convencionou chamar de “classificação indicativa” para exibição de programas de TV.  Ela estabelece uma relação entre os horários de veiculação dos programas com as faixas etárias adequadas ao conteúdo exibido. Mesmo tendo sido amplamente debatida na sociedade a classificação indicativa sofre forte oposição dos radiodifusores e é contestada por uma ação de inconstitucionalidade que tramita no Supremo Tribunal Federal.

II – “estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no Artigo 221 (ver a seguir), bem como a propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente”.

Não existem esses meios. A defesa da “pessoa e da família” só é feita através de ações propostas pelo Ministério Público que invariavelmente são derrotadas na Justiça pela falta da lei específica. Mas só a lei não basta. É necessária a existência de um órgão regulador, como o Ofcom britânico, como poderes para aplicá-la.

Além de ser um fórum com representantes dos radiodifusores, do governo e da sociedade capaz de resolver divergências mais simples, sem necessidade de recursos à Justiça.

III – “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”.

Trata-se do principal obstáculo à liberdade de expressão no Brasil. Um pequeno grupo de empresas controla todo o setor e veicula programas, programações e ideias semelhantes impedindo a circulação de opiniões plurais, imprescindíveis para uma sociedade democrática. A revisão da distribuição do espectro eletromagnético e o estabelecimento de limites à propriedade de meios de comunicação por um mesmo grupo econômico são as providências necessárias para romper com os monopólios e oligopólios existentes no pais.

Artigo 221

“A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”

Há vários exemplos de programas que estão no ar no rádio e na TV que não se enquadram nesse dispositivo constitucional. Não podem ser considerados informativos, por exemplo, programas que fazem do crime um espetáculo mórbido.

II – “promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive a sua divulgação”

A promoção da cultura nacional e o estímulo à produção independente ganharam estímulo na TV paga com a lei que entrou em vigor em 2011 determinando a abertura de espaços nas grades de programação das emissoras para cotas de programas produzidos no Brasil. Para a TV aberta não há nenhuma legislação específica sobre o tema.

III – “regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei”.

A regulamentação deste artigo foi apresentada ao Congresso Nacional em 1991 e até hoje não foi votada. A falta da lei impede a ampliação do mercado de trabalho de profissionais de rádio e TV em inúmeras regiões dos pais reforçando a concentração dos meios de comunicação no eixo Rio-São Paulo. Impede ainda a circulação pelo Brasil da produção cultural, artística e informativa que se faz em todo o território nacional.

IV – “respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”

São questões subjetivas que necessitam de fóruns amplos de discussão capazes de calibrar o que se veicula pela mídia com o nível sócio-cultural e de valores alcançado pela população num determinado momento histórico. A existência do órgão regulador plural e democrático será um passo nesse sentido.

Reproduzido de Carta Maior . 02 fev 2015
Via Revista do Brasil . 01 fev 2015

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

“Dilma percebeu que a mídia interferiu nas eleições”, diz Laurindo Leal Filho


“Dilma percebeu que a mídia interferiu nas eleições”, diz Laurindo Leal Filho

Samir Oliveira

O sociólogo e jornalista Laurindo Lalo Leal Filho tem sua vida profissional e acadêmica ligada à televisão – tanto em sua prática quanto em seus estudos. Com passagem pela Globo e pela TV Cultura, o professor aposentado da Escola de Comunicações e Artes da USP acredita que, neste segundo mandato, a presidenta Dilma Rousseff (PT) irá levar adiante a pauta da democratização da mídia.

O pesquisador critica o primeiro mandato da petista nesta área, lembrando que ela nunca deu prosseguimento ao projeto de lei deixado pelo ex-ministro Franklin Martins. Contudo, ele observa que o acirramento do embate eleitoral fez Dilma perceber a importância da medida. “O jogo bruto imposto pela mídia na última campanha eleitoral acendeu uma luz de atenção na própria presidenta da Republica”, considera.

Nesta entrevista ao Sul21, Laurindo Lalo Leal Filho fala sobre as perspectivas para o tema nos próximos anos, comenta as experiências em outros países e avalia o funcionamento do modelo de comunicação pública no Brasil e na América Latina.

“Os governos têm uma dificuldade muito grande de enfrentar politicamente os empresários da comunicação”

Sul21 – Como o senhor avalia o tratamento dado pelo primeiro mandato do governo Dilma Rousseff à questão da democratização da mídia?

Laurindo Lalo Leal Filho – Havia uma expectativa de que o anteprojeto de lei elaborado na gestão do ministro Franklin Martins na Secretaria de Comunicação Social fosse colocado em discussão na sociedade. Infelizmente não tivemos nenhum tipo de abertura para esse debate. Outras prioridades foram colocadas pelo Ministério das Comunicações, não se tem nem clareza de onde parou esse projeto do Franklin. Há informações esparsas que ele estaria no Ministério das Comunicações. Infelizmente, se repetiu um procedimento que já vem se tornando rotina em relação a essa questão na área do Executivo brasileiro. Desde a aprovação da Constituição em 1988 até hoje, já foram elaborados 19 projetos sobre regulamentação da mídia no Executivo e nenhum deles foi colocado abertamente em debate na sociedade para depois ser enviado ao Congresso Nacional. Essa pratica de não levar à sociedade esse debate vem se mantendo até hoje. Os governos têm uma dificuldade muito grande de enfrentar politicamente os empresários da comunicação, cujos integrantes estão no Congresso Nacional. Eles temem que, ao levarem em frente esse debate, possam sofrer represálias muito fortes da mídia. Uma situação que eu chamei em um artigo que publiquei na Carta Maior de “a síndrome do Jango”. Aquela articulação da mídia, que colaborou decisivamente para o golpe que derrubou o presidente João Goulart, ainda paira no imaginário dos governos brasileiros, que se sentem inibidos de enfrentar esse poder midiático concentrado, que continua tendo uma força muito grande no Brasil.

Sul21 – Como o senhor projeta que será o segundo mandato da presidenta em relação a essa pauta?

Laurindo – O jogo bruto imposto pela mídia na última campanha eleitoral acendeu uma luz de atenção na própria presidenta da Republica. Ela percebeu que a mídia interferiu na eleição e isso compromete a democracia. O sinal foi dado quando ela deu aquela resposta bastante forte e incisiva, na sexta-feira que antecedeu a eleição, àquela capa maldosa da revista Veja, que tentou interferir no jogo eleitoral até o último momento. A partir de um determinado momento, já em um processo eleitoral, Dilma já tinha revelando disposição em começar a discutir o que ela chama de “regulação econômica da mídia”. É um grande avanço, porque mostra que pela primeira vez ela tem uma percepção de que alguma coisa precisa ser feita – até então ela não vinha demonstrando isso, todos os sinais que ela dava era de que cabia simplesmente ao mercado a regulação.

“Devemos confiar nessa disposição da presidenta em realmente discutir a questão dos oligopólios e monopólios”

Sul21 – O que significa esse avanço?

Laurindo – Quando ela fala em regulação econômica da mídia, isso avança até o debate em torno dos monopólios e oligopólios. Acredito que devemos confiar nessa disposição da presidenta em realmente discutir a questão dos oligopólios e monopólios. Minha expectativa é de que a referência para essa regulação econômica seja, no mínimo, aquela que já está em vigor na Argentina. Estamos falando de mídia eletrônica, não tem nada a ver com a mídia impressa. Estamos falando em redefinir o uso do espectro eletromagnético, por onde circulam as ondas de rádio e televisão, dividindo esse espectro em três partes iguais, onde as emissoras privadas teriam espaço semelhante ao das públicas e das públicas sem fins lucrativos. Esse é o ponto de partida para a discussão. A partir daí, vamos estar mexendo com estes grandes conglomerados de mídia que existem no Brasil e vamos passar da mídia eletrônica também para a mídia impressa. É necessário estabelecer também regulação econômica, no sentido de romper com a propriedade cruzada. É necessário a criação de mecanismos que impeçam, por exemplo, como ocorre nos Estados Unidos, que um grupo determinado tenha na mesma cidade o principal jornal, a principal emissora de rádio e a principal emissora de televisão. Mas temos que ir além na regulação. Se quisermos democratizar mesmo a mídia será necessário não temer a discussão sobre a regulação de conteúdo também. Como diz a Constituição, temos que ter órgãos reguladores para defender o público do que é emitido. Tem a questão da classificação indicativa, que não pode ter retrocesso. A própria Constituição mostra que a regulação econômica é um ponto importante, mas ela não é o limite da regulação da mídia.

Sul21 – Como fica a expectativa para o anúncio do próximo ministro das Comunicações? Os movimentos sociais pela democratização da mídia não poupam críticas ao Paulo Bernardo.

Laurindo – Apesar de ter sido muito cobrado a esse respeito por vários grupos da sociedade, ele não levou a questão adiante em nenhum momento. Ele recebeu esses grupos algumas vezes e sempre as respostas foram protelatórias. Passaram-se quatro anos e não foi feito nada. A expectativa é que tenhamos um ministro que tenha a clareza da importância política e econômica da regulação da mídia e a vontade política de executá-la.

“Tivemos no Brasil a construção de uma mídia eletrônica – rádio e televisão – sempre calcada no modelo comercial”

Sul21 – Por que o tema da regulamentação da mídia avançou tanto em outros países do continente, mas continua emperrado no Brasil?

Laurindo – Principalmente na Argentina, no Equador, na Venezuela – e agora no Uruguai – esse debate sempre foi impulsionado pelos governos. Os governos tomam a iniciativa, porque é um tema que tem uma dificuldade de ser assimilado pela sociedade. Não é como temas de políticas públicas que são mais sentidas no cotidiano das pessoas, como saúde, educação e previdência. As pessoas saem às ruas quando o posto de saúde não as atende e quando a escola é ruim. É preciso um processo de politização mais profundo para sair às ruas defender democratização da comunicação. E a origem desse processo tem que estar no Estado, porque não há outro ente capaz de impulsionar esse debate. Isso foi feito com muita competência na Argentina. O governo se articulou com as universidades, com várias organizações sociais, foi politizando essa questão ao longo de muito tempo e ao final conseguiu colocar pessoas nas ruas defendendo a necessidade da regulação e da quebra dos monopólios. Aqui nós nunca tivemos esse processo.

Sul21 – O que é preciso para que esse processo ocorra no Brasil?

Laurindo – Precisamos ter dois mecanismos, caso o governo tenha realmente como meta a regulação da comunicação: um é estabelecer parâmetros, medidas, processos e metas; outro é fazer um trabalho pedagógico, mostrando para a sociedade como a falta de uma mídia democrática incide sobre o seu dia a dia, sobre suas decisões políticas, econômicas e culturais. Os governos na América Latina fizeram isso, impulsionaram e avançaram. Aqui nunca houve isso. E temos como agravante o fato de que a televisão ainda é o principal meio de informação da população brasileira. Ela esconde o fato de que as emissoras são concessões públicas. Mais do que isso, tivemos no Brasil a construção de uma mídia eletrônica – rádio e televisão – sempre calcada no modelo comercial, sem nunca termos tido a possibilidade da escolha em relação a um modelo público. Criou-se uma ideia na sociedade brasileira de que é assim que funciona. Isso inibe qualquer tipo de crítica. Não se estabeleceu no Brasil a pratica da crítica aos meios, por uma questão cultural que tem como base o modelo econômico adotado. Na Europa foi ao contrário: o rádio e a televisão surgiram como meios públicos, só depois surgiram os privados e os comerciais. Quando eles chegaram a população já conhecia um tipo de serviço de qualidade, aos quais os meios comerciais tinham que se adaptar. Aqui não tivemos isso. Não se criou no Brasil uma massa crítica capaz de exigir desses meios de comunicação mais diversidade, mais pluralidade e um nível cultural mais elevado.

“A Ley de Medios na Argentina deu voz a comunidades indígenas que nunca podiam ter sua voz ouvida pelo rádio ou pela televisão”

Sul21 – Como o senhor está acompanhando a implantação da lei de meios da Argentina? Esse mecanismo está contribuindo para democratizar a comunicação no país? Havia muitas criticas dizendo de que se tratava apenas de uma briga pessoal dos Kirchner com o Clarín.

Laurindo – A luta desenvolvida na Argentina pela democratização da comunicação e por uma lei de meios é anterior aos governos Kirchner, já vinha sendo discutida e impulsionada por outros governos e em outros setores da sociedade, principalmente acadêmicos, com muita desenvoltura. O governo Kirchner, principalmente o governo da Cristina, impulsionou com mais força esse tipo de debate. Foi um debate muito árduo porque o Clarín, que é o mais afetado pela lei por causa do monopólio que exercia, usou de todos os procedimentos políticos e jurídicos possíveis para impedir que a medida fosse aprovada. A lei foi aprovada há quatro anos e o Clarín conseguiu segurar por mais quatro anos a votação de quatro artigos que diziam respeito à questão do monopólio. Os outros 162 artigos foram aprovados e foram colocados em prática há quatro anos e já mudaram o panorama audiovisual na Argentina. A Ley de Medios deu voz a comunidades indígenas que nunca podiam ter sua voz ouvida pelo rádio ou pela televisão. Hoje há uma emissora de televisão falando em Mapuche em Bariloche. Houve uma proliferação enorme de emissoras universitárias e educativas. Houve um aumento significativo da produção independente, já que a lei exige que existam cotas para produção independente ser veiculada nos meios audiovisuais. A Ley de Medios mudou o panorama argentino. Agora mais recentemente que está se colocando em prática a divisão dos meios que estavam controlados de maneira oligopolista ou monopolista pelo Clarín.

Sul21 – Como o senhor vê a possibilidade de os movimentos sociais conseguirem protocolar como projeto de iniciativa popular a chamada Lei da Mídia Democrática, cujas assinaturas estão sendo recolhidas pelo Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC)?

Laurindo – Está avançando e é importante, porque dá sequência a um debate na sociedade que teve o maior avanço de todos os tempos com a realização da Confecom, a Conferencia Nacional da Comunicação, em 2009. Pela primeira vez, grupos que nunca tinham discutido comunicação foram para esse debate. Foi um processo de politização em relação ao tema. Acho que essa coleta de assinaturas está no mesmo caminho e dá continuidade ao que a Confecon fez. A expectativa é que se consiga as assinaturas e se jogue isso no Congresso Nacional. Já que as 19 tentativas anteriores não avançaram, não saíram do Palácio do Planalto e não chegaram ao Congresso, eu espero que essa, que sai da sociedade, chegue ao Congresso. É importante chegar ao Congresso para que lá seja debatido e a gente possa saber quem é quem lá dentro em relação a esse tema.

“O fato de a TV Brasil não entrar com facilidade em São Paulo pode ser comparado a uma excrescência que seria a BBC não entrar em Londres”

Sul21 – Do ponto de vista regional, como o senhor avalia a criação – ou as tentativas de – dos conselhos estaduais de comunicação?

Laurindo – A criação de um conselho de comunicação, por mais tímido que venha a ser, já é uma arena de debates que não interessa aos que controlam a comunicação no Brasil. Eles colocam todos os obstáculos para evitar que esses conselhos se constituam e quando eles se constituem, colocam obstáculos nas suas formas de atuação. A começar pelo Conselho Nacional de Comunicação, que é um órgão que está na Constituição e que levou mais de uma década para ser instalado. Depois de instalado, ficou mais quatro ou cinco anos inativo. Quando começa a funcionar, é ocupado pelos interesses dos empresários da comunicação e não pelos interesses da sociedade. Isso ocorre também regionalmente. Até agora, apenas o conselho da Bahia foi implantado e tem muita dificuldade de atuar exatamente por causa dessas pressões que existem por parte daqueles que não querem que ele atue. No Rio grande do Sul, existe a tentativa do governo Tarso de criar o conselho, que até hoje não foi votado na Assembleia. Isso revela claramente o que é o poder midiático no Brasil e como é que ele interfere no funcionamento das instituições, impedindo qualquer tipo de avanço democrático nessa e outras áreas que ele tem interesse.

Sul21 – Como o senhor avalia o desenvolvimento do modelo público de radiodifusão no Brasil, através da Empresa Brasil de Comunicação (EBC)?

Laurindo – Para democratizar a comunicação é preciso caminhar por duas estradas paralelas: uma é através da legislação, a outra é através de um sistema público que possa servir de contraponto ao sistema comercial. Se dividirmos o espectro em privado, público, e público sem fins lucrativos, temos que dotar esse espaço público de condições pra que ele seja realmente uma alternativa ao modelo comercial, para que o cidadão em casa possa exercer o seu direito de escolha. A alternativa pública tem que ser fortalecida para que chegue ao cidadão com as mesmas condições tecnológicas, de qualidade e de conteúdo capazes de fazer este contraponto. E disso se ressente a TV pública brasileira, porque embora tenham havido investimentos razoáveis na produção de seus programas e conteúdos, ela ainda está longe de chegar à população brasileira da mesma forma que chegam os meios comerciais.

“O brasileiro não pode ficar refém da Globo News, que tem uma pauta ideológica muito precisa”

Sul21 – Em que sentido?

Laurindo – Todo cidadão que paga pelo serviço público através dos seus impostos tem direito ao acesso a esse serviço e tem que ter direito a esse acesso de uma forma tão fácil quanto ele tem acesso aos meios privados. Só que você vai em muitas regiões do Brasil e o acesso à Globo ou a Record é facílimo, agora o acesso a TV Brasil é dificílimo. Em São Paulo só existe acesso à TV Brasil através do cabo, da TV por assinatura ou da TV digital. Se a Globo em São Paulo está no canal 5, a TV Brasil tem que estar no 7, para democratizar a escolha. O fato de a TV Brasil não entrar com facilidade em São Paulo pode ser comparado a uma excrescência que seria a BBC não entrar em Londres. A TV pública tem que ter programações e canais capazes de atender às expectativas culturais diversificadas que existem na sociedade brasileira. É fundamental que além deste canal de fácil acesso a gente tenha outros canais capazes de ter noticiário 24h. O brasileiro não pode ficar refém da Globo News, que tem uma pauta ideológica muito precisa. Essa ideia de abrangência deveria contemplar também um canal infantil. Não é possível que a população brasileira tenha que pagar para as crianças assistirem um Discovery Kids ou um Cartoon.

Sul21 – Como o senhor avalia a consolidação do caráter efetivamente público – não governamental – da EBC?

Laurindo – A gente caracteriza se uma emissora é mais ou menos pública a partir do distanciamento que ela tem dos governos. Todas as emissoras chamadas públicas são de titularidade do Estado, elas não pairam no ar. Alguém tem que ser o responsável, se não é o empresário, se não é a empresa comercial, qual o outro ente que é responsável por elas? É o Estado. O que vai tornar essas emissoras menos estatais e mais públicas são os mecanismos que existem no seu interior para afastar o seu controle do Estado. Nesse sentido, a BBC está bem mais distancia do Estado do que a EBC brasileira, mas ainda assim ela se reporta ao Parlamento e ao Ministério da Cultura e da Comunicação da Inglaterra. O que precisamos é fazer com que a EBC gradativamente vá se distanciando desses controles estatais mais rígidos, criando mecanismos capazes de torná-la mais pública, tanto na área do controle administrativo de conteúdo como na questão do financiamento. Uma questão que precisa ser enfrentada é a dotação orçamentária, que deve ser desvinculada dos orçamentos da União. Hoje a EBC tem um conselho curador que consegue ser bastante independente em relação ao governo, embora os conselheiros sejam nomeados pela presidenta da República. Mesmo assim, esse conselho consegue em determinados momentos estabelecer certos limites quanto à presença governamental. Não tem havido casos de ingerência do governo federal sobre a  EBC desde a sua fundação, o que não garante que amanhã ele não interfira, porque não há mecanismos que inibam isso.

“A Telesur tem sido para a América Latina um excelente contraponto à CNN”

Sul21 – Existe, na América Latina, o modelo plurinacional da Telesur. Como o senhor avalia essa cadeia de emissoras?

Laurindo – Com muito otimismo. Apesar de ser governamental, com forte presença dos governos dos países que a compõe, a Telesur tem sido para a América Latina um excelente contraponto à CNN. Ela tem, inclusive, uma estrutura de informação semelhante às grandes redes de informação transnacionais e consegue ser uma alternativa de qualidade. Eu só lamento a dificuldade que a gente tem de acesso à Telesur no Brasil. Ela consegue ter para a América Latina uma pauta bastante diferenciada em relação a todas as outras agências e canais de notícia. A Telesur faz na América Latina aquilo que eu gostaria muito que a TV Brasil fizesse com um canal de noticiais dentro do Brasil. É uma grande alternativa às redes comerciais existentes, particularmente a CNN. E a nossa expectativa é que a TV Brasil, por exemplo, estabelecesse mecanismos de parceria com a Telesur mais eficientes, capazes de trazer o sinal e esse conteúdo alternativo para o nosso país.

Reproduzido de Sul 21

15 dez 2014

domingo, 9 de novembro de 2014

Mídia conservadora aperta o cinto no fim de uma era de dominação

 Nem alguns dos nomes mais bem pagos pela mídia conservadora para defender o capitalismo contra os avanços de um Estado mais socialmente justo no país têm escapado da degola nas redações

Mídia conservadora aperta o cinto no fim de uma era de dominação

Por Correio do Brasil

Derrotada nas urnas, a mídia conservadora brasileira prepara-se, a passos largos, para tempos difíceis logo adiante, com a possível edição da Lei da Mídia Democrática, que deverá retirar dos grandes veículos de comunicação a supremacia na captação da publicidade estatal, responsável, em alguns casos, por mais de 70% do faturamento destas empresas. A última e desesperada tentativa de manter o status quo, no qual asseguram mais de 90% de cada real aplicado em propaganda, nas três esferas do Poder, foi um golpe às vésperas do segundo turno nas eleições presidenciais, frustrado com a vitória da candidata petista, Dilma Rousseff. Na tentativa fracassada de derrubar o prestígio da presidenta Dilma junto aos eleitores, a revista semanal de ultradireitaVeja estampou na capa uma chamada na qual sugeria que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua sucessora “sabiam de tudo” acerca da corrupção na estatal Petrobras. A Editora Abril, dona de Veja, já responde a um processo, na Justiça comum, pela publicação da reportagem sem qualquer prova, mas a matéria foi prontamente reproduzida pelas Organizações Globo, pela Folha de S. Paulo, O Estado de São Paulo e demais satélites destes principais integrantes do cartel midiático que, hoje, domina o setor no país.

Na noite passada, em conversa com jornalistas, a presidenta falou sobre temas centrais de sua próxima gestão, entre eles a regulação da mídia. Sobre este assunto, Dilma Rousseff voltou a negar qualquer intenção de interferir na produção do conteúdo, mas defendeu a regulação econômica de um dos segmentos mais concentrados da economia nacional.

– Defendo a liberdade de expressão e ela não é só liberdade de imprensa, mas é o direito de todo mundo que tiver uma opinião, mesmo que você não concorde com ela, ele tem direito de expressar. Tem direito de se expressar até contra a Democracia. Outra coisa diferente é confundir isso aí com regulação econômica, que diz respeito a processo de monopólio ou oligopólios que pode ocorrer em qualquer setor econômico, onde se visa o lucro. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) está aí para isso em qualquer setor. Mas qualquer outro setor, como transportes, energia, petróleo… tem regulações e a mídia não pode ter? Estou falando sobre o que ocorre em muitos países do mundo. Centros democráticos. Ou alguém desconhece a regulação que existe nos Estados Unidos? Desconhece a regulação na Inglaterra? Do meu ponto de vista, é uma das mais duras. Estou dando dois exemplos de situações que não temos que ser iguais. Não quero para nós uma regulação tal qual a norte-americana – disse.

Dilma fez questão de frisar que as medidas a serem adotadas não visam atingir as Organizações Globo, embora esteja no centro do cartel formado pelas grandes empresas de comunicação no país.

– Ela está mais diluída. Não acho que a Rede Globo é o problema. Isso é uma visão que eu acho velha sobre o que é a regulação da mídia. Velha. Porque é a gente estar demonizando uma rede de televisão. Quando você tem que ter regras que valham para todo mundo. Não só para eles. Não só não misturo essa discussão com mecanismos de censura, como repudio. Eu não represento uma parte. Eu quero representar o todo. E isso jamais poderá ser feito sem uma ampla discussão da sociedade. É o tipo da coisa que exige uma consulta pública – adiantou.

Tempos bicudos

Ao longo das últimas décadas, em tempos anteriores à instauração da ditadura militar, as principais concessões de TV e os jornais conservadores receberam dos governos federal, estaduais e municipais; do Poder Legislativo e do Judiciário fortunas capazes de transformar, por exemplo, a família do jornalista falecido Roberto Marinho na mais rica do país, com recursos acumulados na faixa de R$ 120 bilhões. Os demais herdeiros dos proprietários de meios de comunicação também figuram entre os mais ricos do Brasil. Ao longo dos últimos 12 anos de governo do PT, pouco ou nada mudou na distribuição dos recursos investidos em publicidade, o que manteve a acumulação de riqueza por parte dos principais adversários dos governos Lula e Dilma. Após a tentativa frustrada do golpe midiático, os partidos de esquerda passaram a exigir da presidenta Dilma a edição da Lei da Mídia Democrática, o que determinou uma nova resposta por parte dos meios conservadores de comunicação.

Um dia depois de demitir a colunista Eliane Cantanhêde, um dos maiores salários do diário conservador paulistano Folha de S. Paulo, a empresa da família Frias pediu as contas do jornalista Fernando Rodrigues, outro importante colunista político da direita. Ele estava há 27 anos naquele jornal e oficializou, nesta manhã, o que já se especulava nas redes sociais desde a noite passada. Em uma nota, intitulada Aviso aos navegantes, Rodrigues informou que “a partir desta sexta-feira (7.nov.2014), estarei aqui no UOL (onde já estava desde o ano 2000) e nos comentários matinais na (rádio Jovem Pan) JP (no ar desde 2006). Depois de 27 anos, encerrei minha colaboração no jornal Folha de S.Paulo”.

As demissões dos seus colaboradores mais caros apenas encabeçam uma longa lista de nomes do jornalismo que trabalham há décadas na publicação. Em fase de corte de gastos, a Folha de S. Paulo já demitiu cerca de 25 profissionais nos últimos dias. Os cortes na redação, segundo o Portal dos Jornalistas, teriam começado na terça-feira, com a saída de 15 pessoas, e continuado na quarta.

Na véspera, Cantanhêde escreveu no Twitter:

“Amigos do Twitter, aviso geral: amanhã eu não escrevo mais a coluna na Folha. Foi bom enquanto durou”.


07 nov 2014

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Saul Leblon: Conversar sobre o Brasil


Conversar sobre o Brasil

Por Saul Leblon
Carta Maior
02 nov 2014

A volta da Presidenta Dilma a Brasília, após o descanso da batalha eleitoral, serve como referência para aquela que é a mais urgente de todas as medidas.


A volta da Presidenta Dilma a Brasília, após quatro dias de descanso da árdua batalha eleitoral, serve como referência simbólica  para aquela que é a mais urgente de todas as medidas a serem tomadas neste seu segundo governo: conversar sobre o Brasil com os brasileiros.

Não há nada mais precioso na vida da Nação neste momento.


A vontade popular se definiu nas urnas, mas sua implementação dependerá do que ocorrer no parlamento e nas ruas


O conservadorismo perdeu.


Manteve intacto, porém, seu poder de falar diuturnamente à sociedade através do dispositivo midiático que lhe dá o monopólio na mediação da conversa do presente com o futuro; do país com ele mesmo.


A mediação progressista não pode esperar uma regulação da mídia, indispensável, mas que pode demorar mais do que o tempo disponível para organizar e conversar com a Nação.


Os graves desafios ao passo seguinte do desenvolvimento brasileiro são reais.


O país se depara com uma transição de ciclo econômico marcada por uma correlação de forças instável, desprovida de aderência institucional, ademais de submetida à determinação de um capitalismo global avesso a  outro ordenamento que não  o vale tudo dos mercados.


De modo muito grosseiro, o desafio progressista no Brasil é inaugurar um ciclo de ganhos de produtividade (daí a importância de resgatar seu principal núcleo irradiador, a indústria) que financie novos degraus de acesso à cidadania plena.


A solução conservadora é simples: arrocho salarial, esfarelamento do salário mínimo, liberdade cambial e ‘choque de competitividade’ com redução drástica das tarifas sobre importações.


Quem sobrar será eficiente e competitivo.


A força e o consentimento necessários para conduzir um processo distinto que persiga uma efetiva regeneração das bases do desenvolvimento, requisitam um salto de discernimento e organização social, indissociável de um amplo debate para a repactuação de metas, prazos, ganhos, sacrifícios e salvaguardas.


O dispositivo midiático, seus colunistas humilhados com a derrota nas urnas, nada fará diante desse divisor histórico exceto despejar um copo diário de fel na agenda   progressista para que dela não brote exceto crise e desalento.


Não se trata apenas de sobreviver à investida dos derrotados, cuja sede de vingança pode ser medida pelos latidos que pedem a volta dos militares nas ruas.


É preciso assumir a ofensiva.


E isso passa por disputar o imaginário social com o jogral do Brasil aos cacos, que voltou a falar sozinho, e grosso, após o horário eleitoral.


Está em jogo erguer linhas de passagem para um futuro alternativo à lógica do cada um por si, derivada de determinações históricas devastadoras que se irradiam da supremacia global das finanças desreguladas, para todas as dimensões da vida, da economia e da sociabilidade em nosso tempo.


A dificuldade de se iniciar esse salto advém, em primeiro lugar, da inexistência de um espaço democrático de debate em que os interesses da sociedade deixem de figurar apenas como um acorde dissonante no monólogo da restauração neoliberal.


Por isso não há nada mais urgente do que a Presidenta Dilma encontrar formas de conversar com o Brasil. E estimular a conversa dos brasileiros sobre o país.

Cada um por si, e os mercados por cima de todos, ou a árdua construção de uma democracia social negociada?


É em torno dessa disjuntiva que se abre a janela mais panorâmica da encruzilhada brasileira nos dias que correm.


Da capacidade de abrir atalhos para o Brasil conversar sobre seu futuro - e pactuar esse futuro - depende a sorte dos direitos trabalhistas, o destino das famílias assalariadas, a repartição da renda e a cota de sacrifícios entre as classes sociais na definição de um novo ciclo de crescimento.


Para que contemple as grandes escolhas do nosso tempo é   crucial que o segundo governo Dilma não se satisfaça com um simulacro de participação ou um ornamento de democracia popular.


Os desafios são imensos.


Maior, porém, é a responsabilidade de quem sabe onde estão as respostas e tem o dever de validá-las com a força popular que lhe dê sustentação.


As forças progressistas, justamente preocupadas com os rumos das ameaças que pairam sobre o país, tem uma tarefa simples, prática, urgente e incontornável.

Reunir-se em todos os fóruns possíveis para exercer a democracia dando-lhe um conteúdo propositivo.


Conversar sobre o Brasil.


Entender o momento vivido pelo Brasil.


Formular e reforçar linhas de passagem entre o país que somos e aquele que queremos ser.


Que temos o direito de ser.


Não há tarefa mais importante na luta pelo desenvolvimento do que criar valores, dizia Celso Furtado.


Não propriamente aqueles negociados em Bolsa.


Mas valores que coloquem a economia, os sacrifícios eventuais, e os recursos soberanos, a serviço da sociedade.


Os valores que vão ordenar a travessia para o novo ciclo de desenvolvimento brasileiro estão sendo sedimentados nos dias que correm.


As forças progressistas devem participar ativamente da carpintaria que definirá essa moldura histórica.


Como? Organizando-se. Fóruns já existentes, mas enferrujados, devem ser ativados; outros novos precisam ser criados.


O vigor participativo revelado nos últimos dias da disputa eleitoral não pode ser desperdiçado.


E isso vale sobretudo para o PT e seus dirigentes que retornaram às ruas e às bases e daí não deveriam sair mais.


A mobilização progressista exige referencias aglutinadoras.


Cabe ao governo, às organizações do campo progressista e, sobretudo, aos partidos de esquerda - abrigados em uma frente propositiva à altura de sua responsabilidade histórica - pautar a defesa de um Brasil onde a democracia participativa tenha a prerrogativa de influenciar o destino da sociedade e o futuro da economia.


A aula de rua ministrada pela filósofa Marilena Chauí durante a campanha eleitoral, em um momento em que a ofensiva conservadora parecia prestes a empalmar a vitória, é uma evidencia de que há energias e protagonistas à espera de um sinal aglutinador. (leia ‘AULA DE RUA’; nesta pág).


É só um exemplo. E ele não pode ser mais que um, entre centenas - milhares - nos dias que virão.



Reproduzido de Conversa Afiada (03/11/2014) e publicado originalmente em Carta Maior (02/11/2014)

Diário do Centro do Mundo: Até quando jornalistas como Merval serão financiados com dinheiro público?


Até quando jornalistas como Merval serão financiados com dinheiro público?

Por Paulo Nogueira
Diário do Centro do Mundo
Postado em 29 out 2014

Uma das coisas essenciais que você aprende como executivo é a chamada “base zero” para elaborar orçamentos.

Na inércia, nas empresas, cada departamento vai simplesmente acrescentando no planejamento de seus gastos 5% ou 10%, a cada ano.

A base zero evita isso. Você mergulha em cada investimento e verifica se ele ainda faz sentido. Às vezes, em vez de mantê-lo ou aumentá-lo, você percebe que o melhor mesmo é eliminá-lo.

A quem interessar: foi uma das coisas que aprendi em meus anos de editor da Exame e, depois, de diretor superintendente de uma unidade de negócios da Abril.

Minha introdução se destina a falar da regulação da mídia – um assunto que vai provocar fortes emoções nos próximos meses.

Um passo vital – e este independe de qualquer outra coisa que não seja a vontade do governo – é fazer um orçamento a partir da base zero nos gastos com publicidade do governo federal.

Por exemplo: faz sentido colocar 600  milhões de reais por ano na Globo? Citei a Globo porque, de longe, é ela quem mais recebe dinheiro federal na forma de anúncios.

Do ponto de vista técnico, o carro-chefe da Globo é a televisão aberta – uma mídia que vai se tornando mais e mais obsoleta à medida que avança a Era Digital.

Veja as audiências da Globo. Nos últimos meses, ou até anos, é comum você ver que foi batido o recorde de pior Ibope de virtualmente toda a grade da Globo.

Jornal Nacional? Antes, 60% ou coisa parecida. Agora, um esforço para ficar na casa dos 20%.

Novelas? Para quem chegou a ter 100% em capítulos finais, é uma tragédia regredir, hoje, a 30%, e isto na novela principal, a das 9.

Faustão, Fantástico? Em breve, estarão com um dígito de audiência, pelo trote atual.

Não vou entrar aqui na questão da qualidade. Se um gênio assumisse o Jornal Nacional, o conteúdo melhoraria, mas a audiência não: é a Era Digital em ação.

Pois bem.

Tudo aquilo considerado, 600 milhões por ano fazem sentido tecnicamente?

É claro que não.

Quanto faz sentido: metade? Um terço? Não sei: é aí que entra o estudo com base zero.

É curioso notar que um efeito colateral desse dinheiro colossal que entra todos os anos na Globo – seu Anualão – é o pelotão de jornalistas como Jabor, Merval, Sardenberg, Waack, Noblat e tantos outros dedicados à manutenção dos privilégios de seus patrões e, claro, deles próprios.

Não  é exagero dizer que eles são financiados pelo dinheiro do contribuinte.

Digamos que para 2015 fosse mantida metade do Anualão da Globo. Haveria, aí, 300 milhões de reais ou para ajudar a equilibrar as contas públicas ou, no melhor cenário, para ampliar programas sociais.

Cito a Globo apenas pelo tamanho de seu caso.

Alguns meses atrás, a sociedade subitamente se perguntou se era certo o governo federal colocar 150 milhões por ano no SBT, em publicidade, para que, no final, aparecesse em seu principal telejornal com enorme destaque uma comentarista que apoiava justiceiros, Raquel Sheherazade.

Esqueçamos, no caso do SBT, Sheherazade e tantos outros comentaristas de emissoras afiliadas iguais a ela, como Paulo Martins, do SBT de Curitiba.

“O PT é um tumor maligno”, escreveu ele em sua conta no Twitter perto das eleições. “Essa eleição é o ponto limite para o Brasil desse mal com tratamento convencional. Depois dessa, é muita dor ou morte.”

Em português: ele estava pregando um golpe na democracia em caso de fracasso no “tratamento convencional” – a vontade da maioria expressa nas urnas.

Também ele – aliás numa concessão pública – é bancado pelo dinheiro público. A sociedade aprovaria esse emprego de dinheiro?

É irônico, mas o que a mídia tem que enfrentar é um choque de capitalismo: andar pelas próprias pernas, sem o Estado-babá. (Até hoje vigora uma reserva de mercado na imprensa, por absurdo que pareça em pleno 2014.)

Os bilhões que ano após ano o sucessivos governos – na Era FHC as somas eram ainda maiores – colocam nas grandes corporações de mídia têm ainda uma consequência pouco discutida.

Dependentes do governo – nenhuma sobreviveria se as verbas fossem extirpadas –, elas entram em pânico a cada eleição presidencial. E fazem o que todos sabemos que fazem, pela manutenção de seus privilégios.

Aécio, agora, era a garantia de vida boa para todas elas. O modus operandi de Aécio é conhecido: como governador de Minas, ele triplicou os gastos com publicidade.

Ele não teve o pudor de deixar de colocar dinheiro público nem nas rádios de sua própria família.

Na Minas de Aécio, a imprensa amiga foi bem recompensada com anúncios, incluída a Globo local.

E aqui um acréscimo importante: fora o dinheiro federal, as grandes corporações de mídia são abençoadas também com anúncios de governos estaduais e municipais.

Em São Paulo, os governos do PSDB têm contribuído na medida de suas possibilidades com empresas como Abril, Estado e Folha.

E não só com publicidade. Todo ano, o governo paulista renova um grande lote de assinaturas da Veja para distribuir as revistas em escolas públicas.

Felizmente para a cabeça dos jovens, as revistas sequer são tiradas do plástico que as embala.

Que jovem lê revista, hoje? Mesmo assim, as assinaturas são sempre renovadas.

Mas um passo por vez.

Fazer um orçamento de marketing com base zero nos gastos com publicidade seria uma das atividades mais nobres nestes meses finais de 2014 para a equipe do governo.

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Sobre o Autor
O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.


29 out 2014