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quarta-feira, 4 de abril de 2012

Roseli Goffman: Nunca estivemos tão cegos


Nunca estivemos tão cegos

Roseli Goffman*
Revista do Instituto Telecom

Para Saramago, (Janela da Alma, 2001, documentário de Walter Carvalho), “estamos cegos à lei, à razão, à sensibilidade. Estamos atados na caverna de Platão, vendo sombras neste mundo audiovisual”. Mas não estamos cegos pela escuridão, muito pelo contrário, estamos blindados pela profusão de imagens e dos discursos que sombreiam a luz do dia e nos afastam do cotidiano.

Lembramos aqui o artigo de Helio Pellegrino para a Folha de São Paulo, em 11 de setembrode 1984, em que faz interagir o Complexo de Édipo e a passagem do princípio do prazer ao princípio de realidade, “em que se funda o pacto com a Lei da Cultura – ou Lei do pai – é a tarefa primordial da criança na primeira etapa do seu desenvolvimento psicossexual. O pacto com a Lei do pai prepara e torna possível o pacto social. A ruptura com o pacto social, em virtude de sociopatia grave – como é o caso brasileiro – pode implicar a ruptura, ao nível do inconsciente, com o pacto edípico. Não nos esqueçamos que o pai é o primeiro e fundamental representante junto à criança da Lei da Cultura. Se ocorre, por retroação, tal ruptura, fica destruído, no mundo interno, o significante paterno, o Nome-do-Pai e, em consequência, o lugar da Lei”.

Esclarecemos que no campo da Psicologia, o termo Pai, usado por Pellegrino, não se restringe à família, mas todo e qualquer lugar para esta função/significante, e que o pensamento da Diferença, e seus representantes, não recusam uma função simbólica e socializante: “não com o ovo de onde saiu, nem com os genitores que o ligam a ele, [...] mas com um espaço social e político a ser conquistado” (DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos 1998, p. 94). Ambas abordagens expressam por que defendemos o marco regulatório das Comunicações, como pacto social necessário à entrada do Brasil no processo em andamento nos Estados Democráticos.

A decisão do Governo brasileiro de regular homeopaticamente vem sendo muito tímida em relação à demanda da sociedade, que provou na Conferência Nacional de Comunicação (Confecom, 2009) que tem mais de 600 propostas de tese avançadas sobre os destinos da Comunicação que merecemos.

Temos como exemplo mais recente destas forças em confronto, a Lei nº 12.485, sobre o  serviço das TVs por Assinatura (SeAC) sancionada em setembro de 2011, que vem sendo atacada pelas empresas do setor em seu objetivo primordial: garantir as cotas de conteúdo nacional e independente em pífias 3 horas e meia por semana até 2014, atingindo no máximo doze entre as dezenas de canais disponíveis. Apenas essa tímida regulação oxigenará a cadeia produtiva, promovendo o crescimento econômico e fomentando a diversidade e a regionalidade do setor. Aqui, antes dos institutos caça-fantasmas convocarem suas fantasias catastróficas sobre censura é preciso conferir que a insuspeita comunidade européia garante 50% de cota obrigatória na veiculação de conteúdo nacional nas TVs por assinatura. Alguns representantes de empresas do setor e certos “institutos” especialmente criados com o fim exclusivo de impedir estes avanços democráticos, que erguem mais uma vez a bandeira da censura para afirmar seus princípios, estão simplesmente regredidos ao supor que o capitalismo possa integralizar a sua ilusão de completude.

Para fins particulares, tentam manter-se fora do princípio de realidade e da Lei da Cultura, buscando inutilmente impedir que este pacto social possa cumprir-se, em benefício de todos.

Entendemos que toda e qualquer forma de silenciar o debate da Comunicação no Brasil, impedindo a regulação dos artigos a ela dedicados pela Constituição Federal de 1988, está afinal confrontada por um marco regulatório, construído com ampla participação da sociedade brasileira, conforme o artigo ainda tão atual de Helio Pellegrino: “Só o amor e a liberdade, subordinando e transfigurando o temor, permitem uma verdadeira, positiva e produtiva relação com a Lei”. Produzir subjetividades diversificadas, autônomas e libertárias é compromisso de todas e todos com o Estado Democrático.

Recomendamos também, até mesmo para aqueles que ainda estão na caverna platônica, a ampla divulgação da Plataforma para um Novo Marco Regulatório das Comunicações, em www.comunicacaodemocratica.org.br

*Roseli Goffman é Psicóloga, Conselheira do Conselho Federal de Psicologia, Secretária-Geral do FNDC

Via Clipping FNDC
03/04/2012

Descarregue a Revista do Instituto Telecom No. 4 clicando aqui.

sexta-feira, 16 de março de 2012

“O povo inglês merece uma imprensa que assuma suas responsabilidades seriamente"...


O tamanho do nosso atraso

Venício Lima
Revista Teoria e Debate
13/03/2012

“O povo inglês merece uma imprensa que assuma suas responsabilidades seriamente e exerça os padrões profissionais reconhecendo que a liberdade preciosa de que desfruta é um privilégio, não um direito divino.”

Lord David Hunt, chairman da Press Complaints Commission

A Comissão de Reclamações sobre a Imprensa (Press Complaints Commission, ou PCC, na sigla em inglês), criada por empresários de jornais e revistas, é a agência autorreguladora da imprensa no Reino Unido, em funcionamento desde 1991. Na arquitetura institucional para o setor de comunicações naquele país, além da PCC, existe a OFCOM, autoridade independente e reguladora para as indústrias de comunicações.

O escândalo relativo ao comportamento criminoso do tabloide News of the World, do grupo News Corporation, revelado em novembro de 2011, provocou não só a instalação de uma comissão judicial para apurar e sugerir medidas para evitar a repetição dos fatos como também uma indignação generalizada quanto à ineficiência da agência autorreguladora.

Antecipando-se às recomendações da comissão judicial, a PCC anunciou no dia 8 de fevereiro sua descontinuidade, para dar lugar a outra agência com poderes de interferência mais eficazes. Nas palavras do chairman da PCC, o Reino Unido terá “pela primeira vez um órgão regulatório da imprensa com dentes", embora não tenha divulgado os poderes e o mandato da nova agência.

Na verdade, a promessa de uma agência autorreguladora “com dentes” responde à acusação feita em depoimento à comissão judicial pela escritora J.K. Rowling, autora de Harry Potter. Ela afirmou ser a PCC uma agência “sem dentes”, isto é, sem poder efetivo de ação para coibir os desvios profissionais e éticos da imprensa.

E o Brasil?


O registro do que se passa hoje na Inglaterra, berço do liberalismo e de algumas das referências clássicas sobre a liberdade de expressão e a liberdade da imprensa, nos ajuda a entender o atraso secular em que nos encontramos quando se trata de regulação (ou autorregulação) no campo das comunicações.


Três exemplos:

1. À exceção do Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar) –“organização não governamental que visa impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor ou a empresas” –, não existe órgão autorregulador para nenhum setor da mídia no Brasil. Mesmo assim, recente recurso ao Conar feito pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (aliás, não acolhido) provocou irados e violentos editoriais e artigos na grande mídia, sob acusação de interferência estatal, censura e fundamentalismo conservador [cf. “Caso Gisele Bündchen: Onde está a censura?”].

2. A Lei nº 12.485/2011, que muito timidamente estabeleceu cotas para a produção nacional na televisão paga, foi recentemente objeto de campanha publicitária do grupo SKY – leia-se Direct TV e Globo –, que utilizou o falso argumento de que a Agência Nacional de Cinema (Ancine) estaria querendo tomar das mãos dos assinantes o controle remoto e decidir por ele qual a programação a ser vista. Além de um desrespeito à inteligência do assinante, uma operadora estrangeira, associada ao maior grupo de mídia brasileiro, se rebela publicamente contra uma lei cujo projeto tramitou por mais de quatro anos no Congresso Nacional. Tudo porque são estabelecidas normas de proteção ao conteúdo nacional, aliás, existentes nas democracias contemporâneas que supostamente servem de modelo para a nossa.

3. E, por fim, a impossibilidade da imensa maioria dos brasileiros de acompanhar as partidas de seus times na Copa Libertadores da América, o principal torneio de futebol da América Latina. O oligopólio no setor de TV paga e os interesses de seus poucos grupos dominantes – exatamente a SKY e a NET (ambas associadas à Globo) – continuam a contrariar a conhecida máxima do juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, Byron White, estabelecida 43 anos atrás: “É o direito dos espectadores e ouvintes, não o direito dos controladores da radiodifusão, que é soberano”.

Por favor, leitor(a), julgue você mesmo(a) o tamanho do nosso atraso.

* Professor Titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011.


Foto: Lord David Hunt . Photograph: Martin Godwin for the Guardian