segunda-feira, 22 de julho de 2013

Uma breve história da luta da grande mídia contra os interesses nacionais, por Leandro Severo (Adital)


Uma breve história da luta da grande mídia contra os interesses nacionais

Leandro Severo
Adital

Em 1941, enquanto milhões de homens e mulheres derramavam seu sangue pela liberdade nos campos da Europa e da União Soviética, a elite dos círculos financeiros dos Estados Unidos já traçava seus planos para o pós-guerra. Como afirmou Nelson Rockefeller, filho do magnata do petróleo John D. Rockefeller, em memorando que apresentava sua visão ao presidente Roosevelt: "Independente do resultado da guerra, com uma vitória alemã ou aliada, os Estados Unidos devem proteger sua posição internacional através do uso de meios econômicos que sejam competitivamente eficazes...” (COLBY, p.127, 1998). Seu objetivo: o domínio do comércio mundial, através da ocupação dos mercados e da posse das principais fontes de matéria-prima. Anos mais tarde o ex-secretário de imprensa do Congresso americano, Gerald Colby, sentenciava sobre Rockefeller: "no esforço para extrair os recursos mais estratégicos da América Latina com menores custos, ele não poupava meios” (COLBY, p.181, 1998).

Neste mesmo ano, Henry Luce, editor e proprietário de um complexo de comunicações que tinha entre seus títulos as revistas Time, Life e Fortune, convocou os norte-americanos a "aceitar de todo o coração nosso dever e oportunidade, como a nação mais poderosa do mundo, o pleno impacto de nossa influência para objetivos que consideremos convenientes e por meios que julguemos apropriados” (SCHILLER, p.11, 1976). Ele percebeu, com clareza, que a união do poder econômico com o controle da informação seria a questão central para a formação da opinião pública, a nova essência do poder nacional e internacional.

Evidentemente para que os planos de ocupação econômica pelas corporações americanas fossem alcançados havia uma batalha a ser vencida: Como usurpar a independência de nações que lutaram por seus direitos? Como justificar uma postura imperialista do país que realizou a primeira insurreição anticolonial?

A resposta a esta pergunta foi dada com rigor pelo historiador Herbert Schiller: "Existe um poderoso sistema de comunicações para assegurar nas áreas penetradas, não uma submissão rancorosa, mas sim uma lealdade de braços abertos, identificando a presença americana com a liberdade – liberdade de comércio, liberdade de palavra e liberdade de empresa. Em suma, a florescente cadeia dominante da economia e das finanças americanas utiliza os meios de comunicação para sua defesa e entrincheiramento onde quer que já esteja instalada e para sua expansão até lugares onde espera tornar-se ativa” (SCHILLER, p.13, 1976).

Foi exatamente ao que seu setor de comunicações se dedicou. Estava com as costas quentes, já que as agências de publicidade americanas cuidavam das marcas destinadas a substituir as concorrentes europeias arrasadas pela guerra. O setor industrial dos EUA havia alcançado um vertiginoso aumento de 450% em seu lucro líquido no período 1940-1945, turbinado pelos contratos de guerra e subsídios governamentais. Com esta plataforma invadiram a América Latina e o mundo.

Com o suporte do coordenador de Assuntos Interamericanos (CIIA), Nelson Rockefeller, mais de mil e duzentos donos de jornais latinos recebiam, de forma subsidiada, toneladas de papel de imprensa, transportada por navios americanos. Além disso, milhões de dólares em anúncios publicitários das maiores corporações eram seletivamente distribuídos. É claro que o papel e a publicidade não vinham sozinhos, estavam acompanhados de uma verdadeira enxurrada de matérias, reportagens, entrevistas e releases preparados pela divisão de imprensa do Departamento de Estado dos EUA.

A vontade de conquistar as novas "colônias” e ocupar novos territórios como haviam feito no século anterior, no velho oeste, não tinha limites. No Brasil, circulava desde 1942, a revista Seleções (do Reader’s Digest), trazida por Robert Lund, de Nova York. A revista, bem como outras publicações estrangeiras, pagavam os devidos direitos aduaneiros por se tratarem de produtos importados, mas solicitou, e foi atendida pelo procurador da República, Temístocles Cavalcânti, o direito de ser editada e distribuída no Brasil, com o argumento de ser uma revista sem implicações políticas e limitada a publicar conteúdos culturais e científicos. Assim começou a tragédia.

Logo chegou o grupo Vision Inc., também de Nova York, com as revistas Dirigente Industrial, Dirigente Rural, Dirigente Construtor e muitos outros títulos que vinham repletos de anúncios das corporações industriais. Um fato bastante ilustrativo foi o da revista brasileira Cruzeiro Internacional, concorrente da Life International, que apesar de possuir grande circulação, nunca foi brindada com anúncios, enquanto a concorrente americana anunciava produtos que, muitas vezes, nem sequer estavam à venda no Brasil.

Ficava claro que os critérios até então estabelecidos para o mercado publicitário, como tempo de circulação efetiva, eficiência de mensagem e comprovação de tiragem, de nada adiantavam. O que estava em jogo era muito maior.

Um papel importantíssimo na ocupação dos novos mercados foi desempenhado pelas agências de publicidade americanas. McCann-Erickson e J. Warter Thompson eram as principais e tinham seu trabalho coordenado diretamente pelo Departamento de Estado. Para se ter uma ideia a McCann-Erickson , nos anos 60, possuía 70 escritórios e empregava 4619 pessoas, em 37 países, já a J. Warter Thompson tinha 1110 funcionários, somente na sede de Londres. Os Estados Unidos tinham 46 agências atuando no exterior, com 382 filiais. Destas 21 agências em sociedade com britânicos, 20 com alemães ocidentais e 12 com franceses. No Brasil atuavam 15 agências, todas elas com instruções absolutamente claras de quem patrocinar.

No início dos anos 50, Henry Luce, do grupo Time-Life, já estava luxuosamente instalado em sua nova sede de 70 andares na área mais nobre de Manhattan, negócio imobiliário que fechou com Nelson Rockefeller e seu amigo Adolf Berle, embaixador americano no Brasil na época do primeiro golpe contra o presidente Getúlio Vargas. Luce mantinha fortes relações com os irmãos Cesar e Victor Civita, ítalo-americanos nascidos em Nova Iorque. Cesar foi para a Argentina em 1941 onde montou a Editorial Abril, como representante da companhia Walt Disney, já Victor, em 1950, chega ao Brasil e organiza a Editora Abril. Neste mesmo período seu filho, Roberto Civita, faz um estágio de um ano e meio na revista Time, sob a tutela de Luce e logo retorna para ajudar o pai.

Poucos anos depois, o mercado editorial brasileiro está plenamente ocupado por centenas de publicações que cantavam em prosa e verso o american way of life. Somente a Abril, financiada amplamente pelas grandes empresas americanas, edita diversas revistas: Claudia, Quatro Rodas, Capricho, Intervalo, Manequim, Transporte Moderno, Máquinas e Metais, Química e Derivados, Contigo, Noiva, Mickey, Pato Donald, Zé Carioca, Almanaque Tio Patinhas, a Bíblia Mais Bela do Mundo, além de diversos livros escolares.

Em 1957, uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados, comprova que "O Estado de São Paulo”, "O Globo” e "Correio da Manhã” foram remunerados pela publicidade estrangeira para moverem campanhas contra a nacionalização do petróleo.

Em 1962, o grupo Time-Life encontra seu parceiro ideal para entrar de vez no principal ramo das comunicações, a Televisão. A recém fundada TV Globo, de Roberto Marinho. Era uma estranha sociedade. O capital da Rede Globo era de 600 milhões de cruzeiros, pouco mais de 200 mil dólares, ao câmbio da época. O aporte dado "por empréstimo” pela Time-Life era de seis milhões de dólares e a empresa tinha um capital dez mil vezes maior.

Como denunciou o deputado João Calmon, presidente da Abert (Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão): "Trata-se de uma competição irresistível, porque além de receber oito bilhões de cruzeiros em doze meses, uma média de 700 milhões por mês, a TV Globo recebe do Grupo Time-Life três filmes de longa metragem por dia – por dia, repito... Só um ‘package’, um pacote de três filmes diários durante o ano todo, custa na melhor das hipóteses, dois milhões de dólares” (HERZ, p.220, 2009).

O Brasil e o mundo estão em efervescência. A tensão é crescente com revoluções vitoriosas na China e em Cuba. A luta pela independência e soberania das nações cresce em todos continentes e os EUA colocam em marcha golpes militares por todo o planeta. A Guerra Fria está em um ponto agudo.

É nesse quadro que a Comissão de Assuntos Estrangeiros do Congresso dos EUA, em abril de 1964, no relatório "Winning the Cold War. The O.S. Ideological Offensive” define:

"Por muitos anos os poderes militar e econômico, utilizados separadamente ou em conjunto, serviram de pilares da diplomacia. Atualmente ainda desempenham esta função, mas o recente aumento da influência das massas populares sobre os governos, associado a uma maior consciência por parte dos líderes no que se refere às aspirações do povo, devido às revoluções concomitantes do século XX, criou uma nova dimensão para as operações de política externa. Certos objetivos dessa política podem ser colimados tratando-se diretamente com o povo dos países estrangeiros, em vez de tratar com seus governos. Através do uso de modernos instrumentos e técnicas de comunicação, pode-se hoje em dia atingir grupos numerosos ou influentes nas populações nacionais – para informá-los, influenciar-lhes as atitudes e, às vezes, talvez, até mesmo motivá-los para uma determinada linha de ação. Esses grupos, por sua vez, são capazes de exercer pressões notáveis e até mesmo decisivas sobre seus governos” (SCHILLER, p.23, 1976).

A ordem estava dada: "informar”, influenciar e motivar. A rede está montada, o financiamento definido.

O jornalista e grande nacionalista, Genival Rabelo, exatamente nesta hora, denuncia no jornal Tribuna da Imprensa do Rio de Janeiro: "Há, por trás do grupo (Abril), recursos econômicos de que não dispõem as editoras nacionais, porém muito mais importante do que isso está o apoio maciço que a indústria e as agências de publicidade americanas darão ao próximo lançamento do Sr. Victor Civita, a exemplo do que já fizeram com as suas 18 publicações em circulação, bem como as revistas do grupo norte-americano Vision Inc.” (RABELO, p.38, 1966)

Mas é necessário mais. É preciso enfraquecer, calar e quebrar tudo que seja contrário aos interesses dos monopólios, tudo que possa prejudicar os interesses das corporações. A General Eletric, General Motors, Ford, Standard Oil, DuPont, IBM, Dow Chemical, Monsanto, Motorola, Xerox, Jonhson & Jonhson e seus bancos J. P. Morgan, Citibank, Chase Manhattan precisam estar seguros para praticar sua concorrência desleal, para remeter lucros sem controle, para desnacionalizar as riquezas do país se apossando das reservas minerais.

Várias são as declarações, nesta época, que deixam claro qual o caminho traçado pelos EUA. Nas palavras de Robert Sarnoff, presidente da RCA – Radio Corporation of America – "a informação se tornará um artigo de primeira necessidade equivalente a energia no mundo econômico e haverá de funcionar como uma forma de moeda no comércio mundial, convertível em bens e serviços em toda parte” (SCHILLER, p.18, 1976). Já a Comissão Federal de Comunicações (FCC), em informe conjunto dos Ministérios do Exterior, Justiça e Defesa, afirmava: "as telecomunicações evoluíram de suporte essencial de nossas atividades internacionais para ser também um instrumento de política externa” (SCHILLER, p.24, 1976).

É esclarecedor o pensamento do delegado dos Estados Unidos nas Nações Unidas, vice-ministro das Relações Exteriores, George W. Ball, em pronunciamento na Associação Comercial de Nova Iorque:

"Somente nos últimos vinte anos é que a empresa multinacional conseguiu plenamente seus direitos. Atualmente, os limites entre comércio e indústria nacionais e estrangeiros já não são muito claros em muitas empresas. Poucas coisas de maior esperança para o futuro do que a crescente determinação do empresariado americano de não mais considerar fronteiras nacionais como demarcação do horizonte de sua atividade empresarial” (SCHILLER, p.27, 1976).

A ação desencadeada pelos interesses externos já havia produzido a falência de muitos órgãos de imprensa nacionais e, por outro lado, despertado a consciência de muitos brasileiros de como os monopólios utilizam seu poder de pressão e de chantagem. Em 1963, o publicitário e jornalista Marcus Pereira afirmava em debate na TV Tupi, em São Paulo: "Em última análise, a questão envolve a velha e romântica tese da liberdade de imprensa, tão velha como a própria imprensa. Acontece que a imprensa precisa sobreviver, e, para isso, depende do anunciante. Quando esse anunciante é anônimo, pequeno e disperso não pode exercer pressão, por razões óbvias. É o caso das seções de ‘classificados’ dos jornais. Mas poucos jornais têm ‘classificados’ em quantidade expressiva. A maioria dos jornais e a totalidade das revistas vivem da publicidade comercial e industrial, dos chamados grandes anunciantes. Acho que posso parar por aqui, porque até para os menos afoitos já adivinharam a conclusão” (RABELO, p.56, 1966).

Não é difícil perceber o quanto a submissão aos interesses econômicos estrangeiros levou a dita "grande mídia” brasileira a se afastar da nação. A se tornar, ao longo dos anos, em uma peça chave da política do Imperialismo. Em praticamente todos os principais momentos da vida nacional se inclinaram para o golpismo e a traição. Já no primeiro golpe contra Getúlio, depois, contra sua eleição, contra sua posse, contra a criação da Petrobrás, contra a eleição de Juscelino, contra João Goulart, contra as reformas de base, apoiando a Ditadura, apoiando a política econômica de Collor, apoiando Fernando Henrique e suas privatizações, atacando Lula.

Hoje, ela novamente tem lado: o das concessões de estradas, portos e aeroportos, o dos leilões de privatização do petróleo e da necessidade da elevação das taxas de juros, do controle do déficit público com evidentes restrições aos investimentos governamentais, ou seja, da aceitação de um neoliberalismo tardio.

Porque atuam desta forma? Genival Rabelo deu a resposta: "Um industrial inteligente desta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro me fez outro dia, esta observação, em forma de desafio: ‘Dou-lhe um doce, se nos últimos cinco anos você pegar uma edição de O Globo que não estampe na primeira página uma notícia qualquer da vida americana, dos feitos americanos, da indústria americana, do desenvolvimento científico americano, das vitórias e bombardeios americanos. A coisa é tão ostensiva que, muita vez, sem ter o que publicar sobre os Estados Unidos na primeira página, estando o espaço reservado para esse fim, o secretário do jornal abre manchete para a volta às aulas na cidade de Tampa, Miami, Los Ángeles, Chicago ou Nova Iorque. Você não encontra a volta às aulas em Paris, Nice, Marselha, ou outra cidade qualquer da França, na primeira pagina de O Globo, porque, de fato, isso não interessa a ninguém. Logo, não pode deixar de haver dólar por trás de tudo isso...’ Outro amigo presente, no momento, e sendo homem de publicidade concluiu, deslumbrado com seu próprio achado: ‘É por isso que O Globo não aceita anúncio para a primeira página. Ela já está vendida. É isso. É isso!’. ‘E muito bem vendida, meu caro –arrematou o industrial– A peso de ouro’ ” (RABELO, p.258, 1966).

Referências:

COLBY, G; DENNETT, C. Seja feita a vossa vontade: a conquista da Amazônia, Nelson Rockefeller e o evangelismo na idade do Petróleo. Tradução: Jamari França. Rio de Janeiro: Record, 1998.
HERZ, D. A história secreta da Rede Globo. Porto Alegre: Dom Quixote, 2009. Coleção Poder, Mídia e Direitos Humanos.
RABELO, G. O Capital Estrangeiro na Imprensa Brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
SCHILLER, H. I. O Império norte-americano das comunicações. Tradução: Tereza Lúcia Halliday Petrópolis: Vozes, 1976.

Reproduzido de Adital

18 jul 2013

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Revista eletrônica “Estudos em Jornalismo e Mídia - Número 1 . Volume 10 . Janeiro a Junho de 2013


Revista eletrônica “Estudos em Jornalismo e  Mídia
Número 1 Volume 10
Janeiro a Junho de 2013

Está disponível a nova edição da revista eletrônica Estudos em Jornalismo e Mídia, publicação científica do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (Posjor). O número 1 do volume 10 – referente ao primeiro semestre de 2013 – traz um especial sobre práticas e profissionalidades jornalísticas, artigos de temas livre e resenha.

Confira o sumário:

Sindicalização e identidade política dos jornalistas brasileiros
Samuel Pantoja Lima, Jacques Mick

O jornalista como receptor-trabalhador: confronto da atividade real de comunicação e trabalho
Roseli Figaro, Rafael Grohmann

O etnógrafo e o jornalista: o olhar e a escuta como ferramentas de trabalho
Karina Galli Fraga da Silva

Comunicação na gestão de crises: a “Deontologia” da atividade jornalística
Artemio Reinaldo de Souza, Richard Perassi Luís de Sousa, Kamil Giglio

As dissonâncias cotidianas nas rotinas dos jornais: o habitus jornalístico e a atribuição de um sentido hegemônico às notícias
Marcos Paulo da Silva

O jornalista enquanto herói : uma proposta para análise das representações do jornalismo no cinema
Vitor Luiz Menezes Gomes

Temas Livres

Upton Sinclair e as origens da crítica à imprensa segundo o modelo da propaganda
Francisco Rüdiger

O jornalismo como história imediata
Virginia Pradelina da Silveira Fonseca, Roberto Anderson Dornelles

O acontecimento e as fontes de informação no jornalismo: da abordagem ritualística à hermenêutica
Thales Vilela Lelo

A delimitação do corpus na pesquisa em jornalismo: o interdiscurso como método
Sabrina Franzoni

O jornalismo em forma de carta no primeiro século da Era Cristã: uma análise das epístolas bíblicas de São Paulo a partir das principais características jornalísticas
Kevin Willian Kossar Furtado, Sérgio Luiz Gadini

Percepciones sobre el interés de las cuestiones ambientales en la agenda mediática, pública y política: un caso de estudio en la prensa argentina local
Luis González Alcaraz

As estratégias ‘para o seu filho ler’: um estudo do contrato de leitura da seção infantil do jornal Zero Hora
Lara Niederauer Machado, Viviane Borelli

O suplemento como mapa da vida cultural: análise do caderno Cultura (2010) de Zero Hora
Sara Keller, Cida Golin

Muito além do jornal: a nova imprensa sindical
Guilherme Gonçalves Carvalho

Resenhas

O fio da meada 
Melissa Bergonsi


segunda-feira, 8 de julho de 2013

Leonardo Boff: Contra as tramóias da direita: sustentar a Dilma Roussef


Contra as tramóias da direita: sustentar a Dilma Roussef

Leonardo Boff
07/07/2013

É notório que a direita brasileira especialmente aquela articulação de forças que sempre ocupou o poder de Estado e o tratou como propriedade privada (patrimonialismo), apoiada pela mídia privada e familiar, estão se aproveitando das manifestações massivas nas ruas para manipular esta energia a seu favor. A estratégia é fazer sangrar mais e mais a Presidenta Dilma e desmoralizar o PT e assim criar uma atmosfera que lhes permite voltar ao lugar que por via democrática perderam.

Se por um lado não podemos nos privar de críticas ao governo do PT (e voltaremos ao tema), mas críticas construtivas, por outro, não podemos ingenuamente permitir que as transformações politico-sociais alcançadas nos últimos 10 anos sejam desmoralizadas e, se puderem, desmontadas por parte das elites conservadoras. Estas visam a ganhar o imaginário dos manifestantes para a sua causa que é inimiga de uma democracia participativa de cariz* popular.

Seria grande irresponsabilidade e vergonhosa traição de nossa parte, entregar à velha e apodrecida classe política aquilo que por dezenas de anos  temos construido, com tantas oposições: um novo sujeito histórico,  o PT e partidos populares, com a inserção  na sociedade de milhões de brasileiros. Esta classe se mostra agora feliz com a possibilidade de atuar sem máscara e mostrando suas intenções antes ocultas: finalmente, pensa, temos chance de voltar e de colocar esse povo todo que reclama reformas, no lugar que sempre lhe competiu historicamente: na periferia, na ignorância e no silenciamento. Aí não incomoda nem cria caos na ordem que por séculos construímos mas que, se bem olharmos, é ordem na desordem ético-social.

Esta pretensão se liga a algo anterior e que fez história. É sabido que com a vitória do capitalismo sobre o socialismo estatal  do Leste europeu em 1989, o Presidente Reagan e a primeira ministra Tatscher inauguraram uma campanha mundial de desmoralização do Estado, tido como ineficiente e da política como empecilho aos negócios das grandes corporações globalizadas e à lógica da acumulação capitalista. Com isso visava-se a chegar ao Estado mínimo, debilitar a sociedade civil e abrir amplo espaço às privatizações e ao domínio do mercado, até conseguir a passagem de uma sociedade com mercado para uma sociedade de puro mercado no qual tudo, mas tudo mesmo, da religião ao sexo, vira mercadoria. E conseguiram. O Brasil sob a hegemonia do PSDB se alinhou ao que se achava o marco mais moderno e eficaz da política mundial. Protagonizou vasta privatização de bens públicos que foram maléficos ao interesse geral.

Que isso foi uma desgraça mundial se comprova pelo fosso abissal que se estabeleceu entre os poucos que dominam os capitais e as finanças e a grandes maiorias da humanidade. Sacrifica-se um povo inteiro como a Grécia, sem qualquer consideração, no altar do mercado e da voracidade dos bancos. O mesmo poderá acontecer com Portugal, com a Espanha e com a Itália.

A crise econômico-financeira de 2008 instaurada no coração dos países centrais que inventaram esta perversidade social, foi consequência deste tipo de opção política. Foram os Estados que tanto combateram que os salvaram da completa falência, produzida por suas medidas montadas sobre a mentira e a ganância (greed is good), como não se cansa de acusar o prêmio Nobel de economia Paul Krugman. Para ele, estes corifeus das finanças especulativas deveriam estar todos na cadeia como criminosos. Mas continuam aí faceiros e rindo.

Então, se devemos criticar  a nossa classe política por ser corrupta e o Estado por ser ainda, em grande parte, refém da macro-economia neoliberal, devemos fazê-lo com critério e senso de medida. Caso contrário, levamos água ao moinho da direita. Esta se aproveita desta crítica, não para melhorar a sociedade em benefício do povo que grita na rua, mas para resgatar seu antigo poder político especialmente, aquele ligado ao poder de Estado a partir do qual garantia seu enriquecimento fácil. Especialmente a mídia privada e familiar, cujos nomes não precisam ser citados, está empenhada fevorosamente nesta empreitada de volta ao  velho status quo.

Por isso, as demonstrações devem continuar na rua contra as tramóias da direita. Precisam estar atentas a esta infiltração que visa a mudar o rumo das manifestações. Elas invocam a segurança pública e a ordem a ser estabelecida. Quem sabe, até sonham com a volta do braço armado para limpar as  ruas.

Dai, repetimos, cabe reforçar o governo de Dilma, cobrar-lhe, sim,  reformas políticas profundas, evitar a histórica conciliação entre as forças em tensão e o oposição para juntas novamente esvaziar o clamor das ruas e manterem um status quo que prolonga  benefícios compartilhados.

Inteligentemente sugeriu o analista politico Jeferson Miolo em Carta Maior (07/7/2013):

”Há uma grave urgência política no ar. A disputa real que se trava nesse momento é pelo destino da sétima economia mundial e pelo direcionamento de suas fantásticas riquezas para a orgia financeira neoliberal. Os atores da direita estão bem posicionados institucionalmente e politicamente…A possibilidade de reversão das tendências está nas ruas, se soubermos canalizar sua enorme energia mobilizadora. Por que não instalar em todas as cidades do país aulas públicas, espaços de deliberação pública e de participação direta para construir com o povo propostas sobre a realidade nacional, o plebiscito, o sistema político, a taxação das grandes fortunas e do capital, a progressividade tributária, a pluralidade dos meios de comunicação, aborto, união homoafetiva, sustentabilidade social, ambiental e cultural, reforma urbana, reforma republicana do Estado e tantas outras demandas históricas do povo brasileiro, para assim apoiar e influir nas políticas do governo Dilma”?

Desta forma se enfrentarão as articulações da direita e se poderá com mais força reclamar reformas políticas de base que vão na direção de atender a infra-estrutura reclamada pelo povo nas ruas: melhor educação, melhores hospitais públicos, melhor transporte coletivo e menos violência na cidade e no campo.

Leonardo Boff não é filiado ao PT, é teólogo e escritor, da Comissão da Carta da Terra

Reproduzido de Leonardo Boff

08 jul 2013

* Nota do Blog: Cariz - semblante, aspecto.

Leia também:

"Os vassalos do império" por Jeferson Miolo em Carta Maior (04/07/13) clicando aqui.

Trecho: A ação de Itália, França, Espanha e Portugal contra Evo escandaliza não só por ofender o ordenamento jurídico internacional, mas por revelar a vassalagem da elite europeia aos caprichos imperiais dos EUA. Frente à hiperpotência dominante, se mostraram uma hipocolônia submissa.

"A erosão do sentido da vida e as manifestações de rua" por Leonardo Boff em Carta Maior (08/07/13) clicando aqui.

Trecho: As manifestações nas ruas do Brasil e do mundo fermentam algo mais profundo, diria quase inconsciente, mas não menos real: o sentimento de uma ruptura generalizada, de frustração, de erosão do sentido da vida, de angústia e medo face a uma tragédia ecológico-social que se anuncia por toda a parte e que pode pôr em risco o futuro comum da humanidade.

sábado, 6 de julho de 2013

Una energía volcánica irrumpió en las calles de Brasil


Una energía volcánica irrumpió en las calles de Brasil

Leonardo Boff
05/07/2013

Voy a tratar de hacer una reflexión no convencional sobre las manifestaciones multitudinarias ocurridas en el mes de junio de este año. Es de naturaleza antropológico- filosófica.

Es sabido en la reflexión  antropológica y psicoanalítica que existe en el ser humano una energía  volcánica difícilmente controlable por la razón. Algunos la llaman libido, otros élan vital, algún otro principio esperanza. Tenemos que ver con una energía de construcción y de destrucción, con un caos original que puede ser caótico y generativo. Todo el trabajo de la cultura, de las leyes, de la religión y de la ética es crear una salida para que esa energía pueda fluir y ser regulada de manera que su aspecto constructivo prevalezca sobre el destructivo. El equilibrio es tenue.  En todo momento y en cada situación esa energía está presente, burbujeante y tratando de salir y hacer su curso histórico. La cultura, la religión, la ética y las leyes construyen un acomodo existencial donde esta energía encuentra cierta estabilidad y equilibrio.

Pero cada acomodo participa de la falta de plenitud y de la vulnerabilidad de todo lo que existe. Poco a poco su capacidad de regulación se debilita hasta desmoronarse.  Entonces, por un momento, las barreras del río se rompen, las márgenes son rebasadas  y las aguas  buscan un nuevo lecho.

Grandes  analistas de la dinámica de las transformaciones, como Toynbee, Jung y Freud entre otros, se detuvieron en este fenómeno. Es instructiva la lectura que hizo Freud en 1930, en plena crisis mundial económica y financiera, semejante a la de hoy, en su famoso escrito “El malestar en la cultura” (Das Unbehagen in der Kultur). Abandonó el rigor científico aplicado al psicoanálisis y, para asombro de sus seguidores, abordó temas culturales con agudo sentido de la observación.

En este escrito Freud demuestra la fuerza volcánica de esta energía vital y los límites de la razón al querer contenerla. Explícitamente dice que se trata de un choque de “dos fuerzas celestiales”: la fuerza de la vida (Eros) y la fuerza de la muerte (Thanatos). El libro termina con una  inconclusión: “El eterno Eros tiene que empeñar un gran esfuerzo para imponerse frente a su enemigo también inmortal (Thanatos), pero ¿quién puede predecir el éxito o la salida de este embate?” Con esta aporía concluye su reflexión.

Apliquemos esta comprensión al fenómeno de las calles en Brasil. Un acuerdo político-social fue construido por el PT,  a duras penas, contra una tradición elitista y antipopular de siglos. El PT significaba la cristalización del poder popular acumulado en las bases,  transformado ahora en poder político. Conquistó el lugar central de las decisiones de los destinos del país. Se presentaba como la respuesta a la pregunta que desde hacía décadas se discutía en los grupos y movía mentes y corazones: “¿Que Brasil queremos que sea  liberador para las grandes mayorías históricamente condenadas y ofendidas”?

Una vez en el poder, el PT  atendió las grandes urgencias populares desde siempre negadas o insuficientemente satisfechas.  Finalmente, la dignidad de los condenados a ser no- ciudadanos fue rescatada: pudieron comer, tener un mínimo de educación, de salud y de los beneficios de la modernidad, como luz eléctrica, acceso a la casa y al sistema bancario.  Es un hecho de magnitud histórica. La desigualdad social, nuestra mayor llaga, disminuyó en un 17%.

Pero después de 10 años este proyecto de inclusión ha alcanzado el techo. La ilusión del PT fue entenderse como la realización de Brasil que queríamos. Abandonó el trabajo en las bases y perdió organicidad con los movimientos sociales organizados que lo crearon. En las bases no discutieron más de política ni se soñaba con la construcción de un Brasil todavía mejor.

El pueblo, una vez despierto, quiere más. No le basta con salir de la miseria y la pobreza. Plantea otro Brasil, donde no haya contradicciones escandalosas como la actividad política impulsada por intereses, chanchullos y negocios, como la corrupción, fruto de la relación incestuosa entre el poder público y los intereses privados de los poderosos. Los privilegios de las élites gobernantes cuentan más que los derechos de los ciudadanos. Para ellas son las principales inversiones realizadas, quedando las sobras para las necesidades de la población. De ahí se explica la mala calidad del transporte público en las grandes  ciudades, abarrotadas  porque no se hizo  la reforma agraria, la sanidad precaria y la educación descalificada. Hay que añadir una burocracia estúpida, complicada, hecha para no atender las demandas del pueblo.

Las calles han sido ocupadas por la energía de la indignación. No se trata de veinte centavos, sino de respeto y de derechos negados. La misma destrucción de los bienes públicos es un  gesto de negación de un mundo que niega a las personas. Es decir, la disposición histórico-social ya no funcionaba. Se niega todo: el poder público, los partidos, cualquier sigla  de organización. Lo que está ahí tiene que cambiar. Es una sociedad en estado naciente, cuya centralidad debe ser la cosa pública, de todos.

No entender esta explosión es negarse a ver la realidad. No hacer los cambios exigidos  es permitir que la energía de lo negativo triunfe. Necesitamos mucho empeño para que el  “eterno Eros” garantice que el río social encuentre un nuevo lecho.

Leonardo Boff escribió:  Después de 500 años: ¿Qué Brasil queremos? , Sal Terrae 2000.

Traduccion de Maria Jose Gavito Milano

Reproduzido de Leonardo Boff

05 jul 2013