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quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Rafael Patto: Por um marco regulatório das comunicações



Por um marco regulatório das comunicações

Rafael Patto
06/12/12

Existe no Brasil uma contradição muito hipócrita: a mentalidade liberal, ou neoliberal, é contra os monopólios do Estado, e, com base nesse argumento, se justificaram as PRIVATARIAS da década de 1990 (que são injustificáveis do ponto de vista ético, moral, legal e até mesmo lógico). Mas curiosamente os monopólios privados dos meios de comunicação não são alvos de questionamentos.

Apenas seis famílias neste país, representantes da minoria das minorias da nossa sociedade, se arvoram ao direito de falar por TODOS, e consideram que esse direito é um direito natural, divino, absoluto e que não pode ser contestado. O Marco Regulatório das Comunicações é um instrumento necessário à quebra da concentração de poder das empresas de comunicação. Diluir essa concentração é condição necessária à democratização desse setor. Uma mesma empresa não pode ser dona de tevê, rádio, jornal, revista, portal de internet, tudo ao mesmo tempo. Essas propriedades cruzadas retidas nas mãos dos mesmos donos representam uma ameaça à diversidade e à pluralidade. Afinal, são sempre as mesmas vozes, as mesmas idéias, as mesmas opiniões circulando em diferentes meios e canais. É preciso distribuir melhor, repartir esse latifúndio midiático, para que mais vozes, mais idéias, mais opiniões também possam circular, a bem da diversidade e da democracia.

Nos EUA, por exemplo, é terminantemente proibido que uma única empresa tenha, num mesmo estado, canal de tevê, de rádio e jornal impresso. Por quê? Porque isso é elementar para a democracia! Quando, num mesmo domínio territorial, circula apenas a visão de mundo impregnada dos interesses de um único grupo, todos os que ali vivem estarão submetidos a um filtro, e terão seu contato com o mundo sempre mediado por essa filtragem, que pode ser tendenciosa, enviesada e que pode também manipular, bloquear ou censurar informações, sem que haja contraponto. E é exatamente isso o que acontece aqui no Brasil. A Rede Globo, por exemplo, é um império que engordou com o dinheiro dos governos ditatoriais, e hoje detém o controle de um verdadeiro conglomerado multimidiático. Se fossem uma empresa estadunidense, as Organizações Globo JAMAIS poderiam possuir emissoras de tevê, rádio, jornais, revistas, portais de internet, tevê a cabo, como ocorre aqui. Porque isso é sabidamente atentatório à democracia e à liberdade de expressão. Porque enquanto somente os Marinho falam por todos esses canais, e em nome de uma minoria ínfima da nossa sociedade que compartilha dos mesmos interesses que eles e comunga da visão de mundo deles, outros milhões e milhões de brasileiros com outras visões de mundo são silenciados e têm castrado o seu direito de expressão porque não dispõem de acesso aos meios sociais de comunicação necessários ao exercício da liberdade de expressão. Isso é justo?

Na Argentina, a presidenta Cristina Kirchner está enfrentando com muita coragem essa realidade injusta. O Grupo Clarín, uma espécie de Globo argentina, terá até o dia 08 de dezembro para se desfazer de seu império oligopólico. Absurdamente, esse Grupo detém o domínio de 254 canais de tevê no país. Com a nova lei, só poderá ter 24. Se antes 254 canais expressavam as mesmas idéias e as mesmas opiniões e visões de mundo, com a nova lei, estarão abertas 230 vagas para que outras 230 visões de mundo também se expressem. Isso não é maravilhoso para a diversidade cultural e para a pluralidade política de uma nação? É disso que precisamos aqui no Brasil! Na Argentina, o governo não está estatizando as empresas de comunicação. Apenas está exigindo que os oligopólios se desfaçam, a fim de que os meios de comunicação não estejam mais concentrados nas mãos de tão pouca gente. Se isso fosse feito aqui no Brasil, toda a sociedade ganharia. Afinal, a gente sabe que os veículos de comunicação submetidos a esse controle tão restrito não representam nem a maioria do nosso povo, quanto mais a sua totalidade. O Brasil da tevê se resume ao sudeste do Brasil, e, mesmo assim, um sudeste fake, “higienizado”, sem os traços e as marcas da diversidade, que são tratadas como sujidades pela estética televisiva.

Para que tenham fim esses mecanismos de exclusão, de apagamento das diferenças, que produzem a invisibilidade de grupos étnicos e suas formas de ser e viver, e o silenciamento de formas de falar e pensar da maioria do povo deste país, é que precisamos com urgência de um Marco Regulatório das Comunicações, a exemplo dos que já existem nas principais democracias do planeta.

Na França, que é um país de dimensão inúmeras vezes menor do que o Brasil, o sinal de uma mesma emissora de tevê não pode ter um alcance superior a 30% de seu território. Aqui no Brasil, o sinal da Globo chega a quase 100% dos lares brasileiros, do Oiapoque ao Chuí, sem nenhum tipo de restrição. Isso é um fator de empobrecimento para o próprio país, que não tem a oportunidade de ser apresentado à sua grandiosidade, diversidade e diferenças locais e regionais. Sempre é só o sudeste: uma só paisagem, um só sotaque, um só estilo de vida. O Brasil não é uma coisa só. É preciso que as concessões públicas para emissoras de tevê sejam mais democráticas, para que mais pessoas tenham acesso e oportunidade de produzir conteúdos no Brasil e difundi-los, irradiá-los, pelos meios de radiodifusão. Isso contemplaria a demanda social por liberdade de expressão e, ao mesmo tempo, atenderia ao direito do consumidor de contar com uma oferta diversificada desse serviço de radiodifusão que lhe asseguraria uma efetiva liberdade de escolha, com opções realmente diferentes, e não mais essa situação que ocorre hoje em que mudar o canal da tevê não significa absolutamente nada. Qual a diferença entre Gugu e Faustão? É a mesma idiotia! Qual a diferença entre Arnaldo Jabor, Alexandre Garcia, Nêumanne Pinto e Boris Casoy? É a mesma depravação reacionária! É preciso diversificar!!!

Por isso, é preciso um Marco Regulatório das Comunicações!

REGULA, DILMA!!!!

Se quem não deve não teme, porque querem impedir que mais vozes falem??? Quem teme a pluralidade de idéias??? Tem gente que quando vai falar contra o Marco Regulatório não diz nada mais do que um fraseado vazio e do tipo "pro-forma". A pessoa nem se contextualiza no debate para dar uma opinião, nem procura aprofundar seus conhecimentos sobre o tema. Apenas joga o PRE-conceito PRE-concebido PRE-fabricado na conversa, empurrando esse lero-lero de “liberdade de imprensa”, como se regulamentação da mídia se confundisse com censura. Aonde é que a regulamentação do setor midiático se choca com os princípios de liberdade de expressão???

É o desregramento do setor que frustra o direito de expressão da ampla maioria da sociedade. A questão é essa: as pessoas confundem liberdade de expressão com liberdade de imprensa (e essa é uma confusão provocada pela desinformação que a própria imprensa produz). Esses conceitos são muito diferentes. E liberdade de expressão é muito mais amplo e abrangente. Não podemos achar que só a imprensa pode se expressar. A liberdade de expressão é para todos, é um direito universal e não de apenas meia dúzia de EMPRESAS.

O espectro eletromagnético por meio do qual vibram as ondas de rádio e tevê, cada uma na sua frequência, é limitado, não é infinito não. E está praticamente todo tomado pelos conglomerados que se formaram em torno de propriedades que têm sempre os mesmos donos. São redes de emissoras de rádio e televisão de pouquíssimos proprietários que ocupam praticamente a totalidade desse espectro eletromagnético, que é um bem público. Não dá pra um "novato" se inserir nesse "mercado" se ele não for regulamentado e submetido a reformulações. Não existe livre concorrência nesse segmento absolutamente monopolizado, dominado por empresas que se fizeram verdadeiros impérios às custas do Estado e do Erário (empréstimos, financiamentos de bancos públicos, camaradagens de sucessivos governos, perdões de dividas, isenções fiscais, etc. etc. etc.) Não dá!!! Tem que regular. Ou seja, tem que pôr regulamento, regra. O campo das comunicações no Brasil é absurdamente desregrado, como em nenhum outro lugar do mundo civilizado.

Não podemos continuar admitindo que exista uma "casta" na sociedade que paire acima do bem e do mal e acima das leis. Se há leis para todo mundo, porque as empresas de comunicação não vão se submeter a elas também???

Não há argumento que consiga justificar de modo racional a não regulamentação desse setor. Quem se opõe a isso deve recorrer a preconceitos, inverdades ou simplismos.

Reproduzido de Facebook de Rafael Patto
06 dez 2012

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quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Lalo Leal: Imprensa em crise



Imprensa em crise

A vida dos “donos da mídia” não está fácil. E não falta liberdade, mas credibilidade. O mau jornalismo é cada vez mais notado e desprezado

Laurindo Lalo Leal Filho

O próximo dia 7 é o dia “D” na Argentina: “D” de dezembro, de diversidade e de democracia. É o que diz um anúncio veiculado pela TV pública durante os jogos de futebol para lembrar a data da entrada em vigor da nova Lei de Meios Audiovisuais, aprovada há três anos pelo Congresso.

Lembra também que apenas um grupo de comunicação insiste em não acatar a lei, aquele que reúne o conglomerado de veículos encabeçados pelo jornal El Clarin. São 240 Tvs a cabo, 4 Tvs abertas, 9 rádios AM e 1 FM. A nova lei limita a propriedade por empresa a um máximo de 24 licenças para TV a cabo e dez para emissoras abertas de TV e rádio (AM e FM).

O objetivo é ampliar a liberdade de expressão dando voz a setores da sociedade emudecidos pela força do monopólio. A lei estabelece que as licenças de rádio e TV serão destinadas em partes iguais a emissoras estatais, comerciais e de “gestão privada sem fins lucrativos”, algo parecido com as nossas comunitárias.

Ao se negar a cumpri-la o grupo Clarin afronta o executivo, autor do projeto; o legislativo que o aprovou e o judiciário por tê-lo considerado constitucional. Para tanto, além do combate interno, busca apoio internacional como ficou demonstrado na recente reunião da Sociedade Interamericana de Prensa (SIP), realizada em São Paulo.

No encontro, o caso argentino foi apresentado como atentado à liberdade de imprensa, servindo de mote para condenações de outros governos populares, como os da Venezuela, Bolívia e Equador. O curioso é que nesses países a mídia comercial é majoritariamente oposicionista e atua com total liberdade. Basta ver as manchetes e os destaques diários de jornais como o “El Universal”, de Caracas; do “El Universo”, de Guayaquil; “El Diário”, de La Paz e o próprio “El Clarin”, de Buenos Aires e grande parte dos programas de TV.

Mas a vida para os seus proprietários não está mesmo fácil e não é por causa dos governos. A razão está na crescente perda de credibilidade de suas publicações, cada vez mais descoladas dos avanços sociais inegáveis que ocorrem nesses países. A população, ao votar, leva muito mais em conta as melhoras que sente no dia a dia do que as imprecações estampadas nas páginas de jornais e revistas.

Ao lado, é claro, do apoio de novas formas de comunicação, como a internet, capazes de mostrar o outro lado da moeda. E não só ela. Diante do cerco imposto pela mídia comercial, governos populares passaram a impulsionar meios alternativos. Foi a forma encontrada para dialogar com a população sem passar por filtros conservadores.

Reside aí, ao que tudo indica, o maior desespero dos empresários. Em alguns países sua verdade, garantida como única, passou a ser confrontada com outras ideias e informações. Trata-se de um abalo maior do aquele que vem sendo causado pela concorrência dos meios eletrônicos.

Em todos os encontros empresariais da mídia sobram interrogações sobre o futuro dos veículos impressos. Aparecem do dia para noite gurus pagos a preço de ouro para indicar novos caminhos. Falam em “paywall”, o “muro poroso”, onde o internauta acessa os conteúdos até um determinado limite de matérias. Depois disso, se quiser seguir, tem que pagar. A maioria mantém ainda edições impressas e virtuais simultâneas, enquanto outros tomam decisões mais radicais ficando apenas na internet, como fez há pouco a tradicional revista “Newsweek”.

De imediato esse parece ser o maior desafio da mídia tradicional. Mas a médio prazo a questão do conteúdo será o problema mais grave, não importando o suporte a ser usado, seja papel ou tela de computador. Na medida em que os níveis de renda e de escolaridade das populações latino-americanas crescem, suas exigências tornam-se maiores.

Partidarizações em campanhas eleitorais disfarçadas de “jornalismo independente” serão melhor percebidas e refutadas. Assim como erros de informação e pautas descartáveis, tão comuns hoje, desprezadas. Como já começa a acontecer em alguns de nossos vizinhos para desespero dos “donos da mídia”.

Reproduzido de Revista do Brasil
13 nov 2012


Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poderda televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.

Faça download/descarregue a Cartilha "Nueva Ley de medios Audiovisuales: desafios para laos medios comunitarios y populares", da FARCO, Doro Argentino de radios Comunitarias, clicando aqui, ou leia em PDF online aqui.

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segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Cristian Góes: E-coronelismo, o poder da mídia e a mídia do poder



Cristian Góes: E-coronelismo, o poder da mídia e a mídia do poder

Nos debates sobre democratização dos meios de Comunicação no Brasil uma expressão é quase obrigatória: coronelismo eletrônico. Ela representaria a síntese de uma política atrasada, autoritária e concentradora que envolve, em sua essência, a terra, o Estado, as relações econômicas e o conjunto de comunicação nos espaços do poder.

Por José Cristian Góes*

“O poder de controlar o fluxo de informação é o poder de controlar a forma como o povo pensa”.Oliver Stone, diretor de cinema.

O coronelismo ainda é uma dura realidade nas estruturas locais e regionais e a face da comunicação nesse esquema é fundamental para a construção e manutenção da hegemonia dominante, isto é, uma visão majoritária de uns poucos imposta como “verdade” para muitos.

Apesar de fortemente enraizada no Nordeste brasileiro, fruto do surgimento das figuras históricas dos coronéis, o coronelismo eletrônico reflete hoje mais a ação do poder em si, isto é, o modus operandi, a forma e os princípios de atuação de figuras e grupos, do que algum conceito restrito as delimitações geográficas. Assim, não é de todo estranho falar em coronelismo eletrônico tanto no Nordeste, quanto em qualquer outra região no País. O que pensar, então, dos Câmara, em Goiás; dos Sirotsky, no Sul; dos Barbalho e Maiorama, no Norte; dos Marinho, Saad, Macedo, Abravanel, no Sudeste?

É claro que se os coronéis nordestinos já rejeitam, de certa forma, esta patente, os coronéis do asfalto não admitiram tal comparação. Para atendê-los, intitulamos de e-coronel.

Fundamental assegurar que, não obstante o termo coronelismo remeter ao Brasil da chamada Primeira República (1889-1930), - ou até antes - esse fenômeno continua bastante atual e com configurações contemporâneas, modernas, digitais. O coronelismo eletrônico se consolidou e se sustenta tanto por um arcabouço político-legal, que parece sedimentado nas estruturas dos poderes no Brasil, quanto por um amplo sistema de mídias – de suas propriedades - que mantêm o ideário hegemônico dominante. Certamente a 1ª Conferência Nacional de Comunicação no País vai, necessariamente, chegar a esse debate.

FACES DESSE PODER

Antes mesmo de analisar as condições do coronelismo eletrônico hoje, é fundamental compreender, de forma bastante resumida, sobre as faces do poder. Sabemos que as primeiras manifestações de poder estão relacionadas à força física. Tinha poder apenas quem tinha força e vice-versa. A submissão e o controle impostos pela minoria sobre a maioria se davam pela ação física. A palavra não contava para se determinar quem dominava quem.

Quando o homem percebeu que dois ou mais dos seus são mais fortes que apenas um, questionou-se, então, o poder da força apenas pela força. Não era mais ela sozinha que determinava o comando e a imposição da visão totalitária. Assim, o poder da força recorreu ao sobrenatural e ao divino para resolver as disputas. Além da força, o poder é também uma dádiva suprema de “Deus”. É Ele quem diz que um homem tem ou não o poder de mandar e os demais de obedecer. O estágio da teocracia na humanidade fundamentou a naturalidade dos poderes de reinados e governos.

Vale lembrar que conceitos como dízimo, céu e inferno, além de muitos outros também vêm desse momento histórico, lá das civilizações mesopotâmicas, passando pelos reinados da Idade Média. Qualquer ser vivente que não temesse e fielmente cumprisse as determinações de governantes instituídos diretamente por Deus teria como fim o fogo mais ardente do inferno, ainda em terra. Vide as inquisições. Milhões foram mortos pela força e vontade do “Deus Celeste”, manifestada pelos soberanos em terra.

Mas os questionamentos ao absoluto poder divino que recaía apenas somente sobre as cabeças de monarcas produziram a superação, em parte, da teocracia. Montesquieu, no século XVIII, crítico do poder absoluto, sacramentou em seu “Espírito das Leis”, a idéia de que o poder vem do Estado e está dividido entre três esferas: Executivo, Legislativo e Judiciário. Todos os homens devem estar enquadrados pelo Estado e suas leis, caso contrário, seriam o poder da força do próprio Estado.

Perceba que apesar do aspecto divino e, depois, com o surgimento do Estado moderno, a força física estará sempre presente. Esse poder – seja pela força dos músculos, seja pela dádiva celeste e pela força das leis – busca a hegemonia de uma classe dominante. As “instituições”, frutos desses poderes estão aí para fundamentá-lo, garanti-lo, mantê-lo, inclusive pela força. Em outras palavras, o poder continua existindo basicamente como força – forças armadas, polícia, conjunto de lei, aparelho judiciário e seus agregados, agentes da Fazenda e de outras áreas do Estado. A mídia é também componente vital na idéia de poder-força. É através dela que se estabelece a construção do consenso da normalidade pacífica da dominação de classe.

MEDO, LIMITE E CONSENSO

Nesta rápida e incompleta passagem pelas faces do poder, três componentes fundamentais são elos em todos esses momentos: o medo, o não limite e a construção de consenso hemegônicos. Não há poder sem medo. Seja pela força, pelo convencimento que o poder vem de Deus ou que é fruto da lei, o medo é peça-chave para tentar compreendê-lo. É o medo de perder, de ser punido, de ser expulso ou excluído da comunidade, o medo da morte, das conseqüências da ação do poder-força. Ele modela a ação do indivíduo e da comunidade. As complexas relações de poder e medo se estabelecem em todas as situações sociais, seja no micro ou no macro espaço.

Outra característica do poder é sua condição de não estar limitado, ou pelo menos, não querer ser limitado, ter amarras e obstáculos que possam dificultar toda sua ação de controle. Basta ver o capital e sua necessidade que tem de acumular e circular sem quaisquer limites. E, como já apontado anteriormente, poder tem uma relação de essência com hegemonia, com a construção de consensos, com a fabricação de verdades despejadas para manter o quadro de dominação. É aqui que o sistema de mídias ocupa papel central nessa discussão sobre o poder.

Ocorre que numa análise mais geral, podemos enquadrar, sem nenhum constrangimento e nem medo de errar, os coronéis nordestinos – tanto os mais antigos quanto os novos -, por exemplo, como aqueles que detêm o poder com uma peculiaridade. Ainda hoje, em plena supremacia de sistemas eletrônicos e da virtualidade, tragicamente, eles reúnem num mesmo composto os aspectos mais aparentes do poder-força ao longo da história. A concentração desses aspectos nos coronéis é fundamentada na história do Brasil e sustentada pelo conceito de propriedade e controle oligopolizado dos meios das engrenagens políticas, econômicas e sociais, entre elas e fundamental, a mídia.

“O poder dos coronéis teve início no período colonial quando fazendeiros recebiam a patente militar para cumprir o papel de autoridade estatal nas regiões de difícil acesso, compondo a Guarda Nacional. A partir da instalação da chamada Primeira República (1889-1930), estes coronéis incrementaram sua estrutura de poder baseados num sistema eleitoral que não previa a votação secreta. A dependência dos trabalhadores rurais em relação aos coronéis e a possibilidade de conferência dos votos criaram uma situação na qual o ‘voto de cabresto’ era praticamente obrigatório. Desta forma, os coronéis municipais se aliavam às oligarquias estaduais, representadas principalmente pelos governadores, e estas ao Governo Federal, numa intensa rede de favores”. (SANTOS, 2006).

CORONELISMO HOJE

Esse quadro apontado por Suzy dos Santos mudou? Muito pouco ou quase nada. Talvez os mecanismos de poder se sofisticaram. A farda deu lugar ao terno, o cavalo deu lugar a jatinhos, a fazenda se modernizou, o negócio do campo ganhou multipossibilidades, globalizou-se e chegou ao asfalto e ao mundo virtual. No entanto, a essência continua: a propriedade e concentração das terras, o controle do Estado, da economia e da comunicação. Tudo isso sob a base dos interesses privados, com troca de favores, clientelismo, patrimonialismo, nepotismo. O fim do controle hegemônico justifica qualquer meio.

“A história brasileira mantém viva a imagem dos coronéis desde o período colonial, adquirindo, a cada etapa, novas distinções por serviços prestados. (...) se a modernização foi vista como uma ameaça a essas práticas, os coronéis vêm demonstrando uma enorme capacidade de sobrevivência, mesmo em governos ditos populares” (SANTOS e CAPPARELLI, 2006).

Os braços desse e-coronelismo se concretizam hoje num tripé evidenciado no monopólio econômico, político e de mídia em seus âmbitos locais e regionais. No que pese a urbanização da vida, os coronéis detêm o poder sobre as terras. No Nordeste, por exemplo, são amplas as propriedades tomadas pelos canaviais, fazendas de gado e imensos latifúndios improdutivos. Mas esse controle econômico ultrapassou as fronteiras agrícolas e hoje, em alguns casos, modernizadas pelas ações do agronegócio, chegou ao asfalto com indústrias, comércios e comunicação.

Não é por acaso que grandes latifundiários nordestinos também espalharam seus “negócios” em indústrias de bebidas, de alimentos, empreiteiras e construtoras, shopping Center, concessionárias de veículos, entre outros ramos. O Grupo Paes Mendonça, em Pernambuco, é dono de terras, indústrias e seis shoppings, jornais, portais e emissoras de rádio e TV, espalhados em vários estados nordestinos. Assim e de forma idêntica são os grupos ACM (Rede Bahia), na Bahia; Franco e Alves, em Sergipe; Collor, em Alagoas; Garibaldi Alves e Agripino Maia, no Rio Grande do Norte; Sarney, no Maranhão; Grupo Calmon e outros, na Paraíba; Jereissati, no Ceará; Pereira e Alves, no Piauí.

Além do controle do aspecto econômico e do monopólio dos meios de produção: terra, indústria e comércio, o coronelismo eletrônico tem a segunda perna sedimentada na estrutura política. Estão presentes desde as capitanias hereditárias no controle de partidos políticos, governos, Legislativos, Judiciários, associações de classe e igrejas. Em razão da ocupação dos espaços econômicos, logo assumiram os partidos políticos apenas como um instrumento ideológico e legal de chegar aos poderes institucionais nas prefeituras, Câmara de Vereadores, Assembléias Legislativas, Governos de Estados e no Congresso Nacional.

Apesar de 21 anos depois da Constituição Federal de 1988, onde, em tese, delimitaram-se com clareza os campos privados e públicos na sociedade e em função da ação de Estado, a ação cotidiana coronelesca não permite essa separação. O que valem, na concepção do coronelismo eletrônico, são os interesses privados e o controle de poder. A administração pública estaria aí para beneficiar os interesses desses grupos, os interesses do capital. Prefeitos, governadores, legisladores, magistrados seriam agentes para o atendimento desses interesses, com vista à ampliação e proteção ao patrimônio privado.

São ainda muito comuns, por exemplo, a contratação no serviço público da parentada sem a menor cerimônia. Obras e serviços públicos são realizados por suas próprias empresas. Dão nomes a prédios e espaços públicos com “homenagem” a suas mulheres e filhos. Mobilizam os recursos públicos para que beneficiem suas fazendas, suas indústrias e comércios, e as suas empresas de comunicação. Ora, se a terra é privada, tem dono; se a indústria, o comércio, os meios de produção são privados, se o Estado é instrumento para o privado, a comunicação também é ação privada. Essa história de concessão pública dos meios de mídia, na prática, não funciona. Os meios têm donos e não há limites para eles.

NORMALIDADE PACÍFICA

Com o controle dos meios de produção – a economia, e dos meios de poder institucional – a política, o e-coronelismo ganha contornos que parecem de eternidade quando ele assume, controla e oligopoliza os meios de comunicação, fechando o círculo privado da dominação. Observe que as pernas dessa estrutura estão profundamente interligadas. É o coronel dono da terra, que detém a indústria e comércio, que detém o poder em todas as esferas do Estado e que passa a controlar com o mesmo espírito de “dono” os meios de comunicação – jornais, rádios (inclusive as comunitárias), sites e principalmente a tv. Talvez essa perna da comunicação seja uma das principais hoje porque é ela quem constrói o consenso sobre a vida da maioria, impede transformações, pacifica a normalidade do status político, econômico e social.

A relação entre mídia e poder é absurda. Não é por acaso e nem por mera coincidência que, no Brasil, segundo levantamento do site Donos da Mídia, são 271 políticos com mandato que aparecem como sócios ou diretores de 324 veículos de comunicação. Estes números não levam ainda em conta os resultados das eleições municipais de outubro do ano passado. A Agência Repórter Social realizou uma pesquisa no banco de dados dos Tribunais Regionais Eleitorais e descobriu que um terço dos senadores e mais de 10% dos deputados eleitos para o quadriênio 2007-2010 controlam rádios ou televisões. No Rio Grande do Norte, por exemplo, o senador Garibaldi Alves (PMDB), que foi presidente do Senado, é dos de várias emissoras de tv e rádio e uma delas, curiosamente, chama-se “Trampolim da Vitória”.

César Veiga Arruda apresentou um trabalho em 2006 onde ele aponta que “o Brasil é profundamente marcado pela prática do coronelismo eletrônico que teve como marco o regime militar nas décadas de 60/70 que o utilizou como moeda de troca para saldar dívidas políticas com os que apoiavam a ditadura. Assim, numa ponta, concessões de rádio e TV há muito são usadas como escambo para compra de apoio no Parlamento. Na outra, perpetuam o poder econômico e a influência social de seus beneficiários que são ainda brindados com um instrumento de fantástico potencial eleitoral: um excelente e virtual palanque eletrônico”.

Quem não se lembra da farra de distribuição de “concessões públicas” de emissoras de rádio e tv no Governo Sarney? Apenas em três anos (1985 a 1988), o então presidente concedeu 1.028 concessões de emissoras de rádio e TV. Pelo menos 168 foram entregues a parlamentares que o ajudaram a aprovar a emenda que lhe deu cinco anos de mandato. O ministro das Comunicações era exatamente Antônio Carlos Magalhães, que foi indicado para o cargo pelo então Roberto Marinho, dono da Rede Globo. E para passar o projeto de reeleição de FHC, como foi? O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso distribuiu, por portaria do Ministério das Comunicações, as estações retransmissoras de televisão que podiam ser entregues aos aliados sem necessidade de aprovação do Congresso. Em setembro de 1996, outorgou 1.848 licenças de RTVs, das quais pelo menos 268 beneficiaram entidades ou empresas controladas por 87 políticos. A generosidade coincidiu com a aprovação da emenda constitucional que permitiu a sua reeleição. São os coronéis da Colônia, da República Velha, que se consolidaram na Ditadura Militar e que navegam com desenvoltura nos esquemas de poder ainda hoje.

A jornalista Andréa Vianna é certeira ao tratar por coronelismo eletrônico: “Um dos traços determinantes do poder oligárquico nacional é a propriedade de estações de rádio e televisão por grupos familiares e pelas elites políticas locais ou regionais. A ciência política trata como “coronelismo” a relação entre os coronéis locais, líderes das oligarquias regionais, que buscavam tirar proveito do poder público, no século XIX e no início do século XX. Hoje, não há como deixar de se associar esse termo aos atuais impérios de comunicação mantidos por chefes políticos oligárquicos, que, por isso mesmo, acabam exercendo forte influência nacional. O compadrio e o patrimonialismo modernizaram-se com o recurso dos meios de extensão do poder da fala: o rádio e a televisão”.

“O grupo de José Sarney detém emissoras de rádio e televisão que cobrem 80% do território maranhense – um fenômeno típico do Norte e Nordeste. Segundo o Ministério das Comunicações, o grupo tem 04 emissoras de televisão que retransmitem a Rede Globo (afiliadas da TV Globo em São Luís, Imperatriz, Santa Inês e Codó), 14 emissoras de rádio (FM e AM), controlam o jornal diário de maior circulação, O Estado do Maranhão, é beneficiário direto e indireto de 21 RTVs – é o Sistema Mirante de Comunicação – “o mais notável exemplo de gestão da informação. (...) Possui ainda o Sistema Meio Norte de Comunicação, que se estende no Piauí onde publica o jornal Meio Norte, e repete a programação do SBT, a partir de Timon. O império funciona sob o comando de Fernando Sarney, filho de José Sarney, e de sua mulher, Teresa Murad, que é irmã do marido de Roseana Sarney. O governo estadual destinava 64% da verba publicitária televisiva às empresas da família Sarney, apontou o repórter Maurício Lima. José Sarney não tem seu nome incluído no cadastro de concessionários de emissoras de rádio e televisão do Ministério das Comunicações”. (ARRUDA, 2006)

Se em um dos maiores estados em termos territoriais no Nordeste a situação é essa, imagine no menor. Em Sergipe, praticamente todos os veículos de comunicação que absorvem quase a totalidade dos meios pertencem a dois grupos: Franco e Alves/Amorim, comandados por dois ex-governadores que se revezavam no comando do Executivo nos últimos 40 anos. Das quatro únicas emissoras de tv abertas (consumida por 90% de toda população) duas são dos Francos (Globo e Record), uma é da igreja Católica (Canção Nova) e uma do Governo do Estado. Os Francos ainda detêm o maior jornal diário, emissora de rádio e portal na internet. Os Alves (família) têm jornal diário e emissoras de rádio espalhadas pelo interior que chegam a cobrir quase 100% de todo Estado. Alves/Amorim e Franco detêm amplas terras, cana-de-açúcar, indústrias e construtoras.

O Governo de Sergipe gasta, numa média histórica dos últimos dez anos, cerca de R$ 40 milhões, por ano, com a mídia local. Diretamente João Alves Filho e Albano do Prado Franco governaram Sergipe por 16 anos e nesse período todo enviaram em linha direta os vultosos recursos públicos para as suas empresas de comunicação. Tudo “dentro da maior normalidade possível”. Nenhum, absolutamente nenhum órgão de controle institucional local foi movido para questionar essa aberração. Mesmo depois de uma alternância de grupo político, com a eleição do prefeito Marcelo Déda (PT) para governador, esse quadro não mudou muito. A diferença é que o atual governador não é detentor de veículos de comunicação, mas os vultosos recursos públicos continuam a ser canalizados para os veículos de comunicação dos velhos e novos coronéis locais.

“A família e alguns aliados do atualmente senador Antônio Carlos Magalhães são proprietários da Rede Bahia que domina todos os segmentos de comunicações no estado, incluindo: seis geradoras de TV aberta e 311 retransmissoras do Estado, todas afiliadas à Rede Globo a partir do episódio conhecido como “CPI da NEC”; 22 uma emissora de TV UHF; parte da única operadora de TV a cabo da capital, com outorga também em Feira de Santana; parte de uma operadora de MMDS com outorgas na capital, em três cidades do interior da Bahia e em PetrolinaPE, afiliadas à franquia Net Brasil, também da Rede Globo; duas emissoras e uma rede de rádio FM; um selo fonográfico; uma editora musical; um jornal diário; uma gráfica; e, por fim, uma empresa de conteúdo e entretenimento. (...) “A expressiva dependência da televisão brasileira às índoles políticas locais e regionais é extensiva à televisão estatal. No caso baiano, se somarmos aos veículos da Rede Bahia a geradora e as 197 retransmissoras do IRDEB – Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia, vinculado à Secretaria de Cultura e Turismo do Estado, teremos sete das treze geradoras e 508 das 703 retransmissoras do Estado sob influência direta do senador”. (SANTOS e CAPPARELLI, 2006).

Para esses estudiosos, “a rede de clientelismo que configura as comunicações brasileiras passa por distintas formas de associações de interesses, apadrinhamentos e parentescos. O que pode parecer um mercado concorrencial, às vezes, revela-se uma espécie de divisão de bolo entre amigos”.

FORMAÇÃO DE QUE OPINIÃO?

O coronelismo eletrônico é uma realidade local e regional, de ampla conseqüência nacional, mas se engana quem pensa que ele está preso ao passado, fechado em um ciclo, apartado do processo mais global. A linha ideológica do capital é a mesma e as opiniões dos grandes grupos do mercado são disseminadas e chegam à base social justamente em razão dos poderes dos meios dos coronéis. O que divulga e defende a Veja, a Globo, o Estado de S. Paulo, a Folha de S. Paulo são fielmente reproduzidos e defendidos pelos veículos de comunicação dos coronéis nos municípios e estados e todo esse conteúdo jamais coloca em risco seus poderes locais, muito pelo contrário, constrói consensos e reforça-se a hegemonia do capital, assegurando uma cadeia de comando de classe, autoritária, prepotente e concentradora.

Basta observar os temas como são tratados pelas redes nacionais de comunicação e as regionais/locais. Eles têm o mesmíssimo enfoque. “Desenvolvimento”: ocorre pela liberdade total de mercado, pela liberdade sem limites ao capital. O Estado tem que entrar apenas para prover a estrutura e a segurança, mas nada de regulação ou interferência. Sindicato de Trabalhadores só serve se for para ajudar ao capital, se for para onerar deve ser criminalizado. Trabalhadores são importantes para produzir e fortalecer o capital, o mercado. “Assim, todos ganham”. Reforma Agrária, nem pensar. É coisa de criminoso. Aliás, pode até ser no caso de terras completamente imprestáveis que o Governo pode adquirir por preços superfaturados. Qualquer lei que constranja o capital e a liberdade de empresa, seja ela local ou internacional, deve ser duramente combatida. E assim seguem as “verdades” despejadas a toda hora nas mídias para “formar a opinião pública”.

Diante desse quadro, onde há uma sociedade sob influência quase total do coronelismo eletrônico, o que pensar sobre a formação da opinião pública, especialmente nos municípios e nos pequenos municípios? Que conteúdo informativo recebem as pessoas em lugares onde quase todos os canais de tv, emissoras de rádio, jornais, sites pertencem a um mesmo grupo político que domina o Governo, a prefeitura, a Câmara, a Assembléia, o Judiciário, e estabelece uma teia de relações clientelistas com o comércio, a indústria, o serviço e outros setores? O que pensa, do dizem, como agem, como votam aqueles que somente recebem um tipo de informação, aquela postadas nos veículos coronelescos?

Alguém imagina de que lado está a mídia em sua cidade quando o tema é sindicato de trabalhadores, greves, manifestações populares, reforma agrária, democratização da comunicação, educação e saúde públicas? Será apenas uma mera coincidência que políticos em Sergipe, Maranhão, Ceará, Alagoas, Bahia e em outros estados cheguem a 30, 40, 50 anos de mandatos em governos e câmaras locais e nacionais e também sejam donos de importantes meios de comunicação? Como atuam os novos coronéis quando políticos de grupos não alinhados assumem o poder momentaneamente? Alinham-se e se enquadram aos “novos” governos? Por que governos eleitos justamente na crítica à concentração a esses meios acabam se rendendo à força dos coronéis?

“(...) a força dos interesses ideológicos, acima dos interesses dos movimentos sociais ou das pressões do mercado de comunicações, tenta manter o status quo que vigora. A este importante ator, o coronel eletrônico, interessa essencialmente a capacidade massiva de disseminação do seu poder de influência. Embora haja exemplos de elites políticas proprietárias de serviços de televisão por assinatura e/ou provedores de conteúdo para Internet, é claro que, na lógica coronelista, o caráter fragmentado destes meios não compensa o volume de investimentos necessários para a sua implantação. Na lógica clientelista estabelecida nas comunicações brasileiras, a adoção do ideário neoliberal acontece de forma cautelosa. A flexibilidade da regulamentação, bem como a livre competição dos mercados, limita-se ao espaço que não altere os domínios dos coronéis eletrônicos” SANTOS E CAPPARELLI (2006).

“(...) O imaginário brasileiro das últimas décadas vem sendo ampliado consideravelmente com a expansão da oferta de opções audiovisuais. Resta, entretanto, verificar até que ponto e de que forma a hegemonia de um conglomerado sólido, como é o caso das Organizações Globo, tem participado da construção desse imaginário. Mais que isso, é fundamental observar que os espaços para a regionalização da produção (o que equivale a falar sobre a necessidade de disseminação da fantástica diversidade cultural brasileira) vêm sendo reduzidos a cada dia em proveito de uma discutível linearização dos conteúdos em direção à malfadada formação de um pensamento uniforme” (CUNHA, 2002, p.221).

QUAIS OS PAPÉIS?

Em um texto intitulado “O projeto popular”, Ademar Bogo (2004), diz que “na sociedade capitalista o poder sempre está com um grupo ou com uma classe; no nosso campo, com a classe burguesa, que controla os meios de produção e por isso elabora as leis civis e morais para ordenar as relações sociais. Resumindo, a centralidade do poder está na força do capital, no Estado, nas relações sociais e de produção. Sem modificar estes três campos conjuntamente, por mais que se conquistem pequenos territórios no espaço social e na vida política, jamais se conseguirá derrotar a classe dominante capitalista. (...) Não é por nada que os capitalistas temem tanto a revolução e não temem as eleições. Porque a revolução desestrutura o poder de propriedade dos meios de produção, juntamente com o poder político e, assim, modifica as relações sociais”.

E escreve ele ainda: “Isto posto, não significa dizer que não devemos lutar por conquistas localizadas que aumentem o poder popular. Todas as lutas que fazemos vão construindo o poder da classe trabalhadora e explorada, modificando hábitos e criando novo conteúdo para valores (...)”.

Ainda bem que a história não é um bloco monolítico, homogêneo. Desde o nascimento das figuras dos coronéis na colônia até o mais sofisticados deles em atuação hoje nas realidades regionais, há belíssimos processos de resistência seja em associações, partidos, grupos, sindicatos de trabalhadores. Se o coronelismo eletrônico é uma dura e inequívoca realidade no Brasil, há também ao mesmo tempo e com força crescente, os movimentos populares de resistência ao autoritarismo que minam as poderosas bases do poder coronelesco.

É impossível deixar de lembrar a importância estratégica nessa luta contra-hegemônica e em defesa da democratização dos meios do jornal Brasil de Fato, das revistas Carta Capital, Caros Amigos, Retrato do Brasil, Fórum, Revista do Brasil, dos inúmeros sites e blog, como o da Carta Maior, Correio da Cidadania, do MST, da Adital, do NPC, do Intervozes, do Fazendo Media, assim como a TV Comunitária de Brasília, e uma série de editoras de esquerda como a Boitempo, Contraponto, Expressão Popular, Mauad, Perseu Abramo, entre tantas outras ações extraordinárias dos movimentos social, sindical e popular nesse campo da comunicação.

A verdadeira liberdade de expressão e de imprensa só começa a ser concretizada se e quando as organizações do público tiverem completo acesso aos meios. Enquanto não houver no Brasil uma Rede dos Trabalhadores, com o olhar dos trabalhadores, e enquanto as verbas publicitárias do Estado (fruto da arrecadação de impostos de todo o povo) não forem distribuídas com alguma justiça, contemplando mais efetivamente veículos e publicações populares, não se pode chamar o nosso sistema de democrático.

Vale a pena destacar o esforço tímido e tardio, mas nunca desprezível, do Governo Lula em tomar a decisão de criar a EBC (Empresa Brasil de Comunicação), de buscar estabelecer uma rede nacional fora dos esquemas coronelescos de mídia e de estimular em todo País, oficialmente, o debate sobre a democratização dos meios do sistema de Comunicação com a realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação da história do Brasil. Os passos do Governo brasileiros nessa área são muito mais tímidos quando se comparados com as ações tomadas por governos na América Latina, como as dos presidentes Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa, e mais recentemente da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, que, na prática, abrem amplas possibilidades de maior democratização dos meios.

É claro que apenas a resistência firme e constante não modifica esse quadro de profunda injustiça, mas ela é fundamental para animar os setores progressistas, de esquerda, revolucionários na busca por romper com essas estruturas latifundiárias da terra, do Estado e da Comunicação. Como já foi escrito anteriormente, quem sabe a 1ª Conferência Nacional de Comunicação na história do Brasil não seja o sinal de que um dia teremos um sistema de mídia verdadeiramente democrático que priorize a vida, o meio ambiente, a pluralidade das várias vozes sociais, principalmente as mais excluídas dos processos comunicativos.

REFERÊNCIAS:

ARRUDA. César Veiga. “CORONELISMO ELETRÔNICO?” – a construção política do Grupo Sarney e o uso do aparelhamento da mídia no Maranhão. Trabalho apresentado no VI Encontro Humanístico, promovido pelo Centro de Ciências Humanas/UFMA, realizado de 11 a 15 de Dezembro de 2006, durante a mesa redonda “Práticas políticas midiáticas, cultura e virtualidade”. Disponível aqui.

Reproduzido de Portal Vermelho
04 nov 2012

sexta-feira, 25 de maio de 2012

A tensão paira sobre o baronato da mídia


A tensão paira sobre o baronato da mídia

Roberto Amaral
Carta Capital
22/05/2012

O baronato das comunicações anda tenso, preocupado. É fácil de perceber um certo nervosismo apenas folheando as revistas e os jornalões, pelo que dizem e pelos grandes espaços de silêncio. Assusta-os a CPI do Cachoeira, porque já revelou as relações pelo menos perigosas entre a grande imprensa e o crime organizado – a ponto de interferir (ditando linhas de ‘investigação’) na pauta de uma grande revista semanal. Ou, dito de outra forma, sem amenizar a gravidade dos fatos, sabe-se que muitas reportagens “investigativas” foram levadas a cabo para atender a interesses nada republicanos de um criminoso hoje na cadeia e à espera de processo e julgamento. Na bacia das almas, empresas e meliante (também ele empresário…) já entregaram aos leões o Catão do Serrado, do qual se serviram para defender interesses indefensáveis, e atacar os adversários de sempre. O grande paladino da moral e dos bons costumes enquanto no Senado e nas folhas brandia a espada na luta cívica contra a corrupção, nos desvãos da Esplanada (nela incluídos tribunais superiores), advogava os negócios do crime, em uma malha tão profunda que talvez jamais venha a ser de todo destrinchada.

Seja por isso, seja por aquilo, as grandes empresas de comunicação olham de lado, desconfiadas, para a CPMI. Contestam como insinceros os motivos de sua convocação e anunciam todo santo dia, como se estivessem fazendo uma denúncia, mas na verdade exprimindo um desejo, o inevitável fracasso dela. Acham normalíssimo o procurador geral da República, beneficiando criminosos, quedar-se três anos com um inquérito em sua gaveta, e o aplaudem por se negar a comparecer à comissão para prestar os esclarecimentos que deve ao país. Mas seus donos ficam eriçados, orelhas em pé, pelo arrepiado, garras expostas, quando deputados “insolentes” (e logo acusados de estar a serviço dos “mensaleiros”) pretendem ouvir, não o poderoso Cidadão Kane, mas o simples preposto que fazia a intermediação entre o crime e a revistona.

Por práticas similares, o grande Ruppert Murdoch teve de prestar satisfações ao parlamento britânico, e ninguém, nenhum jornal, nem lá nem aqui, arguiu ofensa à liberdade de imprensa. Aqui é tamanho o incômodo que Roberto Civita foi brindado com editorial de um grande matutino de empresa “concorrente”, no qual se afirma que ele não é Murdoch. E não é mesmo! Jornalista estrangeiro especialista em “ligações perigosas” é chamado para falar em seminário e explica que não há nada de mais repórter e fonte criminosa andarem conluiados.

A inquietação também ocorre relativamente à Comissão da Verdade, finalmente instalada. No dia mesmo da solenidade no Palácio do Planalto os editoriais clamavam contra os “riscos de revanchismo”, e os mais audaciosos já defendiam a “bilateralidade da apuração”, ou seja, “a investigação de atos praticados por grupos de esquerda que se opuseram ao regime militar”. Outros, estão preocupadíssimos em assegurar-se de que não haverá punições. Quer saber a grande imprensa se o Ministério Público pode utilizar os resultados das investigações para tentar condenar militares (absoluta indiferença relativamente aos criminosos civis) “que cometeram violações”. No Globo do dia 17, o coronel da reserva João Batista Fagundes, representante das Forças Armadas na Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, é chamado a falar:

“A Comissão da Verdade é oportuna mas não pode se enveredar pela questão criminal dos agentes do passado. A Lei da Anistia está em vigência e a própria lei que criou a comissão não prevê condenações. No meio das Forças Armadas, o receio é que se abram processos já albergados sob o pálio refletor da anistia.”

Em editorial do dia 12, o mesmo jornal afirma que “a escolha de nomes acima de qualquer suspeita para a Comissão da verdade”(…) ‘…serve de garantia de que a Comissão não extrapolará os limites da Lei da Anistia, já referendada pelo Supremo”.

Esses temores e esses condicionantes talvez expliquem tanto a demora na aprovação da lei (ora, já lá se vão 27 anos desde quando o último general presidente deixou o Palácio do Planalto pela porta dos fundos!), quanto a demora na escolha (elogiada por gregos e troianos) de seus integrantes. Não podendo impedir a apuração (mas tendo podido nesse longo período destruir documentação e provas) busca-se limitar ao máximo o alcance da Comissão. O intuito declarado de impedir o eficaz funcionamento da Comissão já ficara claro quando o legislador estipulou o período de apurações começando em 1946, misturando democracia com ditadura, e alargando o objeto propositalmente, na expectativa de que assim tão amplo ele se tornasse inalcançável, donde, apuração nenhuma.

O que a nação deseja e quer é conhecer os crimes praticados pelo regime militar, e esses crimes começam com a própria ruptura democrática de primeiro de abril de 1964. Naquele momento as Forças Armadas, que como instituição existem para garantir a integridade territorial, a soberania nacional e a segurança de nosso povo, aquele que paga seus salários, soldos e tudo o mais, traíram seu chefe supremo, rasgaram a Constituição e deram início a uma escalada de arbítrios que surrupiou pela violência centenas de mandatos eletivos, milhares de empregos, cortou carreiras profissionais, sepultou esperanças, exilou e desterrou brasileiros, suprimiu a liberdade física de milhares de cidadãos e transformou em letra morta direitos e garantias individuais, a começar pelo direito à expressão livre, e impôs a indignidade da censura prévia, até de livros científicos. Tudo o mais que a história contará é mera consequência. Devem elas, sim, pelo que fizeram, um pedido público de desculpas à Nação, para voltarem a desfrutar do respeito que merecem pelo exercício das suas nobres funções. Estará assim, aberto o caminho para a superação de desconfianças mútuas que ainda estão a toldar, pelo silêncio-tabu, o congraçamento entre civis e militares.

Tudo será possível, menos censurar a História, menos reescrevê-la, menos adulterá-la, pois o tempo, sempre, trará a lume a verdade. Assim, também se contará a História, a aliança entre empresários da comunicação, políticos e militares na preparação do golpe. A história também contará o papel de uma imprensa que, com raríssimas exceções, participou da conspiração, defendeu o golpe e os atos tenebrosos que ele desencadeou, até se ver diante da inevitabilidade de aderir ao irresistível movimento de massas pela democracia que tomou impulso a partir de 1974. Mas isso foi opção ideológica e não passará pela peneira da Comissão.

A palavra final, porém, não será dada nem pelo governo, nem pela imprensa, nem pelos militares, mas pela sociedade, apesar da imprensa. Se a sociedade cruzar os braços, der-se por satisfeita com a simples constituição da Comissão, pouca esperança teremos de resultados satisfatórios. Esta é a hora de as organizações civis voltarem à liça, reaglutinarem-se os perseguidos, os torturados e as famílias dos assassinados. Da força de sua demanda dependerá a profundidade do que será esclarecido.

Reproduzido de Carta Capital
22 maio 2012

Foto: A esmagadora maioria da mídia foi a favor do golpe de 1964, a mesma mídia que agora age em bloco para defender Roberto Civita.

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terça-feira, 6 de setembro de 2011

Levante sua voz parte! A Regulação de Mídias é necessária!



Liberdade

"...Liberdade, essa palavra
que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique
e ninguém que não entenda..."

Cecília Meireles
Romanceiro da Inconfidência






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Cláudia

Deixa, deixa, deixa eu dizer o que penso desta vida
preciso demais desabafar!

Suportei meu sofrimento
de face mostrada e riso inteiro
se hoje canto meu lamento
coração cantou primeiro
e você não tem direito
de calar a minha boca
afinal me dói no peito
uma dor que não é pouca
tem dó!

Deixa, deixa, deixa eu dizer o que penso desta vida
preciso demais desabafar!

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Os donos da mídia e a resistência necessária


Os donos da mídia e a resistência necessária

Não é nenhuma novidade. O abuso de poder imposto pela propriedade privada dos meios de comunicação públicos é, sem sombra de dúvidas, um atentado à democracia e precisa ser enfrentado. No entanto, a forma com que os agentes políticos e econômicos operam no setor das comunicações, seja no Brasil, seja na Europa, demonstra que o embate a ser feito necessita de uma base social sólida; autônoma das decisões do Estado e do mercado e, sobretudo, consciente do seu papel decisivo para a transformação social. Neste sentido, é preciso apontar na direção de outras esferas de extensão da vida em sociedade, as quais ultrapassam o domínio político para se legitimarem em ações de cunho coletivo, mesmo as de pouca visibilidade.

Confere-se, assim, papel de destaque às iniciativas midiáticas essencialmente independentes. Em âmbito acadêmico, comunitário ou sindical, não são poucas as experiências de caráter não hegemônico o que, por si só, não representa uma ameaça ao modelo comercial, mas indica o avanço da comunicação que se reivindica alternativa. Por falta de incentivo do governo e considerando as amarras da legislação brasileira, que não permite o apoio comercial e ameaça a sustentabilidade destes veículos, provoca-se um anonimato estratégico, colaborando para a manutenção da ordem conservadora.

Na Europa, os exemplos de Rupert Murdoch e Silvio Berlusconi atestam para os riscos da liberalização do capital, principalmente quando está direcionada ao uso do poder exercido através dos meios de comunicação. A legislação italiana também se mostra falha, pois permite que o atual primeiro-ministro, no cargo há mais de 16 anos, mantenha o controle dos principais meios de comunicação do país. Através do grupo audiovisual de maior expressão na Itália, o Mediaset, Berlusconi promove a marketização de projetos pessoais, tanto a nível institucional, quanto ideológico. Na mesma linha atua Murdoch, dono da News Corporation, hoje disputando espaço com os principais conglomerados de mídia do mundo como o The Walt Disney Company e a Time Warner.

Murdoch não enfrentou problemas em concretizar a aquisição do principal concorrente no mercado de serviço de televisão por satélite, tendo, inclusive, o aval do governo Thatcher. A News Corporation obteve o sinal verde para evitar uma análise da operação e começar a negociar os termos do acordo do contrato, efetuando a compra total das ações da transmissora de TV por satélite BSkyB, algo em torno de 14 bilhões de dólares. Os casos europeus comprovam o poder exercido pelos donos das megacorporações midiáticas sobre os governos de turno.

Diferente do que ocorre na Europa, onde existe o predomínio do sistema público, no Brasil, evidencia-se a atuação da propriedade privada dos meios de comunicação. Contudo, esta mudança de paradigma não diminui as ingerências dos empresários de mídia sobre os órgãos deliberativos do Estado, espaço propício para a utilização do serviço de concessões como moeda de troca, sempre que convém ao governo. Fator que acaba sendo reforçado pelo controle exercido sobre alguns veículos ditos comunitários, prática comum entre políticos da base e da oposição.

Diante disso, é preciso reforçar o caráter independente das produções midiáticas, as quais estão contidas no domínio daquilo que se convencionou chamar de comunicação alternativa. A viabilidade de novos agentes no mercado, premissa forte da liberalização, pode ser utilizada como estratégia democratizante quando aplicada tanto ao modelo público, monopolista, quanto ao privado, oligopolista. Empregado para fins particulares, o mercado, mesmo quando regulado, não costuma responder aos interesses públicos mais básicos. Como é o caso da participação social no processo produtivo.

A descentralização na produção de conteúdos e na gestão das emissoras de caráter alternativo permite a autonomia dos sujeitos sociais envolvidos no processo de construção das novas experiências comunicacionais. Tais medidas permitem, ainda, a experimentação, geralmente descartada pelos administradores do modelo público e do privado, já que estão em jogo as regras de sobrevivência e aceitação de cada sistema.


Isto implica a necessidade de opor-se a qualquer medida que procure assegurar o domínio de uma classe sobre a outra. É comum, por meio de pressões políticas ou psicológicas, que um grupo dirigente tente coibir a atividade crítica e a resistência às suas tomadas de decisão. Portanto, infere-se que todo consenso formado em torno destes aparelhos prejudica a livre atividade de expressão e de manifestação dos atores sociais não hegemônicos.

Quando se coloca frente a frente os dois modelos, sem discutir a distribuição de poder, não se estão evidenciando os riscos de fracasso aos quais estão submetidas as experiências alternativas. O simples afastamento da estrutura de mercado não é suficiente para evitar os abusos de poder, que podem assumir uma postura autoritária sob o véu da regulação pública. Esta tomada de posição, sem as devidas ressalvas, poderia equivaler a submeter-se em operar enquanto aparelho privado do Estado, não aderindo às regras de jogo do mercado, mas, também, não exercendo livremente o direito à comunicação. Na verdade, a mídia independente precisa achar as brechas para operar em qualquer um dos casos, pois, no atual contexto, ambos reproduzem uma ideologia particular e estão a serviço das forças dominantes.


Eduardo Silveira de Menezes
CEPOS . Unisinos

Publicado originalmente na Revista do Instituto Humanitas Unisinos
360 - Ano XI 09.05.2011 
IHU ON-Line
Via Exílio Midiático

Leia também "Os magnatas da mídia no mundo e Brasil" clicando aqui.

Veja também a página "Donos da Mídia", no Brasil, clicando aqui.

Os magnatas da mídia no mundo e Brasil


Conheça os principais magnatas da mídia no mundo


Redação
BBC Brasil
16/07/2011

O escândalo provocado pela revelação de que o tabloide News of The World, pertencente ao bilionário australiano Rupert Murdoch, teria grampeado celulares de milhares de pessoas aumentou a preocupação sobre o nível de controle exercido por uma só empresa na mídia britânica.

No entanto, em todo o mundo, empresas de mídia – seja veículos impressos ou de telecomunicações – são dominadas por magnatas que ostentam grandes fortunas e exercem influência considerável.

Crise na imprensa

Conheça alguns dos principais nomes da mídia em diversos países:

Brasil

O mercado de mídia no Brasil é dominado por um punhado de magnatas e famílias. Na indústria televisiva, três deles têm maior peso: a família Marinho (dona da Rede Globo, que tem 38,7% do mercado), o bispo da Igreja Universal do Reino de Deus Edir Macedo (dono da Rede Record, com 16,2%) e Silvio Santos (dono do SBT, 13,4% do mercado).

A família Marinho também é proprietária de emissoras de rádio, jornais e revistas – campo em que concorre com Roberto Civita, que controla o Grupo Abril (ambos detêm cerca de 60% do mercado editorial).

Famílias também controlam os principais jornais brasileiros – como os Frias, donos da Folha de S.Paulo, e os Mesquita, d’O Estado de S. Paulo (ambos entre os cinco maiores jornais do país). No Rio Grande do Sul, a família Sirotsky é dona do grupo RBS, que controla o jornal Zero Hora, além de TVs, rádios e outros diários regionais.
Famílias ligadas a políticos tradicionais estão no comando de grupos de mídia em diferentes regiões, como os Magalhães, na Bahia, os Sarney, no Maranhão, e os Collor de Mello, em Alagoas.

América Latina

No México, o grupo Televisa tem três canais de TV nacionais, duas operadoras de TV a cabo e um ramo editorial, além de ser dono de três clubes de futebol. O grupo ainda tem 5% das ações da Univisión, o maior canal hispânico dos Estados Unidos.

O diretor-executivo do grupo, Emilio Azcarraga Jean, é um dos mais influentes empresários do país.

Os programas da Televisa concentram 70% do mercado publicitário mexicano televisivo. O restante fica com a principal concorrente, a TV Azteca.

Na América Central, boa parte da mídia é controlada pelo mexicano Ángel González, baseado em Miami. Para driblar as leis que restringem estrangeiros no comando das empresas, ele usa laranjas para controlar 26 canais de TV e 82 estações de rádio em 12 países, o que lhe rendeu o apelido de “Fantasma”.

Na Colômbia, o segundo homem mais rico do país segundo a revista Forbes, Julio Mario Santo Domingo, tem participação nos negócios mais variados, de cervejarias a companhias aéreas. Ele se destaca, no entanto, por ser o dono da TV Caracol (com 58% da audiência e 52% do mercado publicitário, em dados de 2004) e do segundo jornal do país, o El Espectador.

O principal concorrente é o Casa Editorial El Tiempo, dono do maior jornal do país, o El Tiempo, além de várias revistas e de um canal de TV a cabo. A empresa é controlada pelo grupo espanhol Prisa.

África

A Nation Media Group (NMG) é a maior empresa de mídia do leste da África, com braços de mídia eletrônica e impressa. Aga Khan - o líder espiritual da comunidade ismaelita, um ramo do islamismo xiita - é o maior acionista da empresa, com 49% das ações.

No Quênia, o grupo é dono do jornal diário de maior circulação, o Daily Nation, além de outras duas publicações diárias e uma semanal, duas estações de rádio e uma emissora de TV.

Em Uganda, o NMG tem um jornal, o Daily Monitor, uma estação de rádio e uma emissora de TV. Na Tanzânia, Aga Khan se diz proprietário de duas publicações diárias.

O grupo também planeja sua expansão em Ruanda, onde tem planos de comandar um jornal diário e uma emissora de TV. Aga Khan tem o objetivo de estabelecer um conglomerado de mídia pan-africano.

Estados Unidos

A americana Anne Cox Chambers, 91 anos, controla o maior grupo de mídia do país, chamado Cox Enterprises, fundado por seu pai em 1898.

O império controla jornais, emissoras de rádio e TV e canais a cabo em diversos Estados americanos.

Segundo a revista Forbes, o patrimônio de Anne em 2010 estava em US$ 12,4 bilhões, duas vezes maior que o de Rupert Murdoch, dono da News Corporation.
Emilio Azcarraga, da Televisa

A Televisa de Emilio Azcarraga é dona de 70% do mercado publicitário das televisões no México

Rússia

O governo russo continua a ser o maior controlador da mídia local desde que o ex-presidente e atual primeiro-ministro Vladimir Putin reestatizou o maior canal de TV do país, o ORT, em 2000. Ele também transferiu o controle privado do canal NTV para a petrolífera estatal Gazpom.

Além disso, o governo comanda o grupo Rossia, controlador das três únicas TVs de cobertura nacional, além de canais a cabo e dezenas de emissoras locais. Atualmente, o Kremlin controla todas as principais TVs russas.

A mídia impressa é menos concentrada. O principal jornal, o Kommersant, é propriedade do magnata Alisher Usmanov, um dos donos do time inglês Arsenal.

Outro magnata, o ex-espião da KGB Alexander Lebedev, é dono do principal jornal de oposição, o Novaya Gazeta. Ele também tem negócios no Reino Unido, onde controla os jornais The Independent e The Evening Standard.

Sudeste asiático

Homem mais rico da Malásia, o empresário de origem chinesa Tiong Hiew King controla cinco jornais diários e 30 revistas nas comunidades de língua chinesa na Malásia, em Hong Kong, nos Estados Unidos e no Canadá.

Reproduzido do FNDC

Veja também a página de "Donos da Mídia", do Brasil, clicando aqui.

Leia também "Os donos da mídia e a resistência necessária", por Eduardo Silva de Menezes na Revista do Instituto Humanitas Unisinos clicando aqui, ou no "Exílio Midiático" clicando aqui. Do mesmo autor, leia "O que Murdoch, teixeira e a Seleção Brasileira têm em comum" clicando aqui.