Sube a nacer conmigo hermano
Marina Rocha
Explicar a produção de sentidos de ser latino-americano e fazer história dessa região carregando tal identidade é romper com uma produção apolítica e sem perspectiva de mudanças para o futuro. Dizer-se latino-americano é assumir a categoria de uma história de exploração e desigualdades, na qual nosso fracasso foi resultado da vitória alheia –parafraseando Galeano – mas também pensar que é possível, nesse ambiente de contradições, ver as condições para a transformação.
Ao tentar explicar minha ligação à Nuestra América, deparo-me com um poema em particular daquele que, como uma vez disse Cortazar, “não nos deu trégua, escreveu poema atrás de poema”. Foi Neruda quem me apresentou a região e sua gente que me contou histórias de vida nela. Em seu país, tenho o primeiro contato com nossa história e, desde então, levo-a comigo. Mas Alturas de Machu Pichu, em particular, me trouxe a experimentação, antes da experiência, de transportar-me aos Andes, despertar-me curiosidade e me apresentar este coletivo americano, fusionando arte, subjetividade e história.
Pablo Neruda, que inicia sua carreira com o entusiasmo romântico, ambicionando transformar o mundo com o poder da palavra poética, é convidado, em 1943, a ir a Machu Pichu cavalgando. Em tal ambiente, transformado em versos, realiza seu encontro com a história, com a sócio-política, e com uma escrita coletivista. Eu, anos mais tarde, que fui ao estilo turista perdida na multidão, consegui viver tal prova pela abstração que Neruda me proporcionou e sentir o meu encontro também naquelas alturas.
“Me sentí infinitamente pequeño en el centro de aquel ombligo de piedra; ombligo de un mundo deshabitado, orgulloso y eminente, al que de algún modo yo pertenencia. Sentí que mis propias manos habían trabajado allí en alguna etapa lejana, cavando surcos, alisando peñascos. Me sentí chileno, peruano, americano. Había encontrado en aquellas alturas difíciles, entre aquellas ruinas gloriosas y dispersas, una profesión de fe para la continuación de mi canto.”
Em Alturas de Machu Pichu, Neruda conduz o sofrimento da destruição dos povos originários, descrevendo o poder daquilo já morto reconstruído sob seus olhos, a luta pela sobrevivência e o amor por ser latino-americano. Desta forma, o poeta nos transporta a tempos longínquos trazendo a história do encontro entre espanhóis e incas, da submissão dos povos. Seu canto a cidade de pedra é ademais um canto aos homens vivos, mortos, calados e sofridos.
O poeta nos convoca a subir a “cordilheira essencial”, descrevendo sua geometria, sua arquitetura – “pedra sobre pedra”. Não esquece, contudo, de que cada pedra, cada ar, cada tempo daquele lugar estiveram os homens: lavradores, tecedores, pastores, domadores de guanacos, joalheiros, agricultores, todos que choraram lágrimas andinas. Falando por suas bocas mortas, Neruda, se inclui no “castigo” recebido por estes homens e conta a história do pranto, da escravidão, do silêncio, do sangue. É a narrativa da exploração do homem sobre o homem e da sujeição de todo um povo pela ganância de ditos superiores. Pois Machu Pichu, em seu poema, não significa apenas uma cidadela do poder incaico, contudo todas as habitações destruídas com a nossa “descoberta”.
Mas, a história não se acaba aí… Afinal, Neruda tinha um projeto político que servia à sua poesia. Ao quebrantar um silêncio, deixa essas “bocas mortas” gritarem a injustiça e nos provoca o sentido da mudança e da necessidade de romper a cadeia de opressão. E isso nos vale para observar e assumir posições nas batalhas que atualmente rondam o território. Pois, este irmão que narra, pelas palavras de Neruda, pode não voltar do “fundo das pedras, do tempo subterrâneo, com sua voz endurecida e seus olhos perfurados”, mas ao aceitarmos o convite para subirmos aquele Machu Pichu nerudiano nascemos irmãos novamente com as mesmas lutas e dores enterradas.
NERUDA, Pablo. Alturas de Machu Pichu. Santiago de Chile: Editorial Andres Bello, 1950.
Reproduzido de Perdidos na Intempérie
07 dez 2010
Alturas de machu Picchu
Pablo Neruda
XII
Sube a nacer conmigo, hermano.
Dame la mano desde la profunda
zona de tu dolor diseminado.
No volverás del fondo de las rocas.
No volverás del tiempo subterráneo.
No volverá tu voz endurecida.
No volverán tus ojos taladrados.
Mírame desde el fondo de la tierra,
labrador, tejedor, pastor callado:
domador de guanacos tutelares:
albañil del andamio desafiado:
aguador de las lágrimas andinas:
joyero de los dedos machacados:
agricultor temblando en la semilla:
alfarero en tu greda derramado:
traed a la copa de esta nueva vida
vuestros viejos dolores enterrados.
Mostradme vuestra sangre y vuestro surco,
decidme: aquí fui castigado,
porque la joya no brilló o la tierra
no entregó a tiempo la piedra o el grano:
señaladme la piedra en que caísteis
y la madera en que os crucificaron,
encendedme los viejos pedernales,
las viejas lámparas, los látigos pegados
a través de los siglos en las llagas
y las hachas de brillo ensangrentado.
Yo vengo a hablar por vuestra boca muerta.
A través de la tierra juntad todos
los silenciosos labios derramados
y desde el fondo habladme toda esta larga noche
como si yo estuviera con vosotros anclado,
contadme todo, cadena a cadena,
eslabón a eslabón, y paso a paso,
afilad los cuchillos que guardasteis,
ponedlos en mi pecho y en mi mano,
como un río de rayos amarillos,
como un río de tigres enterrados,
y dejadme llorar, horas, días, años,
edades ciegas, siglos estelares.
Dadme el silencio, el agua, la esperanza.
Dadme la lucha, el hierro, los volcanes.
Apegadme los cuerpos como imanes.
Acudid a mis venas y a mi boca.
Hablad por mis palabras y mi sangre.
Poema completo aqui.
Um comentário:
Agradeço o comentário no blog www.machupicchuperto.blogspot.com. Estou à disposição para troca de experiências, gostaria de umas dicas para meu blog. Belo texto, com sentimento latino. Neruda é fantástico. Abraço.
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