Plágio paradoxal: sinal positivo ou crise da Universidade?
A sua funcionalização, proletarização e instrumentalização têm vindo a pô-la de joelhos perante o mercado, a participar no jogo mercantil, a esvaziá-la da sua substância e, até, surpreendentemente, a alheá-la da sua relação com o trabalho e com a responsabilidade que aí deveria assumir.
Professor na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
Universidade do Porto/Portugal
A generalização das práticas de plágio é, entre outros aspectos, um sinal positivo dos tempos que correm. Entendamo-nos: mais jovens e mais diversos, quanto a muitas das suas características pessoais e sociais, acedem, hoje em dia, ao ensino superior, o que configura um fenómeno de massificação, ainda que não de democratização.
A Universidade perdeu uma parte de elitismo que, no passado, foi a sua marca distintiva. Os modos de socialização para a vida académica também se diversificaram, as proveniências sócio-económicas e culturais dos alunos alargaram-se: jovens com níveis bem distintos de capital social encontram-se na Universidade. A contrapartida de tal diversidade é que trouxeram para o contexto académico novos comportamentos, atitudes, necessidades e até problemas, que não eram habituais no passado.
Obviamente, os níveis de preparação para a aprendizagem de nível universitário são, hoje, também menos uniformes. A combinação deste complexo panorama com a facilidade de acesso a suportes tecnológicos de memória (não será o mero “decorar” ou “marrar” uma antiga e não reconhecida modalidade de plágio?), de disponibilidade constante e imediata, são parte da mistura quase explosiva que explica o aumento inédito de fenómeno de plágio.
Não caiamos, no entanto, na fácil e tentadora tendência de entender tal problema a partir dos estudantes e da sua atávica inclinação, quase natural, para a preguiça, o facilitismo e a aversão ao trabalho.
O plágio, como sinal, fornece uma excelente oportunidade para reflectir sobre o que a Universidade faz da juventude que a frequenta. Sem procurar identificar os antecedentes susceptíveis de explicar o problema em toda a sua abrangência e profundidade, a verdade é que a Universidade se encontra num processo de hiperespecialização que se exprime numa desinstitucionalização.
“A Universidade é uma indústria”
Em suma, e assumindo a hiperbolização admissível numa crónica, a Universidade é uma indústria. A expressão que marcou a viragem profunda no modo como as opções políticas começaram a transformar por dentro a universidade, no início da década de 80, “university-for-industry”, sugere ou requer uma actualização “industry-for-industry”.
A sua funcionalização, proletarização e instrumentalização têm vindo a pô-la de joelhos perante o mercado, a participar no jogo mercantil, a esvaziá-la da sua substância e, até, surpreendentemente, a alheá-la da sua relação com o trabalho e com a responsabilidade que aí deveria assumir (não confundir com a retórica da empregabilidade nem com a leviandade do empreendedorismo incondicional).
O que tem vindo, progressivamente, a ficar de fora? A capacidade de, pela via do conhecimento, questionar o mundo em que se vive, a possibilidade de imaginar transformações nele, a prática reflexiva rigorosa, abstracta e complexificante, a participação e contribuição no e para o saber, cultura e artes: enfim, as condições no seio das quais se desenvolvem pessoas e cidadãos autónomos.
Ao contrário, a mensagem implícita mais eficaz que, hoje em dia, a Universidade tende a transmitir está nos antípodas da autonomia: a confusão de meios com fins. Tudo é assimilável a “caixas de ferramentas” de que importa conhecer como funcionam, mesmo desconhecendo os fins, imediatos, mediatos ou últimos (culturais, políticos, económicos, tecnológicos, científicos) do seu uso. A funcionalização, tecnicização e “ferramentalização” da Universidade vão-na transformando numa enorme caixa de ferramentas que dispensa, além do mais, o trabalho de cada um pensar por si próprio.
O que fazem, neste contexto, os estudantes que plagiam? Limitam-se a recorrer, diligente e eficazmente, a uma “caixa de ferramentas” adaptada aos seus objectivos imediatistas e compatível com a incultura que tacitamente lhes é transmitida, em nome de um produtivismo desprovido de sentido e de uma competitividade que não se ousa questionar. Que desafio está, então, posto à Universidade?
Reproduzido de P3 via Revistapontocom
Título da postagem de Filosomídia
Um comentário:
Acredito que o plágio pode sinalizar algo muito além da falta de ética. Penso que o "não reconhecimento do conteúdo" de algumas falar perfiladas deda língua coloquial, num contexto em que muitos alunos chegam à Universidade semi-alfabetizados (via programas de aceleração), precisa ser trazido para a discussão.
Saudações!
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