quarta-feira, 17 de agosto de 2011

"Nunca desliga": repercussões da "entrevista" com o sociólogo Silvio Caccia Bava


GloboNews e a “visão de cobertura”

André Raboni
Observatório da Imprensa
16/08/2011

Depois do caos que se instalou em algumas cidades inglesas, ficou ainda mais visível o lado estreito da “visão de cobertura” de parte significativa dos nossos jornalistas. O que chamo de “visão de cobertura” é aquela que sentencia a pluralidade do mundo a partir de uma análise tacanha, caolha, reflexo de um mundo visto de cima e que revela certo descolamento da realidade lá de baixo.

Na matéria da GloboNews, três jornalistas forçaram a barra para introjetar na fala do entrevistado (o sociólogo Silvio Caccia Bava) as próprias vulgaridades que carregam nas suas “cabeças de cobertura”, que simplesmente não conseguem enxergar a insatisfação das classes baixas da Inglaterra, sem que para isso taxe todos esses jovens (em sua maioria, negros e pobres) de “marginais”.

O primeiro jornalista começa a entrevista:

“Ô Silvio, como a gente vê nessas imagens, me parece que o estopim foi o protesto contra a morte do jovem nesse tiroteio com a polícia. Mas o contexto social parece ter perdido o fundamento nessas manifestações. O que está acontecendo, agora, na sua visão, é que pessoas e jovens estariam aproveitando o caos para praticar crimes?”

“Não, eu não vejo assim”, inicia o entrevistado, que precisou rebater os entrevistadores durante toda a entrevista.

“Como é que fica a sociedade?”

Depois do terceiro minuto, uma segunda jornalista pergunta ao entrevistado:

“Acho que o que impressiona o mundo todo nesse conflito é o grande número desses jovens e a violência toda. Se eles não são marginais,como você está falando, quem são esses jovens? São estudantes que estavam de férias e seguiram o fluxo da violência?”

“Não...”

“Quem são esses jovens? São estudantes que estavam de férias...” Ou seja, pode-se traduzir a “visão de cobertura” no discurso da jornalista da seguinte forma: ou esses jovens são marginais, ou são vagabundos sem nada o que fazer. Esta é a sentença que não cabe recurso. Depois do quarto minuto do vídeo, a coisa vai ainda mais longe. Outra jornalista expõe sua “visão de cobertura”. Ela pergunta o seguinte:

“Silvio, você coloca aí: `Não é, não são marginais´, né? Mas eles estão cometendo crimes e é preciso agir contra esses crimes. Quer dizer, como que a polícia ou o governo vai agir diante de uma população que está fazendo uma, promovendo um quebra-quebra desses, mas ao mesmo tempo não são `marginais´, e sim, jovens que estão revoltados com a situação? Quer dizer, como é que fica a sociedade nesse momento, pois é muito angustiante você ver pessoas de bem promovendo ataques como esse, né?”

“Basta matar todos os pobres”

“Você também chamaria de marginais os 100 mil jovens estudantes do Chile que se enfrentaram ontem com a polícia?”, questiona, de pronto o sociólogo.

Um trecho da fala da jornalista é revelador dessa “visão de cobertura”. Quando ela enuncia “como é que fica a sociedade nesse momento...”, me pergunto: que sociedade será esta de que ela fala? Nota-se que nessa “visão de cobertura” (muito comum, por sinal, aqui no Brasil), existem duas sociedades – num tom claramente maniqueista: a boa e a ruim. A boa, no caso, é a própria “sociedade”. A ruim é aquela composta de marginais, os negros dos guetos, das periferias – e toda essa gente diferenciada que só existe para causar estorvo.

Daí, a pergunta da jornalista: “Como que a polícia ou o governo vai agir?”

A sugestão que eu faço para clarear essa “visão de cobertura” é a seguinte: que o governo inglês chame rapidamente as forças armadas para bombardear as periferias de Londres e as cidades que estão em caos...

Quem sabe, assim não se aplica, de uma vez por todas, aquela velha máxima que diz: “Para se acabar com a pobreza no mundo é simples: basta matar todos os pobres.”

Reproduzido do Observatório da Imprensa Via clipping FNDC



Leia também por Silvio Caccia Bava "A crise e as oportunidades" (2009), em Crises e Oportunidades, clicando aqui.

Trecho: “Hoje, depois de algum alvoroço que pretendia atribuir a crise à falta de regulação e supostos excessos, tudo continua como antes. Nem mesmo nos paraísos fiscais se tocou. Vivemos, portanto, um impasse, em que o Estado, capturado pelo poder das grandes corporações, não tem capacidade de operar a regulação democrática em defesa do interesse público.

As consequências sociais da crise são alarmantes. O seu maior impacto é o aumento da pobreza, tornando ainda mais pobres os que já são pobres e trazendo também para baixo da linha de pobreza setores das classes médias. Esta situação se traduz concretamente em falta de alimentos, água potável, saneamento básico, saúde, moradia, educação e, por fim, de cidadania.

(...) Com a doutrina neoliberal e a regulação pública desacreditadas, abre-se um novo cenário de conflitos e disputas, um novo cenário de possibilidades históricas. Passa a ser da maior importância, para alguns, a recuperação da legitimidade das instituições políticas existentes; para outros, a criação de uma nova institucionalidade democrática, orientada para a construção de uma outra sociedade, com novos padrões de produção e consumo.

(...)Já se percebe em vários países, fruto da crise atual, um crescimento das mobilizações sociais e das lutas por direitos. E é de esperar que surjam novos movimentos sociais, cada vez mais importantes, de resistência à destituição desses direitos e à precarização da vida. Ainda mais agora, que o socorro ao sistema financeiro mostrou que os Estados dispõem de enormes somas de recursos que antes não se supunha sequer que existissem ou estivessem disponíveis.”

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