Murdoch é produto da mídia sem regulação
Virginia Toledo
19/07/2011
Episódio das escutas telefônicas ilegais na Inglaterra mostra necessidade de que sociedade disponha de mecanismos democráticos para coibir abusos da indústria da informação
Presidente-executivo da News Corp, Murdoch, é envolvido em escândalos de escutas telefônicas feitas por um de seus jornais (Foto: Paul Hackett/Reuters)
São Paulo – Os mais de 4 mil grampos ilegais relacionados ao tabloide inglês News of the World acenderam as chamas de muitas polêmicas acerca do poder ilimitado de um conglomerado, como o do empresário australiano Rupert Murdoch. E nem a onda de pedidos de demissão, depoimentos e prisões é capaz de apagá-las. Ao contrário.
O episódio fornece ainda mais combustível para os defensores de que as práticas jornalísticas sejam revistas, sobretudo a diferenciação entre a liberdade de imprensa e liberdade dos donos da imprensa, o que passa pela regulação da mídia, a eficiência de governos e o poder da sociedade em conter a formação e o reinado de oligopólios midiáticos – em que interesses econômicos e políticos sobrepõem-se ao interesse público.
O professor Venício Artur de Lima, em entrevista ao Terra Magazine, considera que apesar de haver códigos de ética nas redações dos jornais, o comportamento que violou direitos individuais era originado de uma atividade empresarial, pois tinha o conhecimento dos proprietários do jornal, e não somente de um ou outro jornalista.
Ele vê no episódio a comprovação de que comissões autorregulatórias, como as que existem na Inglaterra, não bastam para coibir abusos. Segundo ele, há inúmeras comprovações de que a autorregulação é necessária, mas de caráter complementar a uma regulação feita por mecanismos democráticos.
Venício considera inadiável a regulação da mídia no Brasil, mas por motivos claros, o debate não progride porque os grupos empresariais do setor não têm interesse.
"Nem mesmo o Conselho de Comunicação Social, como órgão auxiliar do Congresso Nacional, sem qualquer poder deliberativo, nem isso, que foi regulamentado em 1991, consegue funcionar", lamenta, lembrando que o órgão foi instalado pela primeira vez em 2002, funcionou não mais do que precariamente e por curtos períodos. "É uma vergonha", lamentou o professor.
Murdoch foi ouvido nesta terça-feira (19) pelo Comitê de Cultura, Mídia e Esportes da Câmara dos Comuns do Parlamento britânico para se defender das acusações de escutas telefônicas ilegais que envolveram seu grupo de mídia. O empresário lamentou não ter agido antes para evitar a proporção da crise. Mas negou alguma responsabilidade direta pelos escândalos.
Os grampos feitos pelos jornais do grupo foram de celebridades a políticos britânicos, como o ex-primeiro ministro, Gordon Brown, passando também por Alex Pereira, primo do brasileiro Jean Charles de Menezes, morto por engano pela polícia londrina em 2006.
O jornalista Alberto Dines, em artigo no Observatório da Imprensa, considerou promíscua a relação da imprensa – neste caso, os veículos de Murdoch – com o poder econômico . "A promiscuidade da imprensa com o poder econômico é ruinosa para ambos. Murdoch vive desta promiscuidade, cresceu graças a ela", escreveu Dines.
Dines afirma que o australiano conseguiu acabar com a credibilidade da instituição jornalística porque os órgãos de controle nos EUA e no Reino Unido – encarregados de desativar oligopólios – não o impediram. "Se Murdoch atuasse no segmento da aviação comercial ou da indústria farmacêutica, mesmo que fosse mais inescrupuloso do que é, não teria chegado aonde chegou", observou.
Reproduzido do clipping FNDC
Leia "Murdoquinho e Murdocão: uma dupla que não convence" no Blog do Velho Mundo na Rede Brasil Atual clicando aqui, e também "Rupert Murdoch: um império na alça da mira" clicando aqui. Por Flávio Aguiar.
Leia também "News Corp. ficará mais forte após escândalo', diz Murdoch", por Parbul revista Veja, no FNDC, clicando aqui,
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