sexta-feira, 10 de junho de 2011

Agência não deveria se antecipar ao marco regulatório


Estamos vivendo um momento curioso em relação às normas legais no país, em que as agências reguladoras, por omissão do Congresso Nacional, acabam ocupando os espaços de vazio legal e tentam criar normas – para o bem e para o mal. “São coisas que acontecem no nosso país e que me parece importante ver de uma perspectiva mais ampla”, destaca Venício Lima, professor e pesquisador em Políticas de Comunicação.

Desde que a Anatel anunciou, no início do mês, uma proposta de novo regulamento para a TV a Cabo, o assunto tem sido alvo de críticas. A proposição da Agência foi colocada em consulta pública (acesso aqui, consultas 30 a 33) atropelando a constituição do marco regulatório que vem sendo traçado em conjunto – sociedade civil e governo –, a duras custas, mas que tenta fazer os nexos com a lei das telecomunicações. Ao apresentar um novo regulamento de forma isolada, a Anatel parece estar atendendo a interesses específicos, reflete o pesquisador.

De acordo com Venício, uma modificação dessa magnitude, com as implicações que tem, vai além da competência da Anatel. “Acho que isso deveria ser objeto de legislação aprovada no Congresso Nacional, especificamente modificando a Lei do Cabo”, avalia o pesquisador. Ele lembra que tramita desde 2007, no Congresso Nacional –  agora na CCJC do Senado – o PLC 116 que regulamenta o mercado de TV por assinatura. A formulação legal tramita no Congresso desde 2007, esbarra numa série de obstáculos, já foi modificada uma série de vezes e não consegue ter uma versão final, uma aprovação.

Isso tudo ocorre, segundo Venício, num momento em que “mais do que tardiamente” está em pauta a discussão de um marco regulatório amplo, compreensivo para a nova realidade desse campo, que é alterada, do ponto de vista tecnológico, pela convergência de mídias - resultado da revolução digital. No Brasil, ou não tem regulação para a área, ou tem e está totalmente superada. Para o pesquisador, deverá haver contestação legal da decisão que a Anatel está tomando. A própria conselheira Emília Ribeiro, da Agência, considera o risco (leia aqui).

Há algum tempo, reflete Venício, também o Supremo Tribunal Federal (STF) tem avançado em áreas onde há forte interesse privado – na omissão do Congresso Nacional -, ocupando o vazio legal que existe. Ele cita como exemplo, na área da comunicação, o que aconteceu com a lei de imprensa e com o diploma de jornalista, em que o Supremo substituiu o Congresso Nacional para atender interesses privados fortes.

Ambiguidade e timidez

Estamos no sexto mês de governo (da presidente Dilma Rousseff), que, até agora, tem se apresentado (em termos de políticas públicas de comunicação) ambíguo e muito tímido. Venício cita como exemplo da ambiguidade uma situação criada no início do ano a partir de declarações do ministro Paulo Bernardo sobre a questão da propriedade cruzada e a convergência de mídias (leia aqui).

A grande expectativa pela apresentação de um projeto de marco regulatório para o setor, criado já tardiamente ao final do governo Lula, segundo o pesquisador, ainda não se concretizou. Isso não quer dizer que um observador não reconheça que algumas coisas estão sendo feitas. “Preciso registrar o fato de que há poucos dias, o ministério finalmente recolocou para acesso público um cadastro geral (aqui) de concessionários de radiodifusão. Isso que parece uma coisa anedótica para um observador de outro país democrático, no nosso caso é uma questão séria do ponto de vista histórico, é um fato muito importante”, finaliza.

Ana Rita Marini
10 jun 2011

Reproduzido do FNDC.

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