domingo, 6 de fevereiro de 2011

Homo Videns: Televisão e Pós-pensamento, de Giovanni Sartori


Liberais contra a TV?

Nos anos 1970/80, era da esquerda — em especial a marxista — que procediam as críticas mais ferozes aos media, particularmente à televisão. Na esteira da Escola de Frankfurt (Adorno, Horkheimer e Marcuse), alguns estudiosos e ideólogos denunciavam a "indústria cultural" como serviçal do capitalismo, não menos que a ciência e a técnica. Outros, seguindo Althusser, viam a televisão como mero "aparato ideológico do Estado", que, tal como a escola, tinha por objetivo "inculcar" a ideologia dominante. E havia também os que, apegados ao conceito de "indústria da consciência", elaborado por Hans Magnus Enzensberger, vislumbravam um caminho de mão dupla: os "meios de comunicação de massa" podiam, sim, ser utilizados em sentido "emancipatório", isto é, numa perspectiva socialista — a bem da verdade, algo que os seguidores de Gramsci, por sua vez aferrados ao conceito de "hegemonia", já tinham percebido bem antes do ensaísta e poeta alemão.

A partir dos anos 90, porém, ocorre um deslocamento ideológico da crítica. Curiosamente, agora são os liberais a tomar a televisão como alvo de tiro. Tudo começou com o filósofo Karl Popper, um dos maiores epistemólogos do século XX, abominado pelos marxistas por seu suposto "positivismo" e malvisto pelos conservadores por sua impaciência com as ideologias, as religiões e a metafísica. Defendendo a criação de "uma lei para a televisão" (cf. Televisão: Um Perigo para a Democracia, Gradiva, 1995), o teórico da "sociedade aberta" chegou a reivindicar uma maior presença dos organismos de Estado em relação à TV (logo ele, politicamente um liberal!).

Apesar de lhe terem atribuído a exigência de censura, o que Popper realmente queria era chamar a atenção para um ponto essencial: na democracia não há poder político sem algum controle. E a TV, dizia o filósofo, exerce um tremendo poder político, "potencialmente o mais importante de todos, como se tivesse substituído a voz de Deus". Para Popper, esse meio "adquiriu um poder demasiado vasto" — e nenhuma democracia pode sobreviver a tal "onipotência".

Não é insensato afirmar que todos os poderes políticos, numa democracia, devem ter alguma forma de controle público. O que se discute é quem exercerá esse controle para que se evitem excessos. No caso da TV, o Estado, embora sendo o poder concessor, certamente não é a melhor indicação, mesmo sob governos democráticos (nas ditaduras, pior ainda). A solução talvez seja a auto-regulamentação, isto é, atribuir essa responsabilidade às próprias empresas de comunicação e aos profissionais que nela trabalham, ou adotar a co-regulamentação, envolvendo, além dos empresários do setor, representantes de organizações não governamentais e outras entidades sociais etc. De qualquer modo, o importante é ter em conta que os excessos podem ser punidos a posteriori — medida, convenhamos, mais civilizada que censurar".

Orlando Tambosi

Publicado originalmente em Estudos de Jornalismo e Mídia, Florianópolis, Editora Insular, vol. I, Semestre I/2004.

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