O estranho mundo dos midiotas
Por Luciano Martins Costa em 06/03/2015
na edição 840
Comentário para o programa radiofônico
do Observatório, 6/3/2015
Se você lê
jornais e assiste ao noticiário televisivo, e além disso leva em conta os
comentários dos especialistas em generalidades que proliferam nas emissoras de
rádio e acompanha sofregamente tudo que circula nas redes sociais digitais,
pode estar certo de que você está incurso no arco de seres humanos que estão
sendo estudados pelos especialistas em comunicação de algumas das melhores
universidades do mundo. Esse espectro vai do indivíduo profundamente elaborado,
que é capaz de filosofar sobre o mundo midiatizado, ao perfeito midiota.
O contexto
teórico considerado por esses estudiosos tem como objeto o que em língua
inglesa se chama “media literacy” e que, em português, é chamado,
principalmente no núcleo de estudos específicos da Universidade de São Paulo,
como Educomunicação. Trata, como se pode depreender, de uma educação especial
que habilita o indivíduo a entender o conteúdo da mídia e formular sua própria
opinião a respeito dos assuntos abordados. O pressuposto de tal disciplina é
que a mídia tem uma função social que vai muito além da tecnologia e dos
recursos financeiros usados para fazer com que aconteça a comunicação.
O professor
Thomas Bauer, responsável pela cadeira de Cultura da Mídia e Educação pela
Mídia na Universidade de Viena, observa que essa função dos meios deve
extrapolar o conceito de troca de informações passando por um filtro
(mediação), para o propósito de contribuir para a construção de uma ordem
social baseada na diversidade. Além de balizar a organização da ordem social,
juntamente com outras instituições e entidades formais ou informais, a mídia
deve participar das negociações entre os indivíduos, isoladamente ou em grupos,
e entre si, para que se obtenha uma sociedade sustentável.
Uma proposta de
educação que considere o papel da mídia como tal deve, segundo Bauer, apontar
para a conquista da competência de distinção do significado de diferentes
situações, em termos de ética, estética e benefício potencial. Numa
circunstância ideal, a sociedade sustentável conta com pessoas capazes e
responsáveis pelo uso da mídia como meio de comunicação e conexão social, e não
apenas como clientes a serem convencidos disto ou daquilo.
Uns e outros
Como no
“vidiota” do romance de Jerzy Kosinski que inspirou o filme intitulado Muito além do jardim, a intensa exposição à mídia, sem o contraponto do senso
crítico, pode ser uma prática perigosa. O indivíduo habilitado para interpretar
a narrativa e o discurso propostos pela mídia nesse papel é também capaz de
questionar o sentido que a mídia propõe para os acontecimentos do cotidiano.
Um grande
contingente de cidadãos em condições de distinguir os vários significados das
situações que a imprensa lhes apresenta será mais senhor de seu destino e se
tornará menos vulnerável a discursos manipuladores e demagógicos.
O dilema está
no fato de que esse benefício depende em grande parte de uma determinação da
mídia hegemônica de usar seus recursos eticamente e com grande empenho
estético. O problema se complica quando a própria imprensa faz escolhas
contrárias à ética, esteticamente inadequadas e fora do propósito do bem, com o
objetivo de usar a conectividade social que lhe é atribuída para arregimentar
adeptos a um modo de vida simbólico que contraria o interesse coletivo.
Claro que tudo
isso pressupõe a existência de interesses coletivos em meio a idiossincrasias
individuais, mas o problema se resolve com a observação segundo a qual a
sociedade se forma por meio da comunicação, produtora de sentido – portanto,
criadora de cultura.
Uma maneira
simples de avaliar se determinado meio contribui para este ou aquele tipo de
sociedade é observar se suas mensagens estimulam, por exemplo, uma cultura de
paz ou a violência; se propõe uma visão tolerante das diferenças ou se investe
no confronto.
É da
modernidade supor que o indivíduo se torna responsável por suas escolhas, ou,
em outra acepção, no uso de suas vontades fortes ou fracas. Portanto, parte da
responsabilidade pelo que se processa no ecossistema midiático compete à mídia,
mas o arbítrio ainda é do cidadão.
Quando dizemos
que “você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito”, estamos apostando que,
exercitando a observação crítica da imprensa, o indivíduo se educa para a
mídia. Essa distinção de habilidades é o que faz, de uns, midialiteratos e, de
outros, no ponto extremo do que acreditam em tudo que leem, midiotas.
Reproduzido de Observatório
da Imprensa
06 mar 2015
Comentário de Filosomídia:
E, pelas telinhas do mundo e no Brasil da globobocalização, postam-se os vidiotas...