quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Sobre o Prêmio dado a Wiliam Bonner...


Graça Lago deveria entrar na Justiça para proibir o nome do pai numa ‘farsa’?

Kiko Nogueira

O desabafo contundente da filha de Mário Lago sobre o prêmio conferido a William Bonner no Faustão esbarra num problema: o “Troféu” Mario Lago é apenas mais uma piada do programa. Disfarçada, mas piada. O equivalente ao Troféu Imprensa do Silvio Santos.

“Meu pai, Mário Lago, merece respeito! Enojada e revoltada com a farsa que foi o Prêmio Mário Lago 2014. Com a audiência do Jornal Nacional despencando, o premiado foi o editor geral do panfleto global”, ela escreveu no Facebook. “Lá no infinito, papai e mamãe devem ter ficado muito revoltados. E atenção, Rede Globo, não sou instrumentalizada por ninguém ou por nada. Sei pensar, refletir, fazer escolhas, opinar, me posicionar”.

Quem vota nos indicados? Durante quanto tempo? Quantos são? Votação aberta ou fechada? Ninguém jamais ficará sabendo porque não é essa a intenção.

A única informação sobre o modus operandi da coisa foi dada pelo apresentador no site oficial: “O Troféu tem um critério, um conceito. A pessoa precisa ter uma longa ficha de serviços prestados. Tem que ser uma pessoa com a importância, pelo trabalho, dignidade, ética… por tudo aquilo que representa a figura do Mário Lago”, disse Faustão. São ideias elásticas, vindas de um apresentador que se especializou em chamar qualquer mané que vá ao seu estúdio de “grande figura humana”.

A tal premiação é mais um ato de autocongratulação da Globo. A emissora, porém, dá a isso ares de solenidade. Pobre público dominical. O próprio Bonner, ao receber a estatueta (feita por Hans Donner, talvez?) das mãos de Fernanda Montenegro, vencedora do ano anterior, afirmou que “em sonho nenhum eu poderia imaginar que aconteceria isso.” Em seguida,  ajoelhou-se diante dela, teatral.

O negócio foi criado em 2001 com o nome originalíssimo de “Conjunto da Obra” e dado a Mario Lago, que morreria logo depois e acabaria por batizar o evento.

Desde então, a lista de ganhadores vai de Glória Menezes a Tarcisio Meira, passando por Hebe Camargo, Regina Duarte e Roberto Carlos. Bonner é o primeiro jornalista a fazer parte desse rol. Tire suas conclusões. No ano que vem, ninguém deve se surpreender se Arnaldo Jabor subir ao palco por sua contribuição para o apocalipse.

Graça Lago tem sua razões para se indignar. Mario Lago, um homem de esquerda, provavelmente, não concordaria com o resultado. Se estaria rindo ou furioso, jamais saberemos. Fica uma sugestão: que ela entre na Justiça para proibir que o nome do velho seja ligado a uma palhaçada.

Comentário postado por Graça Lago:

Primeiro, me apresento - sou Graça Lago, filha de Mário Lago, tenho 63 anos, 50 de militância política e 46 de jornalismo. O prêmio com o nome de papai foi instituído em 2002, ano da morte dele, e parecia uma homenagem bacana à memória dele. Nada grandioso, nem um pouco espetacular, apenas um prêmio corriqueiro de uma emissora de TV (onde ele trabalhou muitos anos) e destinado a homenagear artistas, principalmente atores. Nada especial, mas que poderia manter a sua lembrança viva. Bacana. Nunca nos consultaram sobre isso, mas confesso que fiquei profundamente emocionada quando, passados sete meses da morte de papai, foi anunciado o prêmio, com um belo clipping sobre a trajetória dele e dedicado à grande atriz e pessoa de Laura Cardoso. Durante todos esses anos, o prêmio se manteve em um patamar honesto, com homenagens a diferentes artistas. Ainda que não concordasse com um ou outro, nenhum ofendia a memória de papai; nem na escolha e nem na cerimônia, é importantíssimo registrar.

Mas, desta vez, foi tudo diferente, foi tudo armado e instrumentalizado (como quer o bonner) para fazer da premiação um ato político, de defesa das orientações facciosas da globo e de seu principal (embora decadente) telejornal. Foi uma pretensa maneira de usar o prêmio para abafar as críticas que a partidarização do JN e de seu editor/apresentador vêm recebendo.

Em tudo o prêmio fugiu aos seus propósitos originais. Bonner não é um artista, a não ser na arte de manipular e omitir os fatos. O evento virou um circo de elogios instrumentalizados. Enaltecer a "imparcialidade" com que ele e sua parceira conduziram as entrevistas com os presidenciáveis é esquecer que ele não deu espaço para uma só resposta de Dilma Rousseff; é esquecer que ele e sua parceira ocuparam mais da metade do tempo estipulado para a entrevista com a presidenta. É esquecer que esse tratamento não foi dedicado a qualquer outro entrevistado. É esquecer que, mesmo no auge das denúncias sobre os escândalos dos aeroportos de Cláudio e Montezuma, o sr. Aécio não foi pressionado nem um terço do que foi Dilma Rousseff para explicar os flagrantes delitos dos empreendimentos. É esquecer que, mesmo frente às denúncias da ilegalidade do jato de Eduardo Campos, a sra. Marina não teve qualquer questionamento contundente (e viajava, sim, no jato). Isso para não falar de mil e outros atos de atentado à informação praticados no JN, como bem foi demonstrado pelo laboratório da UERJ.

Mas não parou aí. Ouvir o bonner criticar as redes sociais revirou o meu estômago. Ouvir o bonner chamar os que o criticam, e à Globo, de robôs instrumentalizados é inqualificável. É um atentado à democracia.

Tudo demonstra que o prêmio, criado talvez até por força de uma admiração por meu pai, foi usado este ano politicamente, para proteger com a respeitabilidade e memória de Mário Lago o que não tem respeito, nem nunca terá. Se a intenção foi política, politicamente me manifestei.

Não poderia ouvir calada todas essas imensas ofensas à memória de meu pai. Meu pai era um homem político, e assim se manifestava e comportava cotidianamente. Não aceitaria, jamais, ser manipulado por excrecências como essa. Vi meu pai recusar propagandas bem remuneradas por discordar politicamente delas. Sempre trabalhou e ganhou o seu salário com a maior decência.

Por sua postura, mereceu a admiração e o respeito até de homens como Roberto Marinho. No final dos anos 60, o Exército informou à Globo que queria papai como apresentador das Olimpíadas do Exército. Seria uma maneira de humilhá-lo, de jogar no lixo a sua biografia. Roberto Marinho recusou o pedido justificando da seguinte forma: "se o Mário recusar, terei que demiti-lo; se o Mário aceitar, perderei o respeito por ele". Meio século depois, a Globo tentou jogar no lixo a biografia do meu pai. A isso digo não e me manifesto publicamente sobre a imensa farsa montada nesta premiação do jornalismo mais instrumentalizado e faccioso deste país.


23 dez 2014

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