Uma farsa óbvia e mal ensaiada
Paulo Moreira Leite
24 de outubro de 2014
Golpe midiático do doleiro Yousseff, que
admite que não pode provar o que diz, dará mais argumentos à regulamentação da
mídia
Numa tradição
que confirma a hipocrisia das conversas de palanque sobre alternância de poder,
os escândalos eleitorais costumam ocorrer no país sempre que uma candidatura
identificada com os interesses da maioria dos brasileiros ameaça ganhar uma
eleição.
Não tivemos
“balas de prata” — nome que procura dar ares românticos a manobras que são
apenas sujas e vergonhosas — para impedir as duas eleições de Fernando Henrique
Cardoso nem a vitória de Fernando Collor. Mas tivemos tentativas de golpes
midiáticos na denúncia de uma ex-namorada de Lula em 1989; no terror financeiro
contra Lula em 2002; na divulgação ilegal de imagens de reais e dólares
clandestinos dos aloprados; e numa denúncia na véspera da votação, em
2010, para tentar comprometer Dilma Rousseff com dossiês sobre adversários do
governo.
Em outubro de
2014, quando a candidatura de Dilma Rousseff avança em direção às urnas com uma
vantagem acima da margem de erro nas pesquisas de intenção de voto, VEJA chega
às bancas com uma acusação de última hora contra a presidente e contra Lula.
Comentando o teor da reportagem, Lula declarou ao 247:
— A VEJA é a
maior fábrica de mentiras do mundo. Assim como a Disney produz diversão para as
crianças, a VEJA produz mentiras. Os brinquedos da Disney querem produzir
sonhos. As mentiras da VEJA querem produzir ódio, disse ao 247.
O mais novo
vazamento de trechos dos múltiplos depoimentos do doleiro Alberto Yousseff
expressa uma tradição vergonhosa pela finalidade política,
antidemocrática pela substância. Não, meus amigos. Não se quer informar a
população a partir de dados confiáveis. Também não se quer contribuir com um
único grama para se avançar no esclarecimento de qualquer fato comprometedor na
Petrobrás. Sequer o advogado de Yousseff reconhece os termos do depoimento.
Tampouco atesta sua veracidade sobre a afirmação de que Lula e Dilma sabiam das
“tenebrosas transações” que ocorriam na empresa, o que está dito na capa da
revista.
Para você ter
uma ideia do nível da barbaridade, basta saber que, logo no início,
admite-se que só muito mais tarde, através de uma investigação completa, que
ninguém sabe quando irá ocorrer, se irá ocorrer, nem quando irá terminar,
“se poderá ter certeza jurídica de que as pessoas acusadas são culpadas.”
Não é só.
Também se admite que Yousseff “não apresentou provas do que disse.”
Precisa mais?
Tem mais.
Não se ouviu o
outro lado com a atenção devida, nem se considerou os argumentos contrários com
o cuidado indispensável numa investigação isenta.
O que se quer é
corromper a eleição, através de um escândalo sob encomenda, uma farsa óbvia e
mal ensaiada. Insinua o que não pode dizer, fala o que não pode demonstrar,
afirma o que não conferiu nem pode comprovar.
Só o mais
descarado interesse pelos serviços políticos-eleitorais que poderia prestar na
campanha presidencial permitiu a recuperação de um personagem como Alberto
Yousseff. Recapitulando: há uma década ele traiu um acordo de delação premiada
numa investigação sobre crimes financeiros, e jamais poderia ter sido levado a
sério em qualquer repartição policial, muito menos numa redação de jornalistas,
antes que cada uma de suas frases, cada parágrafo, cada palavra, fosse
submetida a um trabalho demorado de investigação. Até lá, deveria ser colocada
sob suspeita. Mas não. Um depoimento feito há 48 horas, contestado pelo
advogado, por um cidadão que não é conhecido por falar a verdade, virou capa de
revista. Que piada.
Isso ocorre
porque vivemos num país onde, 30 anos depois do fim da ditadura militar, os
inimigos do povo conquistaram direito a impunidade. Esse é o dado real.
Sabemos, por
exemplo, que se houvesse interesse real para investigar e punir os casos de
corrupção seria possível começar pelo mensalão do PSDB-MG, pelo propinoduto do
metrô paulista, pela compra de votos da reeleição.
As vítimas
daquilo que se pode chamar de erros da imprensa, mesmo quando se trata de
fabricações, não merecem sequer direito de resposta — no caso mais recente, o
ministro Gilmar Mendes segurou uma sentença contra a mesma VEJA com base numa
decisão liminar. Olha só.
Num país onde
as instituições são respeitadas e os funcionários públicos cumprem deveres e
obrigações, a Polícia Federal não poderia deixar-se usar politicamente dessa
maneira, num comportamento que compromete os direitos de cada cidadão e ordem
republicana.
Diante da
incapacidade absoluta de enfrentar um debate político real, com propostas e
projetos para o país, o que se pretende é usar uma investigação policial para
ganhar pelo tapetão aquilo que não se consegue alcançar pelas urnas — o único
caminho honesto para a defesa de interesses num regime democrático. Num país
onde a alternância no poder nunca passou do revezamento entre legendas
cosméticas, em 2014 os conservadores brasileiros são obrigados a encarar o
horizonte de sua quarta derrota eleitoral consecutiva, a mais dolorosa entre
todas. Depois de falar de alternância no poder, talvez fosse o caso de falar em
alternância de métodos, não é mesmo?
Imaginando que
estavam diante de uma campanha próxima de um passeio, com uma adversária
enfraquecida e sem maiores talentos oratórias, salvaram-se, por um triz, do
vexame de ficar de fora do segundo turno.
A verdade é que
não há salvação, numa democracia, fora do voto. Toda vez que se procura
interferir na vontade do eleitor através de atalhos, o que se produz são
situações de anormalidade democrática, onde o prejudicado é o cidadão.
Essas
distorções oportunistas cobram um preço alto para a soberania popular. Não há almoço
grátis — também na política.
O exercício de
superpoderes políticos tem levado a Polícia Federal a se mobilizar para se
transformar numa força autônoma, que escolhe seu diretor-geral que não presta
contas a ninguém a não a ser a seus próprios quadros.
O melhor
exemplo de uma organização capaz de funcionar dessa maneira foi o FBI
norte-americano, nos tempos de John Edgar Hoover. Instalado durante longos 49
anos no comando da organização, Hoover colecionava dossiês, fazia chantagens e
perseguições a políticos à direita e à esquerda. Agia por conta própria e
também atendia pedidos que tinha interesse em atender — mas recusava aqueles
que não lhe convinham. Era o chefe de uma pequena ditadura policial. Lembra de
quem usava essa palavra?
Da mesma forma,
os golpes midiáticos só podem ocorrer em países onde os meios de comunicação
têm direito a atirar primeiro para perguntar depois, atingindo cidadãos e
autoridades que não tem sequer o clássico direito de resposta para recompor as
migalhas de uma reputação destruída pela invencionice e falta de escrúpulos.
Não custa lembrar. Graças a um pedido de vistas providencial do ministro do STF
Gilmar Mendes, VEJA deixou de cumprir um direito de resposta em função da
publicação de “fato sabidamente inverídico.”
A imprensa erra
e fabrica erros sem risco algum, o que só estimula uma postura arrogância e
desprezo pelos direitos do eleitor. Imagine você que hoje, quando a própria
revista admite que publicou uma denúncia que não pode provar, é possível
encontrar colunistas que já falam em impeachment de Dilma. Está na cara
que eles já perderam a esperança de eleger Aécio.
Mas cabe
respeitar o funcionamento da Justiça, o prazo de investigações e tudo mais. Ou
vamos assumir desde já que o golpe midiático é golpe mesmo?
Com esse comportamento,
a mídia brasileira prepara o caminho de sua destruição na forma que existe
hoje. Como se não bastassem os números vergonhosos do Manchetômetro, que
demonstram uma postura parcial e tendenciosa, o golpe da semana só fará
aumentar o número de cidadãos e de instituições convencidos de que a
sobrevivência da democracia brasileira depende, entre outras coisas, que se
cumpra a legislação que regula o funcionamento da mídia. Está claro que este
será um debate urgente a partir de 2015.
Reproduzido de Paulo
Moreira Leite
24 out 2014
Comentário de Filosomídia:
Com certeza que
Dilma deveria criar um programa super especializado dentro do Mais Médicos:
Mais Psiquiatras! Essa turma - da #VejaBandida, Rede
Globo, PSDB e companhia - merece atendimento prioritário! Taca-le camisa de
força neles!
Fonte: Estadão
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