sexta-feira, 11 de abril de 2014

Nos EUA, a confirmação da mão de Roberto Marinho nos bastidores da ditadura


Nos EUA, a confirmação da mão de Roberto Marinho nos bastidores da ditadura

No dia 14 de agosto do 1965, ano seguinte ao golpe, o então embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon, enviou a seus superiores um telegrama então classificado como altamente confidencial – agora já aberto a consulta pública. A correspondência narra encontro mantido na embaixada entre Gordon e Roberto Marinho, o então dono das Organizações Globo. A conversa era sobre a sucessão golpista.

Por Helena Sthephanowitz, para a Rede Brasil Atual

Embaixador Gordon descreve em detalhes ao Departamento de Estado dos EUA a influência de Marinho

Segundo relato do embaixador, Marinho estava “trabalhando silenciosamente” junto a um grupo composto, entre outras lideranças, pelo general Ernesto Geisel, chefe da Casa Militar; o general Golbery do Couto e Silva, chefe do Serviço Nacional de Informação (SNI); Luis Vianna, chefe da Casa Civil, pela prorrogação ou renovação do mandato do ditador Castelo Branco.

No início de julho de 1965, a pedido do grupo, Roberto Marinho teve um encontro com Castelo para persuadi-lo a prorrogar ou renovar o mandato. O general mostrou-se resistente à ideia, de acordo com Gordon.

No encontro, o dono da Globo também sondou a disposição de trazer o então embaixador em Washington, Juracy Magalhães, para ser ministro da Justiça. Castelo, aceitou a indicação, que acabou acontecendo depois das eleições para governador em outubro. O objetivo era ter Magalhães por perto como alternativa a suceder o ditador, e para endurecer o regime, já que o ministro Milton Campos era considerado dócil demais para a pasta, como descreve o telegrama. De fato, Magalhães foi para a Justiça, apertou a censura aos meios de comunicação e pediu a cabeça de jornalistas de esquerda aos donos de jornais.

No dia 31 de julho do mesmo ano houve um novo encontro. Roberto Marinho explica que, se Castelo Branco restaurasse eleições diretas para sua sucessão, os políticos com mais chances seriam os da oposição. E novamente age para persuadir o general-presidente a prorrogar seu mandato ou reeleger-se sem o risco do voto direto. Marinho disse ter saído satisfeito do encontro, pois o ditador foi mais receptivo. Na conversa, o dono da Globo também disse que o grupo que frequentava defendia um emenda constitucional para permitir a reeleição de Castelo com voto indireto, já que a composição do Congresso não oferecia riscos. Debateu também as pretensões do general Costa e Silva à sucessão.

Lincoln Gordon escreveu ainda ao Departamento de Estado de seu país que o sigilo da fonte era essencial, ou seja, era para manter segredo sobre o interlocutor tanto do embaixador quanto do general: Roberto Marinho.

Reproduzido de Barão de Itararé

14 abr 2014

E seu relato, Gordon menciona Marinho entre os cérebros da continuidade do golpe. E cita Milton Campos como muito respeitável, mas um 'gentleman'

Eleições diretas poderiam das margens para 'esquerdistas' como o marechal Lott; regime criaria eleição indireta

O histórico de apoio das Organizações Globo à ditadura não dá margens para surpresas. A diferença, agora, é confirmação documental.

Leia também:

(...) Roberto Marinho afirmando: “Sim, eu uso o poder”. (HERZ, 1987, p. 27).

Admissão pública do então presidente das Organizações Globo, se revela em 1987 quando ele se associa ao “banqueiro Amador Aguiar , dono do maior banco privado nacional” e, com esse gesto, “pretende passar a controlar telecomunicações via satélite no Brasil” (Idem, p. 27). Assim com o telejornalismo criando história juntos, o poder político-econômico andou de mãos dadas com essa empresa de comunicação.

Herz situa a Rede Globo como uma das empresas que são as “forças sociais que controlam os meios de comunicação de massa no Brasil” (Idem,p. 16). As Organizações Globo são um dos maiores conglomerado de mídia do mundo, e sua atuação vai muito mais além do que a televisão.

Barbosa e Ribeiro analisam sobre a hegemonia da Rede Globo, defendem que ao telejornalismo global coube

“constituir, simbolicamente, a atualidade imediata, fazendo com que temas dominantes na discussão cotidiana fossem os transmitidos em rede para todo o país. Toda a programação da Rede Globo de Televisão, incluindo o formato narrativo de seus telejornais, tinha por objetivo ‘falar diretamente ao povo’, inserindo-o numa ampla rede simbólica, com fortes doses de emoção ou apelo aos valores patrióticos’, isso ‘sob um regime de repressão como o implantado em 1964, a TV passou ser a voz, o espaço, a liberdade possível naquele momento” (BARBOSA E RIBEIRO In BRITTOS e BOLAÑO, 2005, p. 210).

As autoras defendem que a transmissão de notícias da atualidade em rede teria uma “função claramente política” e, mais ainda, o sentido de criar uma identidade nacional em uma sociedade consumidora de notícias, de ideias/pensamentos e, quem sabe, conhecimento. Aos espectadores dos telejornais caberiam esperar “todos os dias e à mesma hora, as imagens do que acontecia no Brasil e no mundo” (Idem, p. 211). Isso parece remeter à ideia de rebanho reunido, de um pensamento hegemônico que aquela empresa de comunicação assumia a tarefa de consolidar através de sua programação e, de seus telejornais. E, desde 1965 a Rede Globo vem fazendo isso, e muito bem.

SILVA, Leopoldo Nogueira e. Telejornais e crianças no Brasil: a ponta do iceberg. Dissertaçãode mestrado. PPGE/UFSC. 2011. Pág. 88-89.

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HERZ, Daniel. A história secreta da Rede Globo. Porto Alegre: Tche! 1987.

BARBOSA, Marialva; RIBEIRO, Ana Paula Ribeiro. Telejornalismo na Globo. In BRITTOS, V. C. e BOLAÑO, C. R. S. (org). Rede Globo – 40 anos de hegemonia e poder. São Paulo: Paulus, 2005.

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