Uma breve história da luta da grande
mídia contra os interesses nacionais
Leandro Severo
Adital
Em 1941,
enquanto milhões de homens e mulheres derramavam seu sangue pela liberdade nos
campos da Europa e da União Soviética, a elite dos círculos financeiros dos
Estados Unidos já traçava seus planos para o pós-guerra. Como afirmou Nelson
Rockefeller, filho do magnata do petróleo John D. Rockefeller, em memorando que
apresentava sua visão ao presidente Roosevelt: "Independente do resultado
da guerra, com uma vitória alemã ou aliada, os Estados Unidos devem proteger
sua posição internacional através do uso de meios econômicos que sejam
competitivamente eficazes...” (COLBY, p.127, 1998). Seu objetivo: o domínio do
comércio mundial, através da ocupação dos mercados e da posse das principais
fontes de matéria-prima. Anos mais tarde o ex-secretário de imprensa do
Congresso americano, Gerald Colby, sentenciava sobre Rockefeller: "no
esforço para extrair os recursos mais estratégicos da América Latina com
menores custos, ele não poupava meios” (COLBY, p.181, 1998).
Neste mesmo
ano, Henry Luce, editor e proprietário de um complexo de comunicações que tinha
entre seus títulos as revistas Time, Life e Fortune, convocou os
norte-americanos a "aceitar de todo o coração nosso dever e oportunidade,
como a nação mais poderosa do mundo, o pleno impacto de nossa influência para
objetivos que consideremos convenientes e por meios que julguemos apropriados”
(SCHILLER, p.11, 1976). Ele percebeu, com clareza, que a união do poder
econômico com o controle da informação seria a questão central para a formação
da opinião pública, a nova essência do poder nacional e internacional.
Evidentemente
para que os planos de ocupação econômica pelas corporações americanas fossem
alcançados havia uma batalha a ser vencida: Como usurpar a independência de
nações que lutaram por seus direitos? Como justificar uma postura imperialista
do país que realizou a primeira insurreição anticolonial?
A resposta a
esta pergunta foi dada com rigor pelo historiador Herbert Schiller:
"Existe um poderoso sistema de comunicações para assegurar nas áreas
penetradas, não uma submissão rancorosa, mas sim uma lealdade de braços
abertos, identificando a presença americana com a liberdade – liberdade de
comércio, liberdade de palavra e liberdade de empresa. Em suma, a florescente
cadeia dominante da economia e das finanças americanas utiliza os meios de
comunicação para sua defesa e entrincheiramento onde quer que já esteja
instalada e para sua expansão até lugares onde espera tornar-se ativa”
(SCHILLER, p.13, 1976).
Foi exatamente
ao que seu setor de comunicações se dedicou. Estava com as costas quentes, já
que as agências de publicidade americanas cuidavam das marcas destinadas a
substituir as concorrentes europeias arrasadas pela guerra. O setor industrial
dos EUA havia alcançado um vertiginoso aumento de 450% em seu lucro líquido no
período 1940-1945, turbinado pelos contratos de guerra e subsídios
governamentais. Com esta plataforma invadiram a América Latina e o mundo.
Com o suporte
do coordenador de Assuntos Interamericanos (CIIA), Nelson Rockefeller, mais de
mil e duzentos donos de jornais latinos recebiam, de forma subsidiada,
toneladas de papel de imprensa, transportada por navios americanos. Além disso,
milhões de dólares em anúncios publicitários das maiores corporações eram
seletivamente distribuídos. É claro que o papel e a publicidade não vinham
sozinhos, estavam acompanhados de uma verdadeira enxurrada de matérias,
reportagens, entrevistas e releases preparados pela divisão de imprensa do
Departamento de Estado dos EUA.
A vontade de
conquistar as novas "colônias” e ocupar novos territórios como haviam
feito no século anterior, no velho oeste, não tinha limites. No Brasil,
circulava desde 1942, a revista Seleções (do Reader’s Digest), trazida por
Robert Lund, de Nova York. A revista, bem como outras publicações estrangeiras,
pagavam os devidos direitos aduaneiros por se tratarem de produtos importados,
mas solicitou, e foi atendida pelo procurador da República, Temístocles
Cavalcânti, o direito de ser editada e distribuída no Brasil, com o argumento
de ser uma revista sem implicações políticas e limitada a publicar conteúdos
culturais e científicos. Assim começou a tragédia.
Logo chegou o
grupo Vision Inc., também de Nova York, com as revistas Dirigente Industrial,
Dirigente Rural, Dirigente Construtor e muitos outros títulos que vinham
repletos de anúncios das corporações industriais. Um fato bastante ilustrativo
foi o da revista brasileira Cruzeiro Internacional, concorrente da Life
International, que apesar de possuir grande circulação, nunca foi brindada com
anúncios, enquanto a concorrente americana anunciava produtos que, muitas
vezes, nem sequer estavam à venda no Brasil.
Ficava claro
que os critérios até então estabelecidos para o mercado publicitário, como tempo
de circulação efetiva, eficiência de mensagem e comprovação de tiragem, de nada
adiantavam. O que estava em jogo era muito maior.
Um papel
importantíssimo na ocupação dos novos mercados foi desempenhado pelas agências
de publicidade americanas. McCann-Erickson e J. Warter Thompson eram as
principais e tinham seu trabalho coordenado diretamente pelo Departamento de
Estado. Para se ter uma ideia a McCann-Erickson , nos anos 60, possuía 70
escritórios e empregava 4619 pessoas, em 37 países, já a J. Warter Thompson
tinha 1110 funcionários, somente na sede de Londres. Os Estados Unidos tinham
46 agências atuando no exterior, com 382 filiais. Destas 21 agências em
sociedade com britânicos, 20 com alemães ocidentais e 12 com franceses. No
Brasil atuavam 15 agências, todas elas com instruções absolutamente claras de
quem patrocinar.
No início dos
anos 50, Henry Luce, do grupo Time-Life, já estava luxuosamente instalado em
sua nova sede de 70 andares na área mais nobre de Manhattan, negócio
imobiliário que fechou com Nelson Rockefeller e seu amigo Adolf Berle,
embaixador americano no Brasil na época do primeiro golpe contra o presidente
Getúlio Vargas. Luce mantinha fortes relações com os irmãos Cesar e Victor
Civita, ítalo-americanos nascidos em Nova Iorque. Cesar foi para a Argentina em
1941 onde montou a Editorial Abril, como representante da companhia Walt
Disney, já Victor, em 1950, chega ao Brasil e organiza a Editora Abril. Neste
mesmo período seu filho, Roberto Civita, faz um estágio de um ano e meio na revista
Time, sob a tutela de Luce e logo retorna para ajudar o pai.
Poucos anos
depois, o mercado editorial brasileiro está plenamente ocupado por centenas de
publicações que cantavam em prosa e verso o american way of life. Somente a
Abril, financiada amplamente pelas grandes empresas americanas, edita diversas
revistas: Claudia, Quatro Rodas, Capricho, Intervalo, Manequim, Transporte
Moderno, Máquinas e Metais, Química e Derivados, Contigo, Noiva, Mickey, Pato
Donald, Zé Carioca, Almanaque Tio Patinhas, a Bíblia Mais Bela do Mundo, além
de diversos livros escolares.
Em 1957, uma
Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados, comprova que "O
Estado de São Paulo”, "O Globo” e "Correio da Manhã” foram
remunerados pela publicidade estrangeira para moverem campanhas contra a
nacionalização do petróleo.
Em 1962, o
grupo Time-Life encontra seu parceiro ideal para entrar de vez no principal
ramo das comunicações, a Televisão. A recém fundada TV Globo, de Roberto
Marinho. Era uma estranha sociedade. O capital da Rede Globo era de 600 milhões
de cruzeiros, pouco mais de 200 mil dólares, ao câmbio da época. O aporte dado
"por empréstimo” pela Time-Life era de seis milhões de dólares e a empresa
tinha um capital dez mil vezes maior.
Como
denunciou o deputado João Calmon, presidente da Abert (Associação Brasileira de
Empresas de Rádio e Televisão): "Trata-se de uma competição irresistível,
porque além de receber oito bilhões de cruzeiros em doze meses, uma média de
700 milhões por mês, a TV Globo recebe do Grupo Time-Life três filmes de longa
metragem por dia – por dia, repito... Só um ‘package’, um pacote de três filmes
diários durante o ano todo, custa na melhor das hipóteses, dois milhões de
dólares” (HERZ, p.220, 2009).
O Brasil e o
mundo estão em efervescência. A tensão é crescente com revoluções vitoriosas na
China e em Cuba. A luta pela independência e soberania das nações cresce em
todos continentes e os EUA colocam em marcha golpes militares por todo o
planeta. A Guerra Fria está em um ponto agudo.
É nesse
quadro que a Comissão de Assuntos Estrangeiros do Congresso dos EUA, em abril
de 1964, no relatório "Winning the Cold War. The O.S. Ideological
Offensive” define:
"Por
muitos anos os poderes militar e econômico, utilizados separadamente ou em
conjunto, serviram de pilares da diplomacia. Atualmente ainda desempenham esta
função, mas o recente aumento da influência das massas populares sobre os
governos, associado a uma maior consciência por parte dos líderes no que se
refere às aspirações do povo, devido às revoluções concomitantes do século XX,
criou uma nova dimensão para as operações de política externa. Certos objetivos
dessa política podem ser colimados tratando-se diretamente com o povo dos
países estrangeiros, em vez de tratar com seus governos. Através do uso de
modernos instrumentos e técnicas de comunicação, pode-se hoje em dia atingir
grupos numerosos ou influentes nas populações nacionais – para informá-los,
influenciar-lhes as atitudes e, às vezes, talvez, até mesmo motivá-los para uma
determinada linha de ação. Esses grupos, por sua vez, são capazes de exercer
pressões notáveis e até mesmo decisivas sobre seus governos” (SCHILLER, p.23,
1976).
A ordem
estava dada: "informar”, influenciar e motivar. A rede está montada, o
financiamento definido.
O jornalista
e grande nacionalista, Genival Rabelo, exatamente nesta hora, denuncia no
jornal Tribuna da Imprensa do Rio de Janeiro: "Há, por trás do grupo
(Abril), recursos econômicos de que não dispõem as editoras nacionais, porém
muito mais importante do que isso está o apoio maciço que a indústria e as
agências de publicidade americanas darão ao próximo lançamento do Sr. Victor
Civita, a exemplo do que já fizeram com as suas 18 publicações em circulação,
bem como as revistas do grupo norte-americano Vision Inc.” (RABELO, p.38, 1966)
Mas é
necessário mais. É preciso enfraquecer, calar e quebrar tudo que seja contrário
aos interesses dos monopólios, tudo que possa prejudicar os interesses das
corporações. A General Eletric, General Motors, Ford, Standard Oil, DuPont,
IBM, Dow Chemical, Monsanto, Motorola, Xerox, Jonhson & Jonhson e seus
bancos J. P. Morgan, Citibank, Chase Manhattan precisam estar seguros para
praticar sua concorrência desleal, para remeter lucros sem controle, para
desnacionalizar as riquezas do país se apossando das reservas minerais.
Várias são as
declarações, nesta época, que deixam claro qual o caminho traçado pelos EUA.
Nas palavras de Robert Sarnoff, presidente da RCA – Radio Corporation of
America – "a informação se tornará um artigo de primeira necessidade
equivalente a energia no mundo econômico e haverá de funcionar como uma forma
de moeda no comércio mundial, convertível em bens e serviços em toda parte”
(SCHILLER, p.18, 1976). Já a Comissão Federal de Comunicações (FCC), em informe
conjunto dos Ministérios do Exterior, Justiça e Defesa, afirmava: "as
telecomunicações evoluíram de suporte essencial de nossas atividades
internacionais para ser também um instrumento de política externa” (SCHILLER,
p.24, 1976).
É
esclarecedor o pensamento do delegado dos Estados Unidos nas Nações Unidas,
vice-ministro das Relações Exteriores, George W. Ball, em pronunciamento na
Associação Comercial de Nova Iorque:
"Somente
nos últimos vinte anos é que a empresa multinacional conseguiu plenamente seus direitos.
Atualmente, os limites entre comércio e indústria nacionais e estrangeiros já
não são muito claros em muitas empresas. Poucas coisas de maior esperança para
o futuro do que a crescente determinação do empresariado americano de não mais
considerar fronteiras nacionais como demarcação do horizonte de sua atividade
empresarial” (SCHILLER, p.27, 1976).
A ação
desencadeada pelos interesses externos já havia produzido a falência de muitos
órgãos de imprensa nacionais e, por outro lado, despertado a consciência de
muitos brasileiros de como os monopólios utilizam seu poder de pressão e de
chantagem. Em 1963, o publicitário e jornalista Marcus Pereira afirmava em
debate na TV Tupi, em São Paulo: "Em última análise, a questão envolve a
velha e romântica tese da liberdade de imprensa, tão velha como a própria
imprensa. Acontece que a imprensa precisa sobreviver, e, para isso, depende do
anunciante. Quando esse anunciante é anônimo, pequeno e disperso não pode
exercer pressão, por razões óbvias. É o caso das seções de ‘classificados’ dos
jornais. Mas poucos jornais têm ‘classificados’ em quantidade expressiva. A
maioria dos jornais e a totalidade das revistas vivem da publicidade comercial
e industrial, dos chamados grandes anunciantes. Acho que posso parar por aqui,
porque até para os menos afoitos já adivinharam a conclusão” (RABELO, p.56,
1966).
Não é difícil
perceber o quanto a submissão aos interesses econômicos estrangeiros levou a
dita "grande mídia” brasileira a se afastar da nação. A se tornar, ao
longo dos anos, em uma peça chave da política do Imperialismo. Em praticamente
todos os principais momentos da vida nacional se inclinaram para o golpismo e a
traição. Já no primeiro golpe contra Getúlio, depois, contra sua eleição,
contra sua posse, contra a criação da Petrobrás, contra a eleição de Juscelino,
contra João Goulart, contra as reformas de base, apoiando a Ditadura, apoiando
a política econômica de Collor, apoiando Fernando Henrique e suas
privatizações, atacando Lula.
Hoje, ela
novamente tem lado: o das concessões de estradas, portos e aeroportos, o dos
leilões de privatização do petróleo e da necessidade da elevação das taxas de
juros, do controle do déficit público com evidentes restrições aos
investimentos governamentais, ou seja, da aceitação de um neoliberalismo
tardio.
Porque atuam
desta forma? Genival Rabelo deu a resposta: "Um industrial inteligente
desta cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro me fez outro dia, esta
observação, em forma de desafio: ‘Dou-lhe um doce, se nos últimos cinco anos
você pegar uma edição de O Globo que não estampe na primeira página uma notícia
qualquer da vida americana, dos feitos americanos, da indústria americana, do
desenvolvimento científico americano, das vitórias e bombardeios americanos. A
coisa é tão ostensiva que, muita vez, sem ter o que publicar sobre os Estados
Unidos na primeira página, estando o espaço reservado para esse fim, o
secretário do jornal abre manchete para a volta às aulas na cidade de Tampa,
Miami, Los Ángeles, Chicago ou Nova Iorque. Você não encontra a volta às aulas
em Paris, Nice, Marselha, ou outra cidade qualquer da França, na primeira
pagina de O Globo, porque, de fato, isso não interessa a ninguém. Logo, não
pode deixar de haver dólar por trás de tudo isso...’ Outro amigo presente, no
momento, e sendo homem de publicidade concluiu, deslumbrado com seu próprio
achado: ‘É por isso que O Globo não aceita anúncio para a primeira página. Ela
já está vendida. É isso. É isso!’. ‘E muito bem vendida, meu caro –arrematou o
industrial– A peso de ouro’ ” (RABELO, p.258, 1966).
Referências:
COLBY, G;
DENNETT, C. Seja feita a vossa vontade:
a conquista da Amazônia, Nelson Rockefeller e o evangelismo na idade do Petróleo.
Tradução: Jamari França. Rio de Janeiro: Record, 1998.
HERZ, D. A história secreta da Rede Globo. Porto
Alegre: Dom Quixote, 2009. Coleção Poder, Mídia e Direitos Humanos.
RABELO, G. O Capital Estrangeiro na Imprensa
Brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.
SCHILLER, H.
I. O Império norte-americano das
comunicações. Tradução: Tereza Lúcia Halliday Petrópolis: Vozes, 1976.
Reproduzido
de Adital
18 jul 2013