sábado, 21 de julho de 2012

Resenha do livro de Venício Lima: Políticas de Comunicações - um balanço dos governos Lula (2003-2010)


Lula não enfrentou os barões da mídia

Resenha de Altamiro Borges
Teoria e Debate
20/07/2012

O professor Venício A. de Lima é um dos maiores especialistas em comunicação do Brasil. Já produziu centenas de artigos e vários livros sobre o tema. Intelectual rigoroso e refinado, também é um ativo militante da luta pela democratização da mídia. Nessa longa jornada, porém, mostra-se pessimista quanto aos avanços alcançados nessa área estratégica. No seu mais recente livro, Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), conclui que o setor continua altamente monopolizado e com enorme poder de manipulação sobre a agenda política do país.


Para ele, o ex-presidente operou mudanças progressistas em vários setores da sociedade, mas não conseguiu enfrentar o poder dos barões da mídia. “Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao fim de seus dois mandatos presidenciais exibindo recordes mundiais de aprovação popular… Não há dúvida de que foi um governo bem-sucedido.” Mas, quando se analisam os dados sobre o campo das comunicações, o autor conclui que o resultado foi frustrante. “A maioria das propostas de políticas públicas que segmentos populares da sociedade civil organizada consideram avanços – embora haja importantes exceções – não logrou sucesso nos oito anos dos governos Lula. Ao contrário, muitas propostas foram abandonadas ou substituídas por outras que negam as intenções originais.”

O livro reúne 89 artigos que foram publicados originalmente nos sítios do Observatório da Imprensa e da Carta Maior no período de agosto de 2004 a dezembro de 2010. Faz um balanço minucioso dos embates travados entre os governos Lula e os impérios midiáticos em várias frentes da comunicação, com seus avanços e recuos. Um destaque é para o tema estratégico da regulação da mídia. Conforme aponta Venício, o ex-presidente até tentou pautar o debate sobre o novo marco regulatório. Montou três comissões interministeriais sobre o tema, apresentou os projetos de criação do Conselho Federal de Jornalismo e da Ancinav, incluiu itens sobre o direito à comunicação no III Programa Nacional de Direitos Humanos, entre outras iniciativas.

No geral, porém, o governo não teve forças para promover as necessárias mudanças nesse setor. Os barões da mídia, que contam com expressiva bancada no Congresso Nacional e seduzem e atemorizam a sociedade com sua capacidade de incidir sobre a agenda política e de influenciar a subjetividade social, conseguiram barrar até mesmo a regulamentação dos artigos já inscritos na Constituição de 1988. Maior prova desse fiasco é que quase nada foi feito para inibir a concentração da propriedade, a formação de monopólios e a aberração da propriedade cruzada – que é vetada até mesmo nos EUA. Enquanto em vários países da América do Sul o debate sobre a democratização da comunicação deu passos significativos, no Brasil ele ficou empacado.

Venício até aponta algumas mudanças que ocorreram no setor nesses oito anos. Cita o positivo processo de descentralização da publicidade oficial, elevando de 499 para 7.047 o número de veículos beneficiados; a realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que envolveu milhares de pessoas nesse debate pedagógico, apesar do boicote autoritário dos principais impérios midiáticos; a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), um primeiro passo rumo à construção de um sistema público, conforme o que está inscrito na Constituição Federal; e o lançamento do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), que visa garantir o acesso à internet aos “excluídos digitais” brasileiros.

Mas, para o intelectual e militante, esses avanços foram tímidos. Não mexeram no principal, que é a concentração da propriedade nas mãos de meia dúzia de famílias – autênticos feudos. Para ele, não é possível democratizar os atuais impérios midiáticos, que hoje exercem o papel de partidos políticos – como confessou a própria presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Judith Brito. É urgente promover políticas públicas e mudanças totalizantes na legislação que estimulem a diversidade e a pluralidade informativas. Nesse sentido, Venício enfatiza que o papel do Estado é estratégico. No caso do rádio e da televisão, essa função é ainda mais decisiva. “A radiodifusão privada é uma concessão pública” e não pode ficar sob o domínio exclusivo do “mercado”.

Com sua larga e rica experiência, o professor Venício A. de Lima sabe que avanços mais profundos no setor dependem de intensa pressão da sociedade. Os latifundiários da mídia exercem forte influência política e não toleram nenhuma mudança – no máximo, uma autorregulamentação cosmética. Antidemocráticos, não aceitam sequer pautar esse debate na sociedade. Tudo o que se relaciona ao tema é rotulado de “censura”, de “atentado à liberdade”. Confundem, propositalmente, liberdade de expressão com liberdade de monopólios. A resistência é tão brutal que a legislação do setor – o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) – completará cinquenta anos em agosto próximo e nunca sofreu alterações mais consistentes. “É velha e desatualizada.”

“O exemplo mais conhecido do poder dos radiodifusores talvez seja a derrubada, pelo Congresso Nacional, de todos os 52 vetos que o então presidente João Goulart impôs ao projeto de lei que viria a se transformar no CBT (Lei nº 4.117). A ampla articulação de empresários da radiodifusão e parlamentares que permitiu tamanha façanha foi liderada pelo então diretor-geral dos Diários e Emissoras Associados, João Calmon (já falecido), e dela resultou a criação da Abert – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão”, relembra Venício. Essa mesma entidade patronal e várias outras do setor também impediram que os preceitos fixados na Constituição Cidadã de 1988 fossem regulamentados. Sabotaram ainda as 672 propostas aprovadas na 1ª Confecom.

No último capítulo do livro, “Contexto e estratégias”, o autor reafirma seu pessimismo no diagnóstico. “Uma das dificuldades de quem acompanha e observa criticamente o setor de mídia no Brasil é, contraditoriamente, sua previsibilidade. Por mais que se tente renovar o ‘otimismo da vontade’, as lições da história e as evidências do presente se encarregam de mostrar como os patrões se repetem. Nada de realmente substantivo se altera no setor.” Em contrapartida, na sua inabalável militância ele também aponta o surgimento de fatores novos – como o maior engajamento dos movimentos sociais e o florescimento de uma militância crítica na internet, que serve de contraponto às manipulações e põe em xeque o modelo de negócios dos impérios midiáticos.

Parafraseando novamente o intelectual italiano Antonio Gramsci, ele conclui que “o velho está morrendo e o novo apenas acaba de nascer” e aposta suas energias numa intensa e unitária luta pela “conquista do direito à comunicação pela cidadania”.

Miro Borges é jornalista, presidente do Centro de Estudos Barão de Itararé e autor do livro A Ditadura da Mídia

Reproduzido de Teoria e Debate (20/07/12) via Conversa Afiada (21 jul 2012)

Leia mais textos do Prof. Venício Lima em postagens de Filosomídia clicando aqui.




Leia também no Portal de Emiliano José (02/06/2012):

Política de Comunicações no Brasil é tema do livro de Venício Lima

"Política de Comunicações: Um balanço dos governos Lula (2003-2010)". Este é o título do mais novo livro do escritor e professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB, Venício Lima. A obra, publicada pela editora Publischer Brasil, e que reúne 89 artigos, faz um acompanhamento crítico das iniciativas do governo Lula em relação às políticas públicas de comunicação. Venício discute ainda as razões pelas quais no Brasil, ao contrário do que ocorre hoje, por exemplo, em outros países vizinhos, encontra-se tanta resistência para que se avance em uma área vital para a consolidação da democracia.

No livro, o autor contextualiza a cronologia das ações dos principais atores interessados na formulação dessas políticas, além de tratar de cinco importantes temas centrais à comunicação no país: o debate sobre o marco regulatório, os recuos, os avanços, os balanços das ações de cada ano e, por fim, o contexto e as estratégias. Para Venício, ao contrário do que ocorre em áreas como saúde, salário mínimo, emprego, educação ou habitação, o direito à comunicação ainda não é algo tão difundido na sociedade, o que faz com que a agenda pública nesse setor fique entregue aos grupos privados de comunicação.

Liberdade de Expressão X Liberdade de Imprensa

Venício Lima aproveita ainda para lançar uma nova edição deLiberdade de Expressão X Liberdade de Imprensa, revisada e ampliada, também publicada pela Publischer Brasil.  Referência no Brasil na área da Comunicação e da Ciência Política, o autor chama atenção para o equívoco de se pensar que expressões como liberdade de imprensa e liberdade de expressão são sinônimos. "Defende-se o direito de informar qualquer coisa como se esse assegurasse o direito à liberdade de expressão da sociedade como um todo. Mas, mesmo no marco do pensamento liberal, essa tese não se sustenta", destaca o  autor.

A segunda edição de Liberdade de Expressão X  Liberdade da Imprensaoferece aos leitores 16 novos artigos, introduzindo novas discussões surgidas após a 1ª Conferência Nacional de Comunicação. O livro conta ainda com anexos como a Declaração de Virginia, a Primeira Emenda da Constituição dos EUA, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o capítulo da Comunicação da Constituição de 1988, a Declaração de Chapultepec, bem como a Declaração de princípios sobre liberdade de expressão.

Sobre o autor

Venício  Artur de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB e autor, dentre outros livros, de “Diálogos da perplexidade” (Editora Fundação Perseu);  “Mídia – Teoria e Política” (Editora Fundação Perseu Abramo);  "Mídia: crise política e poder no Brasil" (Editora Perseu Abramo), "A mídia nas eleições de 2006" (Editora Perseu Abramo).

Natural de Sabará, Minas Gerais, nasceu em 1945, filho de professores. Formado em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais, em 1991 já possuía dois pós-doutorados, um pelo Institute of Communications Research da University of Illinois e o segundo pela Miami University.

Ficha  técnica

Livro: Política de Comunicações: Um balanço dos governos Lula (2003-2010
Autor: Venício A. de Lima
Editora Publischer Brasil
Preço: R$ 40,00
ISBN: 978-85-85938-63-4
N° de páginas: 328
Contato: (11) 3813-1836

Livro: Liberdade de expressão x Liberdade da imprensa (edição revista e ampliada)
Autor: Venício A. de Lima
Prefácio: Fábio Konder Comparato
Editora: Publisher Brasil
Preço: R$ 35,00
ISBN: 978-85-85938-70-3
N° de páginas: 248 páginas
Contato: (11) 3813-1836

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