sábado, 19 de maio de 2012

Procuradoria Geral da República dá parecer favorável a ação do PSOL que determina regulamentação da mídia


Procuradoria Geral da República dá parecer favorável a ação do PSOL que determina regulamentação da mídia

Em novembro de 2010, a partir de ação elaborada pelo professor Fábio Konder Comparato, o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) ingressou no Supremo Tribunal Federal com uma Ação de Insconstitucionalidade por Omissão* (ADO), visando a regulamentação de artigos da Constituição Federal relativos à Comunicação. Entre eles, o artigo 220, que proíbe o monopólio e o oligopólio nas comunicações e que diz que cabe ao Estado estabelecer os meios legais para garantir a defesa de programas ou propagandas nocivas à saúde e ao meio ambiente; o artigo 221, que define as finalidades da programação de rádio e TV; e o artigo 5o, em sua previsão sobre o direito de resposta. Segundo a ação, mais de 20 anos depois da promulgação da Constituição, o fato de o Congresso ainda não ter cumprido seu dever de regulamentar estes artigos resultaria em prejuízos consideráveis para a democracia brasileira.

No final de abril (2012), a Procuradoria Geral da República finalmente emitiu seu parecer sobre o caso. Num texto assinado pela vice-Procuradora Geral da República, Deborah Duprat, e aprovado pelo Procurador Geral Roberto Gurgel, o órgão máximo do Ministério Público se pronunciou favoravelmente à ação. A PGR entende que há a necessidade de disciplina legal da vedação ao monopólio e oligopólio dos meios de comunicação, assim como uma atuação promocional do Estado na democratização dos meios de comunicação – em referência às finalidades da programação de rádio e TV previstas no artigo 221.

O parecer também  acredita que há demora excessiva do Congresso Nacional na disciplina do direito de resposta, sem regulação específica desde que o STF declarou revogada a Lei de Imprensa. E conclui admitindo a possibilidade de o Judiciário estabelecer um prazo para que as leis que regulamentam esses as artigos da Constituição sejam finalmente aprovadas.

Antes da Procuradoria Geral da República, tanto o Congresso Nacional quanto a Advocacia Geral da União (AGU) já haviam emitido suas opiniões sobre a ADO. Em seus pareceres, por diferentes razões, manifestaram ao Supremo desacordo com a ação.  O presidente do Senado, José Sarney (PMDB/AP), por exemplo, disse que não há omissão inconstitucional do Congresso na efetivação do que determina a Constituição para os meios de comunicação. O presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT/RS), alegou que já existem projetos de lei em tramitação tratando dos artigos constitucionais em questão.

Já a AGU, que representa o governo federal junto ao Judiciário, disse, por um lado, que  o direito de resposta e a proibição de monopólio e oligopólio não dependem de regulamentação, já que a Constituição lhes garantiria “eficácia plena e aplicabilidade imediata”. Por outro lado, em relação aos artigos 220 e 221, a AGU acredita que leis como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código deDefesa do Consumidor e a lei do V-Chip, mecanismo que permite o bloqueio de canais nos aparelhos de TV, já seriam suficientes. Assim como o Conselho de Comunicação Social (CCS), órgão auxiliar do Congresso que teria a função de se pronunciar sobre assuntos da comunicação em tramitação no Parlamento brasileiro. A AGU não considerou, no entanto, que o CCS está sem funcionar desde 2006, quando venceram os mandatos de seus membros e a mesa diretora do Senado não nomeou novos integrantes.

Regulação e democracia

Antes de analisar ponto a ponto os pedidos descritos na ADO número 10, a vice-Procuradora Geral da República, Deborah Duprat, explicitou a posição do Ministério Público Federal acerca do próprio debate público sobre a regulação dos meios de comunicação.

“A cada tentativa de discussão sobre o tema, imediatamente os grandes veículos de comunicação se levantam para tachá-las de “censura”, invocando um discurso de que se trataria de restrição a um direito fundamental absoluto”, disse, no parecer. “O princípio da liberdade de expressão é um dos mais importantes direitos fundamentais do sistema constitucional brasileiro. (…) Portanto, deve ser garantida pelo poder público a possibilidade de livre manifestação de qualquer cidadão, para que se desenvolva um debate ancorado em razões públicas sobre temas de interesse da sociedade. Desse modo, posturas como a da grande mídia na verdade caracterizam uma tentativa de se evitar o debate, o que representa uma grave violação à liberdade de expressão. Nesses casos, o efeito silenciador vem do próprio discurso”, acrescentou.

Deborah Duprat destacou o fato de marcos regulatórios dos meios de comunicação serem comuns em praticamente todos os países europeus e também em nações de tradição político-cultural liberal, como os EUA. Ela lembrou da Federal Communications Comission (FCC), o órgão regulador federal norte-americano responsável pela adoção de medidas administrativas voltadas à disciplina do funcionamento do setor. E defendeu a recente experiência da Argentina como uma forma de promoção da liberdade de expressão do conjunto da população do país.

“Buscando delimitar os parâmetros de uma concepção democrática dos meios de comunicação social, o parlamento argentino aprovou, em outubro de 2009, a Lei 26522, denominada Ley de Serviciosde Comunicación Audiovisual, que disciplina temas como a propriedade dos meios de comunicação e a vedação às práticas de monopólio e oligopólio.

Ao invés de serem vistas como antidemocráticas e restritivas de direitos fundamentais, as medidas de regulação estatal são consideradas como uma forma de expansão da liberdade de expressão e de pluralização do conhecimento”, explicou.

Na avaliação da PGR, o poder público tem não apenas o dever de se abster de violar o direito à liberdade de expressão mas também a obrigação de promovê-lo concretamente e de garanti-lo diante de ameaças decorrentes da ação de grupos privados.

“Revela-se legítima a intervenção do Estado na estruturação e no funcionamento do mercado. Principalmente quando se trata de coibir os excessos da concentração de poderes em determinados grupos econômicos, de modo a se garantir a diversidade de pontos de vista e a prevalência da autonomia individual na livre formação da convicção de cada um”, afirma o parecer.

Neste sentido, o parecer do Ministério Público discorda da visão da AGU, para quem a norma prevista no artigo 220 tem eficácia plena. Na leitura do MP, a realidade tem mostrado que a proibição constitucional a monopólios e oligopólios na comunicação não tem sido suficiente para evitar sua formação. A Procuradoria Geral da República acredita que os níveis da concentração da mídia no país são “escandalosos”, e que “a pressão dos interessados na manutenção do atual status quo (…) tem inviabilizado a regulamentação e aplicação da vedação constitucional ao monopólio e oligopólio na mídia”.

O próprio STF já se manifestou sobre o tema, quando julgou a ação que culminou no fim da Lei de Imprensa. Na leitura dos ministros do Supremo Tribunal Federal, a proibição do monopólio e do oligopólio deve ser vista como um “novo e autônomo fator de contenção de abusos do chamado poder social da imprensa”.

A interpretação vai ao encontro da Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão da Relatoria para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, também citada por Deborah Duprat. O texto afirma que “os monopólios ou oligopólios na propriedade e controle dos meios de comunicação devem estar sujeitos a leis anti-monopólio, uma vez que conspiram contra a democracia ao restringirem a pluralidade e a diversidade que asseguram o pleno exercício do direito dos cidadãos à informação”.

Direito de resposta e conteúdo da programação televisiva

Seguindo a mesma lógica, a Procuradoria Geral da República também vê necessidade de regulamentação específica para a garantia da efetividade do direito de resposta, sobretudo porque, sem lei ordinária tratando do tema, apenas o aspecto da reparação de danos à personalidade seria possível, a partir do Código Civil.

“Pode-se considerar que o direito de resposta tem sido concebido no Brasil em termos estritamente privatísticos. Afinal, existe regulamentação infraconstitucional quanto á reparação de danos à personalidade (honra, imagem etc) no Código Civil e na legislação especial. Porém, não há o mesmo tipo de disciplina legal no âmbito da comunicação social, para que assegurem os espaços e as condições para manifestações midiáticas daqueles que, porventura, tenham seus direitos desrespeitados através deste meio”, explica Deborah Duprat.

Neste sentido, para o MP, o direito de resposta funciona não apenas como um meio de proteção de direitos da personalidade, mas também deve ser visto como um instrumento de garantia do acesso à informação e do pluralismo interno dos meios de comunicação, essenciais para a garantia do direito difuso à liberdade de expressão.

Já sobre a determinação da Constituição de que o Estado brasileiro estabeleça os meios legais para que os cidadãos se defendam de programas ou propagandas abusivas, Deborah Duprat também foi enfática ao afirmar a insuficiência dos mecanismos disponíveis à população brasileira.

“Não merece prosperar a alegação da AGU de que a existência de previsão legal, por exemplo no ECA e no Código de Defesa do Consumidor, descaracterizaria a omissão do Congresso Nacional. O fato de haver disposições pontuais e esparsas na legislação infraconstitucional a respeito de determinado tema constitucional não é suficiente para afastar a abstenção do legislador em regulamentá-lo”, disse. “As normas legais mencionadas se referem a aspectos específicos da sua projeção no âmbito de relações jurídicas casuísticas (direito de família e relações de consumo). Portanto, tem-se uma omissão ao menos parcial, na medida em que o legislador persiste sem disciplinar, de modo abrangente e referencial, as formas de garantia do interesse público nos meios de comunicação”, concluiu.

Inércia legislativa

O parecer da PGR termina respondendo indiretamente às manifestações do Congresso Nacional no que diz respeito à existência de projetos de lei que tratam dos temas abordados na ADO 10 do professor Comparato. Para as Casas legislativas – Câmara e Senado – a mera existência desses projetos impede que o Supremo considere o Congresso omisso na regulamentação da Constituição. Para o MP, no entanto, é possível que exista uma situação de inércia do Poder Legislativo, que faça com que os processos de tramitação se arrastem por anos e anos. Nesses casos, o resultado é o mesmo da inexistência de qualquer projeto de lei.

“Mostra-se viável e necessário um juízo de razoabilidade acerca do período de elaboração das normas legais, considerando-se a natureza da matéria e a urgência da sua disciplina perante os anseios da sociedade”, disse Deborah Duprat. “Dado o entendimento recente da Suprema Corte brasileira em relação às omissões inconstitucionais, é cabível o estabelecimento de prazo razoável (…) para que o Congresso Nacional proponha s leis cabíveis”. Este prazo, na avaliação da PGR, seria de 18 meses.

O jurista Fábio Konder Comparato comemorou a posição do Ministério Público. Para o presidente nacional do PSOL, deputado federal Ivan Valente, o parecer contribui significativamente para o fortalecimento da luta dos movimentos sociais pela regulamentação da comunicação no país.

“O resultado de décadas de ausência de regras eficazes no campo da mídia deixou o mercado capitalista à vontade para concentrar tamanho poder nas mãos de poucas famílias e para usar as concessões de rádio e televisão para o benefício de interesses privados, meramente comerciais , com enorme prejuízo para a diversidade cultural em nosso país. Diante deste quadro, garantir a circulação de uma pluralidade de vozes, visões e opiniões no espaço midiático é fundamental para quebrar uma estrutura que hoje está a serviço das elites políticas e econômicas e avançarmos na consolidação da democracia no Brasil”, concluiu Ivan Valente.

Para contribuir com o processo, o Intervozes entrou com um pedido de amicus curiae** junto ao Supremo Tribunal Federal, e aguarda decisão da ministra Rosa Weber sobre a solicitação.

Reproduzido de Ivan Valente (16/05/2012) e Carta Maior por Bia Barbosa (18/05/2012)

* Acompanhe o processo ADO 10 . Ação de Insconstitucionalidade por Omissão

Origem: DF - Distrito Federal
Relator: Min. Rosa Weber
Reqte.(s): Partido Socialismo e Liberdade - PSOL 
Adv.(a/s): Fábio Konder Comparato e outro(a/s)
Intdo.(a/s): Congresso Nacional 
Adv.(a/s): Advogado-Geral Da União 

Processo(s) apensado(s): ADO 11 

** Amicus curiae: "Amigo da Corte". Intervenção assistencial em processos de controle de constitucionalidade por parte de entidades que tenham representatividade adequada para se manifestar nos autos sobre questão de direito pertinente à controvérsia constitucional. Não são partes dos processos; atuam apenas como interessados na causa. Plural: Amici curiae (amigos da Corte).

Leia também:

Fábio Konder Comparato: Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão . ADO 10” recebido e publicado pelo Conversa Afiada, clicando aqui (2010) e abaixo (2012)

O Conversa Afiada reproduz e-mail que recebeu do professor Fábio Konder Comparato:

Caro amigo:

A ação direta de inconstitucionalidade por omissão nº 10, que tomou a sigla de ADO 10, foi proposta, como você sabe, pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL perante o Supremo Tribunal Federal, a fim de que o Poder Judiciário declare oficialmente que desde a promulgação da vigente Constituição, ou seja, há vinte e três anos e seis meses exatamente, o Congresso Nacional, por pressão do oligopólio empresarial dos meios de comunicação de massa, não regulamenta os mais importantes dispositivos constitucionais, relativos à comunicação social. Exemplos: o direito de resposta (que é declarado direito fundamental na Constituição!) e a proibição do monopólio e do oligopólio, direto ou indireto, dos meios de comunicação social.

Pois bem, intimado a dar parecer no processo em 25 de março de 2011, o Procurador-Geral da República, que tem o prazo legal de 15 (quinze) dias para fazê-lo, até hoje não o fez.

Diante disso, o autor da ADO ingressou, em 22 de fevereiro p.p., com uma petição à relatora do processo, Ministra Rosa Weber, pedindo providências (petição anexa). Ora, da mesma forma, até hoje, passado mais de um mês, a relatora tampouco despachou a petição.

Abraço,

Fábio Konder Comparato

Em tempo: o amigo navegante há de se lembrar que o brindeiro Roberto Gurgel só tirou da gaveta o inquérito sobre Demóstenes Torres depois que parlamentares foram ao seu gabinete lembrar que “prevaricação” existe.

Em tempo2: o professor Comparato enviou o seguinte comentário:

Caro Paulo Henrique:

Permito-me lembrar que a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicação e Publicidade  – CONFECOM ingressou com idêntica ação de inconstitucionalidade por omissão, que foi registrada como ADO 11.

Como você vê, o atual Procurador-Geral da República, mais uma vez, nos brinda com uma omissão, dobrando-se à omissão os sucessivos Governos e do Congresso Nacional.

Aliás, tanto em uma quanto em outra dessas ações, o Congresso Nacional e a Advocacia-Geral da União (que obedece, segundo a lei, às instruções diretas e pessoais do Presidente da República) manifestaram-se no sentido de que não existe omissão alguma…

Abraço,

Fábio Konder Comparato

Leia a seguir a íntegra da petição que o professor Comparato encaminhou à Ministra Weber:

Excelentíssima Senhora Ministra Rosa Weber, Digníssima Relatora da Ação de Inconstitucionalidade por Omissão nº 10:

O PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE, autor da ação em referência, vem expor e a final requerer o que segue:

1.– No próximo dia 25 de março, completar-se-á um ano da remessa dos autos à Procuradoria-Geral da República, a fim de que ela emita o devido parecer no presente processo.
Segundo o disposto no art. 8º da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, o Procurador-Geral da República tem o prazo de 15 (quinze) dias para se manifestar sobre a ação proposta.

2.– A Constituição Federal, logo no primeiro de seus artigos, declara que “a República Federativa do Brasil [...] é um Estado Democrático de Direito”.

Em um autêntico Estado de Direito, escusa lembrar, é absolutamente inadmissível que alguém, sobretudo um agente público, possa sobrepor sua vontade ou seu interesse particular à ordem jurídica, ou justificar-se do não cumprimento da lei por razões de ordem particular.

Escusa lembrar, ainda, que, de acordo com o disposto no art. 127 da Constituição Federal, “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica”. O que significa, a todas as luzes, que o Ministério Público não goza nem pode gozar de nenhum privilégio em matéria processual, devendo, como qualquer parte ou interveniente no processo, cumprir rigorosamente os prazos legais.

3.– Nessas condições, é a presente para pedir a Vossa Excelência:

1.que mande intimar o Exmo. Sr. Procurador-Geral da República a apresentar incontinente nestes autos o seu parecer;
2.que determine seja o Conselho Nacional do Ministério Público informado do fato, para as providências cabíveis.

Termos em que,
PEDE DEFERIMENTO.

De São Paulo para Brasília, 22 de fevereiro de 2012

___________________________
p.p. FÁBIO KONDER COMPARATO
OAB-SP nº 11.118

Reproduzido de Conversa Afiada
24/04/12

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