segunda-feira, 14 de maio de 2012

O risco da obsessão pela audiência


O risco da obsessão pela audiência

Luciano Martins Costa
Observatório da Imprensa
14/05/2012

O leitor de jornais pela internet pode notar que há alguma mudança nos títulos de reportagens e blogs, com textos mais chamativos e uma evidente predileção em usar expressões ambíguas. Também se pode observar que na maioria dos sites jornalísticos aumentou o espaço destinado a fofocas sobre celebridades, que agora aparecem misturadas a notícias sobre os acontecimentos urbanos e mais próximas do noticiário sobre futebol. Por outro lado, os jornais passaram a prestar mais atenção aos assuntos que surgem nas redes sociais digitais, o que pode dar a impressão de mais agilidade.

O motivo para essas mudanças mais ou menos sutis, que podem ser notadas nas últimas semanas, pode não ter relação direta com jornalismo, mas com um debate em curso em outro campo da comunicação – o da publicidade.

Discute-se mais precisamente o valor das métricas de audiência na internet e especialmente nas redes sociais. A questão está presente em eventos internacionais sobre mídia, nos quais alguns anunciantes questionam o preço cobrado por estratégias integradas que procuram manter o valor das mídias tradicionais e acrescentar o custo das ações nas novas redes digitais.

Supostamente, quando um produto é exposto ao mesmo tempo na televisão, em anúncios estáticos nos jornais e revistas e percorrem ações nas redes sociais digitais, sua exibição deverá ser notada por mais pessoas e, portanto, essa estratégia haverá de produzir mais resultados.

Como produzir receitas?

Acontece que essa visão linear, muito utilizada nos tempos da mídia unívoca, na qual o receptor tinha menos condições de interagir com a mensagem, não pode ser simplesmente replicada no ambiente hipermediado no qual o antigo leitor ou telespectador há muito deixou de ser um receptor passivo.

O que alguns anunciantes estão contestando é a garantia de resultado versus o preço cobrado.

Todo processo de comunicação precisa levar em conta que a disputa é pelo tempo e pela qualidade da atenção do sujeito que se quer alcançar. E se, atualmente, um número crescente de pessoas costuma colocar sua atenção simultaneamente em duas ou mais mídias, qual é o valor de cada uma delas?

Além disso, questiona-se a própria métrica, uma vez que as mensurações meramente demográficas, que informam quantas pessoas são expostas a determinados conteúdos, não asseguram com que disposição ou humor as mensagens estão sendo recebidas.

Eventualmente, uma campanha pode saturar o público e, em determinado momento, provocar uma reversão na intenção da mensagem, passando a produzir reações negativas capazes de se propagar instantaneamente pelas redes digitais.

As estratégias tradicionais de bombardeamento podem, portanto, gerar um efeito desastroso, se milhões de indivíduos ativos nas redes resolverem questionar algum aspecto da mensagem e se colocarem em posição antagônica com relação à proposta da comunicação.

Mas esse é um problema de quem produz publicidade ou ações de marketing. O que pode afetar a mídia jornalística é o engajamento do campo editorial nesse esforço para produzir receita nas versões digitais das empresas tradicionais.

Alhos e bugalhos

A busca incessante por audiência por parte das empresas pode alterar o conceito de valor da informação jornalística?

Esse é um risco permanente, uma vez que essas empresas precisam continuar se apresentando ao mercado como portadoras de relações valiosas com seus públicos. E sempre haverá os consultores “criativos” com ideias mirabolantes sobre o empacotamento do conteúdo noticioso em formatos mais atraentes e, portanto, mais interessantes para o anunciante.

Certas ações no ambiente digital lembram as edições de domingo dos diários, ainda muito comuns, nas quais uma capa publicitária produz um simulacro de jornal, com a intenção de chamar a atenção do leitor para determinado produto ou marca.

No jornal de papel, a consequência é o eventual aborrecimento de ter que separar a capa falsa para ter acesso ao conteúdo que interessa. Mas no caso das mídias digitais, um aborrecimento eventual pode se transformar em antipatia renovada. E uma antipatia nas redes sociais digitais pode produzir um desastre em termos de imagem e reputação.

A mídia jornalística precisa encontrar meios de se valorizar no ambiente da internet, mas pode ser perigoso fazer isso à custa da banalização do conteúdo, como ocorre quando se misturam questões de interesse variado como desafios da vida urbana e fofocas sobre celebridades.

Se há uma velha lição que ainda vale para o jornalismo é: não misturar alhos com bugalhos.

14/05/2012 na edição 693
Via Clipping FNDC

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