quinta-feira, 8 de março de 2012

Seminário UFPE e SinjoPE discute censura e realidade da comunicação Sul-Americana


Seminário discute censura e realidade da comunicação Sul-Americana

Camila Lima e Raquel Lasalvia
Observatório do Direito à Comunicação
O06/03/2012

Alunos, professores, pesquisadores e militantes de movimentos em defesa da democratização da comunicação reuniram-se, na última segunda-feira (5), no Seminário Mídia e liberdade. O evento foi realizado pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação e pelo Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em parceria como Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco (SinjoPE).

Pela manhã, Laurindo Leal Filho, jornalista, sociólogo e professor da Universidade de São Paulo (USP), proferiu a palestra Estado, mercado e liberdade: a democratização dos meios de comunicação na atualidade sul-americana para uma plateia atenta e participativa. À tarde, esteve presente Mino Carta, diretor de redação da revista Carta Capital, para falar sobre o tema Da ditadura à democracia: mídia e censura no Brasil contemporâneo, que despertou grande interesse de participantes, os quais compareceram em grande número.

Regulação da comunicação na América Latina

A regulação dos meios de comunicação, para Laurindo Leal Filho, é um dos grandes desafios deste século. De acordo com o professor, a televisão comercial, particularmente, possui um poder “mais poderoso” que os poderes constituídos, trazendo sérias conseqüências para a democracia.

No contexto latino-americano, o sociólogo nota que, embora tenha havido, nos últimos anos, grandes avanços de integração políticos-econômicos entre os Estados da América do Sul, como a criação do Mercosul, da Unasul e da CELAC – Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos, no campo da comunicação estas possibilidades de articulação não aparecem, devido à hegemonia mantida pelos grandes veículos de comunicação. Laurindo destaca que a mídia brasileira não difunde valores que são caros à integração latino-americana. “A mídia brasileira não se esforça a divulgar, por exemplo, que o analfabetismo na Venezuela e na Bolívia chegou a zero”, afirma.

No entanto, o professor explicita que, atualmente, alguns governos da América do Sul — como os da Argentina, da Venezuela, do Equador, do Paraguai e da Bolívia — têm atuado no sentido de promover a democratização dos meios. Este percurso se dá, basicamente, por duas iniciativas, esclarece o jornalista: “através da criação de marcos regulatórios e sistemas públicos de comunicação, que possam informar e fazer o contraponto aos meios comerciais e hegemônicos”.

A Ley de Medios, da Argentina, que tem 166 artigos, é o exemplo recorrente dessas iniciativas de reformulação da mídia na América do Sul. Laurindo destaca que “o governo argentino conseguiu criar uma legislação moderna e democrática, impulsionando ao mesmo tempo meios públicos de comunicação, como é o caso do Canal 7 argentino, que possui programas que debatem a mídia e promovem outros debates políticos”.

Mas o professor da USP reforça que, apesar de avanços em alguns governos, a mídia tradicional latino-americana tem “uma ferramenta feroz” que procura combater todos os processos de democratização da mídia: a Sociedad Interamericana de Prensa (SIP), que reúne os grandes conglomerados de mídia do continente e que busca impedir qualquer tentativa de rompimento do monopólio da comunicação na América Latina.

O contexto brasileiro

Para Leal Filho, o Brasil tem uma história de coronelismo eletrônico terrível. Ele relembra que nosso Código Brasileiro de Comunicação completa, em agosto deste ano, exatos 50 anos. “É uma lei obsoleta que facilita o poder sem controle exercido pelos concessionários de rádio e TV”, conclui o professor.

Segundo Laurindo, uma perversa combinação de contextos dificulta o debate amplo e popular de um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil e tentativas de controle social da mídia brasileira. Ele explica que, no final da década de 1980, a junção entre a ascensão do mercado – impulsionado, principalmente, pela política neoliberal – e a herança simbólica da ditadura militar fez com que qualquer contenção necessária por parte do Estado fosse vista (assim como é até hoje) como interferência ditatorial e censura.

Na opinião do sociólogo, hoje, para a implementação e efetivação de uma lei que regule as comunicações no Brasil é necessário, antes de mais nada, de coragem política de enfrentamento por parte do governo e do Congresso Nacional. “A história é ruim. A história pregressa não é boa”, afirma Laurindo. Ele afirma que, se o governo não impulsionar o debate, apesar da pressão e formulação da sociedade civil organizada, é muito difícil criarmos uma nova legislação para as comunicações.

Mídia e Censura no Brasil

O percurso histórico do Brasil foi um dos primeiros pontos abordados por Mino Carta, que o chamou de “galope frenético das desgraças brasileiras” o processo de formação do Estado brasileiro. . “Não acreditem, meus jovens amigos, quando lhes contarem que houve uma resistência brutal neste país. Não houve. Houve gente que ousou muito, pessoas isoladamente. Mas não houve uma resistência no sentido verdadeiro da palavra”. Mino fez o apelo após ressaltar que a ditadura se foi por conta própria.

Sobre o suposto período de redemocratização que estamos vivendo, o jornalista questionou como ele pode existir, se nunca houve democracia no Brasil. Mino explicou que um país marcado por desequilíbrios sociais tão monstruosos, onde a Justiça protege os gangsters – como Daniel Dantas e Ricardo Teixeira – e lhes evita qualquer tipo de dissabores não pode ter democracia.

De acordo com o jornalista, a grande imprensa brasileira implorou pelo golpe 1964. “O jornalismo tomava posturas, posições, altamente condenáveis a luz de um ideal democrático, mas havia jornalistas de muita qualidade. Hoje, não há nada. Temos Merval Pereira, Dora Kramer, Eliane Cantanhêde. Bando de sabujos que servem ao poder, implacavelmente. Isso não é nem jornalismo, é uma traição aos interesses do país”.


Na avaliação do jornalista, a manipulação da realidade continua sendo uma característica da mídia favorável ao regime autoritário. Ele ressalta que a história da censura no Brasil, ainda hoje, é pessimamente contada. A ponto de jornais que apoiaram a ditadura terem o cinismo de se afirmar vítimas dele. “O Jornal do Brasil, o Globo e a Folha de São Paulo nunca foram censurados. Pelo contrário, a Folha de São Paulo prontificava-se a oferecer peruas da sua distribuição à repressão para que prendesse quem fosse considerado um perigoso vermelho”, afirma.


Mino ressalta ainda que a verdade factual, o exercício diuturno do espírito crítico e a fiscalização do poder são elementos fundamentais para a prática do jornalismo. Para ele a verdade factual significa registrar o fato, como ele se deu, com total honestidade. O espírito crítico atilado é necessário para perceber como as interpretações podem tomar o rumo certo ou não. E, por fim, a fiscalização do poder nesse caso é considerada, em sentido lato, onde quer se manifeste. “Não peça ao jornalista a objetividade, peça a honestidade”, afirmou.

Quanto à perspectiva de melhoramento da produção midiática brasileira, nas próximas décadas, Mino avalia que ela depende de situações concomitantes – como discussões democráticas sobre a comunicação no Brasil, crescimento da demanda da sociedade por conteúdos com níveis mais elevados e meios públicos de comunicação –, que nascem de um amadurecimento natural, da criação efetiva de uma nação, que, ao seu ver, até hoje não existe no sentido total da palavra. “Existe, sim, apenas um país, um povo e uma língua, mas a nação ainda não se criou, em função dos desequilíbrios sociais monstruosos. Então, à medida que esses desequilíbrios forem corrigidos, que uma distribuição de renda se faça de forma, razoavelmente, eficaz, tudo isso levará a certos resultados”.

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