quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Regulação da publicidade dirigida a crianças: um desejo para 2012


Regulação da publicidade dirigida a crianças, um desejo para 2012

Por Gabriela Vuolo

No mundo em que vivemos, não é exagero dizer que as crianças são bombardeadas todos os dias com apelos para o consumo. E a sensação é de que isso piora nas vésperas de uma data comemorativa, como o Natal. Para entender se de fato há um volume maior de publicidade voltada às crianças nessas ocasiões, em julho, o Instituto Alana firmou um convênio com o Observatório de Mídia da Universidade Federal doEspírito Santo, que fará um monitoramento da publicidade direcionada ao público infantil na tevê quatro vezes ao ano até 2014. A medição sempre será realizada 15 dias antes da Páscoa, do Dias das Crianças e do Natal e depois será comparada com duas semanas típicas.

Na primeira medição, entre 27 de setembro e 11 de outubro de 2011, uma descoberta alarmante, mas esperada. Como já prevíamos, nas duas semanas que antecederam o Dia das Crianças, 64% de todas as publicidades veiculadas em 15 canais de televisão (6 abertos e 9 segmentados) foram direcionadas ao público menor de 12 anos. A categoria que mais anunciou, adivinhem? Foi a de brinquedos. Ao longo de 15 dias, as crianças foram expostas a milhares de publicidades, sem exagero na conta. Só a fabricante Mattel anunciou aproximadamente 8.900 vezes nesse período. O número é chocante.

Protesto

O resultado dessa primeira pesquisa nos levou para rua. No dia 30 de novembro, fizemos um protesto em frente ao escritório da Mattel em São Paulo, para entregar o prêmio às avessas de Empresa Manipuladora para a marca que mais apelou para o público infantil. Infelizmente, a Mattel não está sozinha. Tem ainda Hasbro, Estrela, Lego, Long Jump... Uma lista de pelo menos 10 marcas que investiram fortemente  em anúncios para crianças no período pesquisado. Como será no Natal? Saberemos em janeiro, quando teremos os resultados do nosso segundo monitoramento.

O importante aqui é esclarecer que, embora haja diferenças nas categorias anunciadas entre uma data e outra (Dias das Crianças tem foco em brinquedos, Páscoa provavelmente em ovos de chocolate e assim por diante), a criança é um alvo relevante do mercado. E se engana quem acha que as publicidades direcionadas aos pequenos são apenas de produtos infantis. Nem sempre. Carros, celulares, cosméticos, roupas, eletrodomésticos, quase tudo pode ser anunciado também para crianças. E por quê? Porque se sabe que hoje a criança participa de quase 80% das decisões de compra de uma família.

Bom negócio, mas antiético

Anunciar para o público infantil é, assim, um bom negócio. Mas é também antiético. Os pequenos ainda estão em fase de desenvolvimento e não compreendem as complexas relações de consumo. As crianças são facilmente seduzidas pela envolvente linguagem da publicidade e são muito mais vulneráveis do que os adultos. Por isso, cedem facilmente ao desejo de ter. Soma-se a isso uma intensa pesquisa de mercado que mostra para os profissionais de marketing a melhor maneira de fazer com que as crianças insistam para os pais comprarem algo – é o chamado nag factor ou fator amolação.

Para uns, isso faz parte da vida contemporânea e a valorização excessiva de bens materiais nada mais é que a “linguagem” das novas gerações. O equilíbrio se dá com educação e limites dos pais. Eles devem decidir se deixam ou não seus filhos assistirem a uma programação televisiva recheada de comerciais; se cedem ou não aos inúmeros pedidos feitos pelos filhos que acabam de ver o anúncio de um brinquedo ou que esbarram com uma prateleira de supermercado repleta de embalagens chamativas. O mercado ensina que as marcas dão status para pessoas e relações. E os pais são responsáveis por desconstruir essas mensagens. Meio injusto, não?

Proteção à infância

Esse é um pensamento perigoso, especialmente porque traduz uma visão bastante rasteira sobre publicidade, criança e consumo. Por mais que o mundo tenha mudado em seus diversos aspectos, não há razão para retroceder justamente naquilo que conseguimos avançar nos últimos 100 anos. A proteção à infância foi uma conquista duramente alcançada ao longo do século e finalmente garantida pela Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada por todos os países membros em 1989. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente regulamentou, em 1990, as diretrizes da nossa Constituição Federal, que garante direitos fundamentais a crianças e adolescentes.

Dessa forma, a proteção à infância plena está garantida pelas leis mais importantes de nosso país. E deve ser assegurada, segundo nossa Constituição, pelo Estado, pela sociedade e pela família. Isso significa que não há como isentar a responsabilidade de empresas e do poder público desse dever, que em muitos aspectos implica no futuro da nação.

Falta de regras claras

É preciso regular a questão da comunicação de mercado voltada para menores de 12 anos. Embora o ECA, a Constituição e o Código de Defesa do Consumidor (CDC) já tenham dispositivos que protegem as crianças dos apelos para o consumo, não há uma lei específica para o assunto. O CDC determina como abusiva e, portanto, ilegal a publicidade que se aproveita da ingenuidade infantil. No entanto, não estabelece regras claras. O que significa se aproveitar da ingenuidade infantil? É subjetivo, vago.

Por isso, defendemos propostas como o Projeto de Lei nº 5.921/2001, que completou 10 anos em tramitação na Câmara Federal no último dia 12 de dezembro.  O texto original do PL deve ser ajustado e ampliado. Nossas contribuições para as comissões por onde o projeto passou são sempre no sentido de que se proteja o público infantil de anúncios comerciais, redirecionando mensagens mercadológicas para os adultos.

Redirecionamento

Acreditamos que é possível mudar. O mercado pode voltar suas comunicações para os pais, como, aliás, já tem sido testado por algumas empresas. A própria Mattel lançou há pouco menos de um mês uma campanha institucional direcionada para adultos. Ao invés de resistir a essa transformação necessária, as empresas deveriam assumir de fato um compromisso ético para com a sociedade e usar a criatividade premiada da publicidade brasileira para anunciar seus produtos e serviços com responsabilidade, ou seja, para o consumidor adulto, formado e capaz de fazer escolhas conscientes.

Gabriela Vuolo é coordenadora de Mobilização do Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana.

Reproduzido de Caros Amigos (20/12/2011) via Instituto Alana


Leia também "Garotinha questiona o sexismo/machismo da indústria de brinquedos", (29/12/2011) em Psicologia em desfoco, clicando aqui.



Comentário de Filosomídia:



"A criança foi descoberta como consumidora em potencial após a Segunda Guerra Mundial, época em que a Mattel consagrava-se como pioneira no uso de técnicas de marketing e comerciais voltados ao público infantil. Se antes a venda de brinquedos era direcionada aos pais, com o lançamento da Barbie, os comerciais capturavam a menina para que ela mesma tivesse os argumentos necessários para convencer os adultos a comprarem a boneca. Um desses argumentos era o de que Barbie, com toda sua elegância, ajudava meninas travessas a se comportarem como pequenas damas. Assim, as propagandas iniciais da boneca sempre foram testadas antes com um grupo de meninas e, se o comercial não lhes chamasse a atenção, não era veiculado na rede televisiva" (Idem, p.2)

"Barbie, com seu corpo magro, duro e rígido, foi feita para posar em milhares de modos e servir de musa inspiradora para inúmeros trabalhos de célebres estilistas. A boneca, diferentemente de outras que são feitas para brincar e ninar, tem seu visual constantemente reconfigurado a fim de servir como estampa de novos espaços publicitários direcionados ao público infantil. Barbie é sempre atualizada para não ficar com uma imagem de simples boneca, mas de uma pessoa real: Em 1964 a boneca ganhou olhos que abriam e fechavam, em 1965 dobrava as pernas, em 1968 foi dotada de voz e atualmente já pode ser vista com uma tatuagem de borboleta no ventre. À Barbie são dadas identidade e presença no mundo.

O Pentágono presenteou-lhe com uma coleção de trajes militares, ela tem até uma versão de cera no museu Grévin em Paris e, em seu nome, seus seguidores fazem convenções nacionais. Barbie é vestida e fotografada por gente famosa, tem mais de 500 estilos de maquiagem profissional, possui casas, carros, amigas, namorados e um mundo fashion com seu nome. Uma “indústria de sonhos” faz da Barbie o que quiser!   Encantada, adorada, sofisticada e tatuada... A Mattel tem se esforçado para que Barbie transcenda as barreiras do brinquedo, conquistando uma imensurável popularidade e estrelato, a fim de ultrapassar todas as previsões do mercado.

Barbie traz consigo a definição de uma beleza feminina considerada insuperável, é um brinquedo que simula ser uma mulher de respeito, de atitude, estilo e elegância. Mas estes são apenas mais alguns dos muitos disfarces que a Mattel reproduz para manter em órbita uma boneca com uma “carreira” passível de contestação... Sem ninguém para segurá-la, Barbie é algo que não consegue nem parar em pé" (Idem, p.9-10). (Grifos de Filosomídia)

De 1959 lá para cá percebemos o quanto a publicidade dirigida especialmente às crianças foi avançando em técnica e sofisticação e, não me admiro que profissionais das mais diversas áreas estejam na "folha de pagamentos" para assessorar os escritórios de marketing e propaganda, com vistas a convencer as crianças da melhor maneira possível. Isso, além dos (de)formadores de opinião nas colunas sociais, e nas mídias em geral, e de tantos que se dependuram e vivem no mundo cor de rosa das vantagens oferecidas àqueles que fazem a vontade das indústrias do brinquedo, da (má)alimentação, vestuário, material escolar, literatura etc.

Também não é de se admirar que essas poderosas indústrias, que movimentam bilhões e bilhões de dólares ao redor do mundo, tenham no Brasil seus tentáculos a coptar aqueles que são investidos de poder pelo voto a nos representarem nos poderes Executivo e Legislativo. Exceção feita ao Judiciário que, como se sabe, não votamos para os cargos de excelentíssimos ministros do Superior Tribunal Federal (STF). 

São por esses e outros tantos fatos desconhecidos da maioria da população que fazem com que o Projeto de Lei 5.921 tramita por dez longos anos naqueles escalões dos poderes, nesse jogo dos interesses do mercado e dos que "ganham" com ele. Se a regra que se cumpre à risca é a de não haver regras, descumprindo-se inclusive a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e Adolescente no que diz respeito à proteção das crianças e adolescentes, por que a politicagem não assume abertamente que melhor seria rasgar esses documentos e deixar tudo como está para ver como é que fica? Ficaria melhor para "eles", obviamente... E, quem perde no final dessas "contas", senão as crianças?

Pelas afirmações da autora citada acima compreende-se que há quem segure  a Barbie para que ela fique em pé e, estes parecem ser menos as crianças em suas brincadeiras e brinquedos criados pela indústria do entretenimento e "consumismo", do que os poderosos que manipulam o mercado e seus interesses na política, na educação e nas escolas, na comunicação e nas mídias, e certamente muitas, mas muitas mesmo, consciências individuais e coletivas.

Visto que hoje em dia existem Barbies de todas as "cores", etnias, profissões e "cenários" que "moldam" sem disfarces nenhum os sonhos e principalmente os desejos das crianças, não é à toa e nem de menor ou nenhum significado que, por exemplo, vemos naquela primeira ilustração dessa postagem o filme da boneca na "Escola de Princesas"  ser exibido à algumas crianças de relevante projeto nacional que destina dar "esperanças" à meninada digamos, menos afortunada que não pode comprar assim, tão facilmente, 15 ou mais bonecas para satisfazer seu apetite consumidor incentivado por publicidade vinda de todos os lados.

E, eu pessoalmente creio muito menos na auto-regulação ou compromisso ético dessas empresas da indústria do brinquedo e alimentação, da comunicação e do entretenimento, que naquele Papai Noel e coelhinho da Páscoa que existem nessas datas festivas/consumidorativas. Mas jamais são personagens/símbolos para exprimir amor e ternura aos semelhantes ou desafortunados, aos que não têm nada ou muito pouco. Esses (falsos) ícones reforçados pelo mercado e propagandeados pelas mídias decerto roubam da população todas as verdadeiras esperanças de Bem Viver neste mundo controlado por pouquíssimos que vivem muito bem, com todas as comodidades possíveis na vida com o que o dinheiro pode comprar. Infelizmente essa é a realidade, quando aqueles que criam os sonhos e os mitos desse capitalismo selvagem como único modo possível de existir neste mundo, para iludir a maioria - os 99% e inclusive as crianças - a subir os degraus dessa invejada "vida perfeita cor de rosa" pelos esforços, méritos e na aceitação das regras (e não cumpridas regras) desse jogo do toma-lá-o-produto-e-dá-cá-o-seu-dinheiro.

Na "sociedade democrática" e no "Estado de direito" em que vivemos como não perceber que a moeda corrente a circular em quase todas as relações estabelecidas sejam as das moedinhas das pequenas corrupções domésticas, das notas dos favorecimentos ilícitos, dos maços que se enfiam em cuecas e envelopes em escritórios de propinas, das malas cheias do dinheiro que silenciam/matam os opositores políticos, das contas em paraísos fiscais que financiam habeas corpus de mega-empresários intocáveis pelo sistema judiciário, dos bilhões em contratos para reconstruir países destruídos pelas guerras, ou apenas três notinhas que compravam uma boneca da Mattel em 1959?

Pensando nisso, a maioria dos adultos dessa sociedade consumidora seria menos ingênua - ou mais maliciosa - que as crianças que desejam isso e esperneiam por aquilo, quando são bombardeadas incessantemente por essa poluidora publicidade que chega até elas por todos os meios hoje em dia? Lutar pelos direitos das crianças é apenas um primeiro passo num caminho da promoção de direitos mais amplos a serem vividos em sua plenitude, para todos. Algo que muitos e muitos milhões e bilhões de meninos, meninas, homens, mulheres, velhinhos e velhinhas ao redor do planeta sequer imaginam o que seja isso num mundo de cifras, cifrões, rankings, marcas e siglas suscetíveis ao apelo do dinheiro, que pouco a pouco vai sendo controlado por mega-companhias e empresários cujo único objetivo se resume a gerar lucro, impiedosamente.

No entanto, também "acredito que é possível mudar" e, mais ainda, transformar tudo isso, porquanto não só é possível, mas está acontecendo que, aqueles que acreditando que existam leis que regulam o mercado e protejam as crianças, vão honrando as cartas de direito internacional, as constituições e os estatutos que nos afastam da bestialidade dessa vida ilógica e sem sentido deste a qualquer custo do capitalismo, da corrupção dos sentidos, da deturpação dos sonhos, para a realização das aspirações mais belas e profundas do que é, enfim, amor, ternura e cuidado consigo mesmo, com o próximo e com o mundo.

E, se o mercado e os poderes instituídos empodrecidos se dão uns aos outros nessa orgia sem medidas ou controle, é por isso que devemos e precisamos, em sã consciência, defender a regulação da publicidade dirigida a crianças, não porque estejamos fazendo um favor a elas. É porque essa festança embestiada e falta de escrúpulos revela que nós - os que dizemos ser adultos - precisamos ser desmascarados de nossa desumana e hipócrita omissão em relação às nossas responsabilidades de quem por dever deveria lhes proteger e oferecer um mundo de justiça, para que elas fossem simplesmente e  amorosamente crianças, brincantes, alegres, felizes, bem vivendo na plenitude de seus direitos fundamentais e inalienáveis. Roubamos essas ternuridades uns dos outros cotidianamente e, pior ainda, manipulamos e forçamos os meninos e meninas a serem infelizes e imaturos adultos como nós, e cada vez mais cedo. Tiramos conscientemente das crianças a sua infância...

Se ouvíssemos as crianças, de verdade, e também aquela que um dia dia habitou dentro de nós, talvez fosse isso que elas desejassem para nós em 2012, e sempre: paz no mundo, pela paz de consciência.

Não nos façamos mais de cegos, surdos e mudos em relação ao que afeta as crianças, quando são elas que nos afetam mais do que imaginamos. Elas estão gritando nos seus berços de ouro ou famintas pelos casebres das favelas incendiadas, e reclamam serem ouvidas nas escolas. Seus estômagos famintos ao menos de água e pão rugem pelos quatro cantos do mundo. Suas lágrimas escorrendo pelos rostos sujos de sangue pelos destroços das guerras ofuscam nossas vistas acostumadas à penumbra das vitrines dos shoppings. Elas procuram as ruas, parques e praças para brincar como numa mobilização por seu direito à sua infância e, brevemente, porque são atrevidas e cheias de coragem, tomarão as mídias, e soltarão sua voz para todos as ouvirem: não nos manipulem, nem nos maltratem nem nos matem mais. Basta! Chega!

E, isso já vai deixando de ser desejo ou esperança, porque é visível a realidade e os gritos em meio ao caos, uma exigência em meio a este mundo destruído por nós.

Quando toda essa decrépita, moderníssima e corrupta sociedade ruir pelas nossas insanidades serão as crianças que restarão e estarão de pé, segurando a bandeira daquela Paz numa mão, e nos estendendo a outra para que talvez nos reergamos tão belos, cheios de graça e beleza quanto elas...

Então... crianças de todo o mundo, uni-vos!

Leo Nogueira - O Nawta
05 jan 2012

Um comentário:

Maria Docente disse...

Oi Léo,
Sempre que passo por aqui a vontade que tenho é de ficar o dia todo.
Muito bom!
Grande abraço,vou fazer umas pontes lá para o MD.Certo?