Crime de imprensa, um retrato da mídia brasileira murdoquizada
Autores de Honoráveis Bandidos lançam novo livro em Florianópolis
Por Raquel Moysés
Jornalista
“No aniversário do maldito ai-5 venha celebrar a bendita liberdade de expressão. A celebração vai ser na Barca dos Livros, às 20 horas, em frente aos trapiches da Lagoa da Conceição, Florianópolis. O dia é 13 de dezembro do ano da graça de 2011, 189º da independência e 33º do fim do a-i 5.”
O convite é não usual. O livro também. E promete contar, nas suas 140 páginas, de tudo, menos repetir a farsa que se reproduziu, de norte a sul do Brasil, nas manchetes, títulos e conteúdos da imprensa nacional, sobre o cenário das eleições presidenciais de 2010. E é porque revelam pequenos e grandes golpes dos meios de comunicação em Crime de Imprensa – Um retrato da mídia brasileira murdoquizada, que os autores Mylton Severiano e Palmério Dória avisam: Os que comparecerem à noite de autógrafos vão conhecer um livro sobre o qual não ninguém vai ler uma só linha, ouvir um só segundo de comentários nas rádios e tevês dos ‘Grandes Irmãos’.
É um livro – eles anunciam – para se entender como o jornalismo das grandes corporações usa seu poder para tentar impor ao povo a verdade “deles”. E se ao ler a expressão “murdoquizada alguém pensou no magnata Rupert Murdoch, “que grampeia as pessoas e falseia os fatos em vários continentes, inclusive o nosso, você acertou,” esclarecem enfim.
Mylton Severiano e Palmério Dória, jornalistas que passaram pela redação de publicações que fizeram história no jornalismo brasileiro, já são autores de uma façanha editorial. Outro livro que publicaram em coautoria, Honoráveis Bandidos - Um retrato do Brasil na era Sarney (Geração Editorial, 2009), mesmo sem emplacar qualquer resenha nos grandes jornais, despontava, no ano de sua publicação, na lista dos mais vendidos, naqueles mesmos meios de comunicação que se negavam a falar da obra. No lançamento, na capital do Maranhão, em novembro daquele ano, sobrou pancadaria, como denunciaram os autores em carta à Federação Nacional dos Jornalistas e à Associação Brasileira de Imprensa.
Na noite de autógrafos, em São Luís, os jornalistas tiveram que pedir proteção, e a expectativa de violência se confirmou quando um grupo se manifestou aos socos e berros, jogando bolinhas de papel molhado, ovos e até pedras em direção à mesa em que estavam os autores. Não adiantou: mais de mil pessoas compareceram ao lançamento no sindicato dos bancários e quinhentas saíram com o livro nas mãos. Em 2009, Honoráveis Bandidosfigurou no “ranking” da Veja e Folha de São Paulo como o terceiro livro de não-ficção mais vendido no Brasil. Severiano lembra que foram mais de 100 mil exemplares vendidos, em apenas três meses.
Agora, com a nova obra escrita pela dupla, não vai sobrar pedra sobre pedra. Ou, como diz Severiano, em linguagem jornalística, “não vai ficar lauda sobre lauda”. Crime de Imprensa – Um retrato da mídia brasileira murdoquizada (Plena Editorial) é um livro reportagem, em que os autores dão “nome aos bois”. Todos os personagens reais são citados nominalmente e aparecem, em ordem alfabética, no final do livro. “As peças do quebra-cabeça estavam espalhadas. Nós pegamos os cacos e os juntamos, para criar um mosaico que serve para fazer entender o papel da mídia corporativa, que nós chamamos de ‘Grandes Irmãos’.
A história da bolinha de papel que atingiu a cabeça do então candidato à presidência José Serra inaugura a narrativa do livro, o primeiro a esmiuçar aspectos midiáticos das eleições presidenciais de 2010. No texto, os autores contam porque o anônimo cidadão que atirou a bolinha, “exerceria, sobre os leitores brasileiros, que 11 dias depois escolheriam Dilma Rousseff a primeira presidente da República, mais influência do que toda a mídia reunida, do que as congregações religiosas conservadoras, do que as entidades de direita, do que o próprio papa”.
Por causa do teor das denúncias, foi difícil conseguir quem publicasse o livro, como já ocorrera com Honoráveis bandidos. Crime de imprensa já fora rejeitado por três editoras, e os autores até pensavam em uma edição digital, quando a Plena Editorial (SP) acabou assumindo a publicação da obra, que surpreende já na apresentação. O prefácio, os autores extraíram da obra Recordações do Escrivão Isaías Caminha, de Lima Barreto. Trata-se de uma conversa, entre dois amigos do personagem principal da obra, sobre a imprensa do século 20. O diálogo de preocupante realidade, como assinala o título do prefácio, começa assim: “- A Imprensa! Que quadrilha! Fiquem vocês sabendo que, se o Barba Roxa ressuscitasse, agora com os nossos velozes cruzadores, e formidáveis couraçados, só poderia dar plena expansão a sua atividade, se se fizesse jornalista. Nada há tão parecido como o pirata antigo e o jornalista moderno...”
Severiano faz notar que os conglomerados de comunicação, os ‘Grandes Irmãos’, usam seus veículos de imprensa para servir aos seus interesses de classe e aos seus negócios. Na capa do livro, os autores citam Mino Carta, diretor de Carta Capital, que afirma: “- Na maioria dos casos a mídia é ponta-de-lança para grandes negócios”.
Para o autor, ainda vivemos a herança maldita da ditadura militar. “FHC é só uma das consequências. Foi a ditadura que tirou a filosofia e a música do currículo escolar. Os ditadores vieram para ‘burrificar’ o país. E, para agravar isso, os estudantes são bombardeados dia e noite pela mídia.” Para exemplificar o que diz, ele conta: “Outro dia, viajando para Pitanga, no Paraná, parei de manhãzinha em um bar para tomar café. O que se via na tevê era um programa policial de baixíssimo nível, um terror de sangue e violência. Depois, lá pelas dez da manhã, vêm os programas infantis. Crianças, ainda com chupeta na boca, ficam vendo aquele horror. Nem precisa olhar, basta ouvir o áudio para entender o que elas estão assistindo..É só pancada, berro, personagem que grita, com aquela voz horrenda: - Você não me vencerá...! O horário da tarde, então, é só besteira. E toda a programação, o tempo todo, servindo para a venda de produtos, o merchandising mais descarado...E quando o governo fala de discutir um marco regulatório para a comunicação, os ‘Grandes Irmãos’ e os ‘Irmãos Menores’ começam a gritar: Censura!”
No jornalismo dos ‘Grandes Irmãos’, lembra Severiano, “não há o outro lado, o que já é uma farsa, pois um acontecimento pode ter 200 mil lados...” E prossegue: “O que eles querem, é a mamata. No governo Lula, até houve alguma democratização na propaganda estatal, que foi um pouco melhor dividida, mas isso é uma gota no oceano.” Os ‘Grandes Irmãos’ tentam barrar os avanços sociais, se possível dar marcha à ré na roda da história, como tentaram em 1954 e conseguiram em 1964, avisam os autores na contracapa do livro. E Severiano acrescenta: - No império dos ‘Grandes Irmãos’ reina a barbárie , e eles querem dar o golpe midiático a qualquer hora.
No final do livro, os autores fazem uma observação: - Aos leitores poderá parecer que os autores votaram em Dilma Rousseff. Assim é se lhes parece. Foi um voto bastante por exclusão: não havia ninguém melhor do que Dilma na lista dos candidatos em 2010 para governar. Não somos dilmistas, muito menos petistas. O mais adequado sufixo ‘ista’ que se pode aplicar aos autores se encontra na palavra ‘jornalista’”
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