quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Informação: sobre os "recortes da realidade" produzidos pelo mercado da comunicação



O direito de ver

Se a censura oficial deixou de existir, a empresarial cresceu de forma assustadora. Hoje quem impede o brasileiro de saber muito do que ocorre no país e no mundo são os grandes grupos de comunicação. Mostram um recorte da realidade produzido segundo seus interesses e escondem o que não lhes convêm.

Laurindo Lalo Leal Filho
Publicado originalmente na Revista do Brasil
Novembro, 2011


Quem viveu a ditadura militar no Brasil sabe o que é censura. Jornais publicavam poemas e receitas de bolo no lugar dos textos cortados pelos censores. Nas redações temas proibidos estavam nos murais para nenhum jornalista tocar naqueles assuntos. Felizmente isso acabou e o Estado agora é responsável pela garantia da liberdade de expressão.


Mas se a censura oficial deixou de existir, a empresarial cresceu de forma assustadora. Hoje quem impede o brasileiro de saber muito do que ocorre no país e no mundo são os grandes grupos de comunicação.

Mostram um recorte da realidade produzido segundo seus interesses e escondem o que não lhes convêm. Como são poucos, com orientações editoriais semelhantes, a diversidade de notícias e de interpretações da realidade desaparecem.

Em política e economia a prática é diária. Basta ver o alinhamento do noticiário com os partidos conservadores e a exaltação da eficiência do mercado. Na televisão, a censura vai mais longe e chega até ao esporte.

De disputas esportivas, quase todas as competições foram sendo transformadas em programas de televisão, subordinados aos interesses comerciais das emissoras.

Tornaram-se produtos vendidos por clubes e federações às TVs que, em muitos casos, compram e não transmitem os eventos, só para evitar que os concorrentes o façam.

Há um caso exemplar ocorrido em Pernambuco. Enquanto a Rede Globo transmitia para o Estado jogos de clubes do Rio ou de São Paulo, a TV Universitária local colocava no ar as partidas do campeonato estadual.

Claro que estas despertavam maior interesse, elevando a audiência da emissora. A Globo, sentindo-se incomodada, comprou os direitos de transmissão do campeonato para não transmiti-lo, retirando do torcedor local o direito de ver o seu time jogar.

Quando passamos do regional para o global a disputa fica ainda mais acirrada, como vimos com o recente duelo travado entre Globo e Record em torno dos jogos Panamericanos de Guadalajara.

Salvo em raros momentos, a emissora da família Marinho nunca deixou de ditar a pauta esportiva nacional. Além das transmissões de eventos, seus noticiários foram sempre contaminados por exaustivas coberturas das competições.

Quantas vezes o Jornal Nacional dedicou mais tempo à seleção de futebol ou a uma corrida de carros do que a assuntos de relevante interesse político ou social?

Com a ascensão da Record o quadro mudou. E o Pan do México ficará na história da televisão brasileira como o momento de ruptura do monopólio das transmissões esportivas no país.

Se há o lado positivo da entrada de um novo ator em cena, há a constatação de que o direito de ver segue sendo usurpado do telespectador.

No caso da Globo, seus decantados “princípios editoriais”, segundo os quais “tudo aquilo que for de interesse público, deve ser publicado, analisado, discutido” foram, outra vez, ignorados.

Nos primeiros dias de disputa o Pan não existiu para a Globo e, depois, ficou restrito a míseros segundos no ar. Na concepção da emissora, por serem transmitidos pela concorrente, deixaram de ter “interesse público”.

Por outro lado a Record não fez por menos e de olho na audiência, em muitos momentos, não transmitiu os jogos – e só ela podia fazer isso – para manter no ar sua programação normal.

Frustrou inúmeros telespectadores que num domingo foram em busca do Pan e se viram diante do Gugu.

A aplicação das leis de mercado, sem controle, ao mundo da TV é a causa desse desconforto. Não há como mudar a situação sem a inteferência do Estado, colocando algumas regras para proteger o telespectador.

No caso específico do futebol, o governo argentino resolveu o problema comprando os direitos de transmissão dos jogos do campeonato nacional, passando a transmiti-los em sinal aberto pelo Canal 7, a emissora pública do país. Não é uma boa ideia para começar?

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.

Reproduzido Revista do Brasil via Carta Maior


Comentário de Filosomídia:


Foto: Fantástico trabalho feito pelo Projeto Equipotência de Mogi Mirim (SP) que pode ser conhecido através do blog. A foto é de um dos trabalhos de autoria de Samara - recorte e cola -  uma das crianças que atuam no projeto.


Ilustração bem adequada sobre o que o artigo do Prof. Laurindo analisa, enquanto remete aos modelitos informacionais apresentados por grandes empresas que controlam os meios de produção da notícia e da programação das TV. Se estes ditam a "moda" do momento, grande parte dos "consumidores" não percebe muito com o que estão  se re-vestindo, e saem desfilando em comentários sobre os "tais recortes da realidade" como se fossem o máximo da "haute couture" da Imprensa. Na verdade, parece que "nunca antes na história desse país" andamos tão nus pelas passarelas midiáticas.


Há que se "passar a limpo" o nosso direito a ver/ler/saber/ser nesse mundo fashion das beldades jornalísticas, depois de lavar e enxaguar as mídias no debate pela democratização dos meios de comunicação.


Enquanto isso, continua o saldão de notícias e da programação de segunda linha  nas prateleiras de ponta de estoque do mercado global e, pasmemos, com telespectadores pagando sem ver, ou ler a etiqueta de letras miúdas que des-informam tudo, pra se in-formarem,  se re-vestirem de nada. A TV e sua programação pelada de dignidade não espanta a muitos...

Nenhum comentário: