Livro atualiza questão regulatória das comunicações na América latina
Redação* . FNDC
23 set 2011
Em sua mais recente publicação, “Vozes abertas da América Latina: Estado, políticas públicas e democratização da comunicação”, (Editora Mauad/Faperj, Rio de Janeiro, 2011), Dênis de Moraes** analisa as ações governamentais em países latino-americanos para tentar reverter a concentração monopolista da mídia. Resultado de estudos desenvolvidos pelo autor nos últimos quatro anos, o livro mostra mudanças em legislações e marcos regulatórios que, durante décadas, favoreceram as dinastias familiares que controlam os meios de comunicação em grande parte do Continente.
A obra propõe um questionamento frente a atual situação dos meios de comunicação e caminhos para seguir em um ideal democrático, condizente com o contexto de reordenamentos políticos, econômicos e socioculturais na A.L.
Nesta entrevista ao e-Fórum, o autor resume o conteúdo tratado na publicação.
Que avanços são mostrados neste livro com relação as suas pesquisas anteriores?
Dênis de Moraes: Vozes abertas da América Latina é um livro dedicado à análise das transformações em curso nos sistemas de comunicação de países latino-americanos com governos progressistas, avaliando suas perspectivas e dificuldades. Não me limito a um diagnóstico sobre mudanças que começam a colocar em xeque o peso desproporcional da mídia comercial na vida cotidiana e na fixação de valores e mentalidades.
Além de evidenciar as providências governamentais para tentar barrar a concentração monopólica da mídia e descentralizar os meios de informação e difusão cultural, reflito sobre questões análogas, que me parecem decisivas para a longa luta pela democratização da comunicação na América Latina.
A primeira questão é a importância estratégica das políticas públicas de comunicação para redefinir o setor de mídia em bases mais equitativas, combatendo assimetrias que têm favorecido a iniciativa privada (hoje, predominantemente nas mãos de dinastias familiares, muitas delas associadas a corporações transnacionais). Está em questão proteger e valorizar as demandas coletivas frente à voracidade mercantil que prospera à sombra da convergência entre as áreas de informática, telecomunicações e mídia, tornada possível pela digitalização. Isso deve ser feito para em benefício do pluralismo, levando em conta as transformações da era digital e a necessidade de definir o que deve ser público e o que pode ser privado.
A segunda questão abordada é a necessidade de desmistificarmos as campanhas opositoras movidas por elites empresariais, midiáticas e políticas contra as medidas governamentais que visam diversificar a radiodifusão sob concessão pública, impedindo que conglomerados e dinastias familiares continuem acumulando uma quantidade alarmante de outorgas de canais de rádio e televisão, além de controlarem a televisão por assinatura e serviços de internet. Os ataques patrocinados pelas corporações midiáticas têm o objetivo, deliberado mas não assumido publicamente, de impedir um convencimento mais amplo da sociedade em torno das mudanças em curso em determinados países.
As campanhas denunciam “ameaças à liberdade de expressão” que estariam sendo praticadas por governos progressistas. Trata-se de um falseamento claro da questão. O direito de informar e ser informado absolutamente não está ameaçado por legislações democratizadoras, e sim pelos grupos que confundem e reduzem a liberdade de imprensa à liberdade de empresa. O jurista Fábio Konder Comparato, lucidamente, tem enfatizado que o conceito de liberdade de expressão está indissociavelmente vinculado aos direitos públicos e às aspirações coletivas, sem qualquer subordinação a interesses privados ou ambições particulares. Na verdade, qualquer modificação que possa afetar as suas receitas com as joias da coroa – as licenças de canais de rádio e televisão – é rechaçada pela violência discursiva dos grupos midiáticos. Como se as outorgas de radiodifusão fossem propriedades exclusivas, quando, apenas, são concessões do poder público, com prazo de validade fixado em lei, sendo renováveis ou não.
De que forma a comunicação se relaciona com as constantes mudanças no governo e as crises políticas na América Latina e como ela afeta a democracia?
Dênis de Moraes: Mais do que nunca, a comunicação desempenha um papel decisivo nas disputas de sentido que conformam ou modificam a opinião pública e valores sociais. Os processos comunicacionais estão entranhados na batalha das ideias pela hegemonia – aqui entendida no sentido proposto pelo filósofo marxista italiano Antonio Gramsci: a conquista do consenso e da liderança cultural e política por uma classe ou bloco de classes em torno de determinadas concepções de vida e valores. Daí a importância de evoluirmos para um sistema de mídia que permita múltiplas vozes de se expressarem livremente, sem sujeição aos impérios empresariais. Um sistema de míidia que, incorporando usos e benefícios tecnológicos, favoreça a diversidade informativa, a criatividade, o trabalho cooperativo, a participação social e os direitos da cidadania.
(...)
No livro são citados os quatro países onde estão ocorrendo mudanças nos marcos regulatórios da radiodifusão. Por que o Brasil ainda não avançou nesse sentido?
Dênis de Moraes: Esta é uma pergunta que se impõe, já que, depois dos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva e dos primeiros nove meses do de Dilma Rousseff, continuamos com um dos sistemas de comunicação mais atrasados e anacrônicos da América do Sul. Espero que Dilma venha a propor ao Congresso ou apoiar um projeto de lei que, tomando em consideração as singularidades do caso brasileiro, se inspire nas disposições antimonopólicas da lei em vigor na Argentina, cuja metodologia de elaboração foi participativa e inclusiva.
A presidenta Cristina Kirchner reuniu-se, por diversas vezes, com os setores da sociedade civil envolvidos na matéria, inclusive o empresariado da mídia, a fim de ouvir suas reivindicações. Meu livro defende a tese de que avanços convincentes na luta pela democratização dependerão de vontade política, pressão social organizada e respaldo popular. Não adianta ter apenas boas intenções. É preciso um compromisso político permanente com a diversidade para fazer frente às campanhas midiáticas que desejam preservar privilégios acumulados durantes décadas. A verdade é que uma sociedade complexa, diversificada e desigual como a nossa não pode permanecer, por mais tempo, refém das visões de mundo, das idiossincrasias e dos interesses corporativos da mídia hegemônica.
*Com a colaboração de Miriã Isquierdo
**Dênis de Moraes é professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF), pós-doutor em Comunicação pelo Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO-Argentina) e professor associado do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense.
Leia a entrevista ao e-Forum no FNDC clicando aqui.
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