sexta-feira, 8 de julho de 2011

Ignacio Ramonet: O quinto poder


O quinto poder

Ignacio Ramonet

[Publicado na edição brasileira do Le Monde Diplomatique nº 45, outubro de 2003, <www.diplo.com.br>; tradução: Jô Amado; intertítulos da redação do OI]

"Há muitas e muitas e muitas décadas que a imprensa e os meios de comunicação representam, no contexto democrático, um recurso dos cidadãos contra os abusos dos poderes. Na realidade, os três poderes tradicionais – legislativo, executivo e judiciário – podem falhar, se equivocar e cometer erros. Com maior freqüência, é claro, nos Estados autoritários e ditatoriais, onde o poder político se torna o principal responsável por todas as violações de direitos humanos e por todas as censuras contra as liberdades.

Mas também são cometidos graves abusos nos países democráticos, embora as leis sejam democraticamente votadas, os governos eleitos por sufrágio universal e a justiça seja – em teoria – independente do poder executivo. Ocorre o fato desta condenar, por exemplo, um inocente (como esquecer o caso Dreyfus, na França?); do Parlamento votar leis discriminatórias para com determinadas categorias da população (foi o caso, nos Estados Unidos, durante mais de um século, em relação aos afro-americanos, e volta a ser, hoje, em relação a pessoas originárias de países muçulmanos devido ao Patriot Act); dos governos adotarem políticas cujas conseqüências se revelarão funestas para todo um setor da sociedade (é o caso, atualmente, dos imigrantes "sem-documentos" em inúmeros países europeus).

Em tal contexto democrático, os jornalistas e os meios de comunicação consideraram, com freqüência, ser um dever importante denunciar estas violações de direitos. Às vezes, pagaram caro por isso: atentados, "desaparecimentos", assassinatos, como ainda se pode constatar na Colômbia, na Guatemala, na Turquia, no Paquistão, nas Filipinas e em outros países. Foi por este motivo que, durante muito tempo, se falou no "quarto poder". Definitivamente, e graças ao senso cívico dos meios de comunicação e à coragem de jornalistas audaciosos, as pessoas dispunham deste "quarto poder" para criticar, rejeitar e resistir, democraticamente, às decisões ilegais que poderiam ser iníquas, injustas e até criminosas para com pessoas inocentes. Dizia-se, muitas vezes, que era a voz dos sem-voz.

Características novas

Nos últimos quinze anos, à medida que se acelerava a globalização liberal, este "quarto poder" se viu esvaziado de sentido, perdendo, pouco a pouco, sua função fundamental de contrapoder. Ao se estudar de perto como funciona a globalização, ao observar como se desenvolveu um novo tipo de capitalismo – agora, não só industrial, mas, principalmente, financeiro, ou, resumindo, um capitalismo de especulação – esta evidência chocante se impõe. Na atual fase da globalização, assiste-se a um confronto brutal entre o mercado e o Estado, entre o setor privado e os serviços públicos, entre o indivíduo e a sociedade, entre o íntimo e o coletivo, entre o egoísmo e a solidariedade.

O verdadeiro poder está atualmente nas mãos de um punhado de grupos econômicos planetários e de empresas globais cujo peso nos negócios do mundo inteiro parece, às vezes, mais importante do que o dos governos e dos Estados. São eles, os "novos senhores do mundo", que se reúnem anualmente em Davos, no âmbito do Fórum Econômico Mundial, e que inspiram as políticas adotadas pela grande Trindade da globalização: o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio.

É neste contexto geoeconômico que se produziu – no próprio coração da estrutura industrial – uma metamorfose decisiva do lado da comunicação de massa.

Os meios de comunicação de massa (rádios, imprensa, emissoras de televisão, internet) se fundem cada vez mais, em arquiteturas que se reproduzem, para constituir grupos de comunicação de vocação mundial. Empresas gigantes, como a News Corps, a Viacom, a AOL Time Warner, a General Electric, a Microsoft, a Bertelsmann, a United Global Com, a Disney, a Telefónica, a RTL Group, a France Telecom etc., dispõem, atualmente, de novas possibilidades de expansão devido às mudanças tecnológicas. A "revolução digital" rompeu as fronteiras que antes separavam as três formas tradicionais de comunicação: o som, a escrita e a imagem. Permitiu o surgimento e o avanço da internet, que representa um quarto modo de se comunicar, uma nova maneira de se expressar, de se informar, de se distrair.

A partir daí, as empresas de comunicação são tentadas a se constituir em "grupos" para reunirem todas as formas clássicas de comunicação (imprensa, rádio e televisão), mas também todas as atividades que poderiam ser chamadas de setores da cultura de massa, da comunicação e da informação. Três esferas que antes eram autônomas: de um lado, a cultura de massa, com sua lógica comercial, suas criações populares, seus objetivos basicamente mercantis; de outro, a comunicação, no sentido publicitário, o marketing, a propaganda, a retórica da persuasão; e, finalmente, a informação, com suas agências de notícias, boletins de radiodifusão ou de televisão, a imprensa, as redes de informação contínua – em resumo, o universo de todos os jornalismos.

Quando, eventualmente, podem constituir um "quarto poder", este se junta aos outros poderes existentes (político e econômico) para esmagar o cidadão como poder suplementar, como poder da mídia.
(...) 

Portanto, a questão que se coloca, em termos de cidadania, é a seguinte: como reagir? Como se defender? Como resistir à ofensiva deste novo poder que, de certa forma, traiu os cidadãos passando-se, com armas e bagagens, para o inimigo?

Basta, simplesmente, criar um "quinto poder". Um "quinto poder" que nos permita opor uma força cidadã à nova coalizão dos senhores dominantes. Um "quinto poder" cuja função seria a de denunciar o superpoder dos grandes meios de comunicação, dos grandes grupos da mídia, cúmplices e difusores da globalização liberal. Meios de comunicação que, em determinadas circunstâncias, não só deixaram de defender os cidadãos, mas, às vezes, agem explicitamente contra o povo. Como se pode constatar na Venezuela."

Leia o texto completo no Observatório da Imprensa clicando aqui.

Nenhum comentário: