segunda-feira, 28 de março de 2011

Um incêndio, uma notícia, uma janela, um jornalista e um "alienado" do ConsciênciaNet


"Entreouvido durante o incêndio da UFRJ

Eram pouco mais de quatro horas da tarde quando eu observava, da janela de um núcleo de pesquisa da Escola de Comunicação da UFRJ, o desastre do incêndio no Palácio Universitário. Do lado de fora, uma multidão de alunos, professores, funcionários e jornalistas, em meio a policiais, bombeiros e guardas municipais. Curiosos de plantão da geração 2.0 clicavam tudo com seus celulares-máquina-fotográfica. “Chega”, pensei comigo mesmo. “Hora de ir para casa.”

Antes de encontrar as chaves, no entanto, fui surpreendido por uma batida na porta. Não consegui imaginar quem poderia ser. Abri e, surpreso, me deparei com um homem magro e irrequieto de meia-idade que carregava uma pesada câmera na mão esquerda. Já fazendo menção de entrar, foi logo se apresentando. “Sou da TV Globo”, explicou, cheio de si, como se aquela frase fosse seu passe-livre. Ingenuamente, disse que queria fazer uma tomada do incêndio dali. A vista da janela da sala de fato era privilegiada. Ninguém lá embaixo teria uma imagem tão boa quanto a de lá, o repórter fora esperto. “Não são nem dois minutos”, disse.

Fiz uma pausa antes de responder, só para esticar um pouquinho mais aquele momento. “Hum…”, comecei. “Estou saindo e não posso deixar você entrar.” Ele estacou. Por essa não esperava. “Mas é só uma tomada, é rapidinho, menos de um minuto!”, rogou, exasperado. “Não, sinto muito. Não vou deixar você entrar não.” Ele insistiu, incrédulo: “Mas são só trinta segundos e pronto!”

Quando ele percebeu que não tinha jeito, perguntou quantos anos eu tinha. “Vinte”, respondi. “Você vê televisão?” “Não, não tenho televisão em casa”, respondi enquanto pegava minhas coisas, ao que ele deu o veredito: “Você é um alienado…” Dei um sorriso. “Eu? Me desculpa, mas alienado é o seu trabalho e o que vocês fazem.”

Ele me deu as costas e foi-se embora. Eu respirei fundo. Às vezes, é o dia da caça."

Ricardo Cabral
28/03/2011

Reproduzido de ConscienciaNet.


Leia resposta "Sobre mídia, universidade e mercado" de Ricardo Cabral, aos comentários à postagem no ConscienciaNet clicando aqui.



"Eu acredito, portanto, que o que essas empresas fazem é um desserviço à sociedade. E foi por isso que me neguei a deixar que o câmera fizesse as imagens da sala do PET-ECO, um espaço universitário que deve servir à sociedade – porque os interesses privados a gente já viu onde nos levam. É claro que não quis prejudicar o trabalhador. Afinal, convenhamos que é um fato que nada lhe aconteceria por não filmar ali, existiam espaços de sobra para fazer as tomadas. Mas me neguei – e me negaria de novo – a permitir que uma sala da UFRJ pela qual eu era responsável naquele momento fosse usada por uma empresa e seus interesses. Não mudei o mundo e, confesso, não era o objetivo. Fui apenas fiel aos meus princípios, que são esses que expus acima". R.C.

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