quinta-feira, 17 de março de 2011

Ignacio Ramonet: o quinto poder


"Há muitas e muitas e muitas décadas que a imprensa e os meios de comunicação representam, no contexto democrático, um recurso dos cidadãos contra os abusos dos poderes. Na realidade, os três poderes tradicionais – legislativo, executivo e judiciário – podem falhar, se equivocar e cometer erros. Com maior freqüência, é claro, nos Estados autoritários e ditatoriais, onde o poder político se torna o principal responsável por todas as violações de direitos humanos e por todas as censuras contra as liberdades.

Mas também são cometidos graves abusos nos países democráticos, embora as leis sejam democraticamente votadas, os governos eleitos por sufrágio universal e a justiça seja – em teoria – independente do poder executivo. Ocorre o fato desta condenar, por exemplo, um inocente (como esquecer o caso Dreyfus, na França?); do Parlamento votar leis discriminatórias para com determinadas categorias da população (foi o caso, nos Estados Unidos, durante mais de um século, em relação aos afro-americanos, e volta a ser, hoje, em relação a pessoas originárias de países muçulmanos devido ao Patriot Act); dos governos adotarem políticas cujas conseqüências se revelarão funestas para todo um setor da sociedade (é o caso, atualmente, dos imigrantes "sem-documentos" em inúmeros países europeus).

Em tal contexto democrático, os jornalistas e os meios de comunicação consideraram, com freqüência, ser um dever importante denunciar estas violações de direitos. Às vezes, pagaram caro por isso: atentados, "desaparecimentos", assassinatos, como ainda se pode constatar na Colômbia, na Guatemala, na Turquia, no Paquistão, nas Filipinas e em outros países. Foi por este motivo que, durante muito tempo, se falou no "quarto poder". Definitivamente, e graças ao senso cívico dos meios de comunicação e à coragem de jornalistas audaciosos, as pessoas dispunham deste "quarto poder" para criticar, rejeitar e resistir, democraticamente, às decisões ilegais que poderiam ser iníquas, injustas e até criminosas para com pessoas inocentes. Dizia-se, muitas vezes, que era a voz dos sem-voz.

(...) Os grandes meios de comunicação privilegiam seus interesses particulares em detrimento do interesse geral e confundem sua própria liberdade com a liberdade de empresa, considerada a principal de todas as liberdades. Mas a liberdade de empresa não pode, de forma alguma, prevalecer sobre o direito dos cidadãos a uma informação rigorosa e verificada, nem servir de pretexto para a difusão consciente de notícias falsas ou de difamações.

(...) Um dos direitos mais preciosos do ser humano é o de comunicar livremente suas idéias e suas opiniões. Nenhuma lei deve restringir, arbitrariamente, a liberdade de expressão ou a liberdade de imprensa. Mas esta só pode ser exercida por empresas de comunicação mediante a condição de que não sejam transgredidos outros direitos dos cidadãos tão consagrados quanto este, de poder ter acesso a uma informação não contaminada. As empresas de comunicação não devem – sob o artifício de estarem protegidas pela liberdade de expressão – poder divulgar informações falsas, nem conduzir campanhas de propaganda ideológica ou outros tipos de manipulação.

O Observatório Internacional da Mídia considera que a liberdade absoluta dos meios de comunicação, reivindicada em coro pelos patrões dos grandes grupos da mídia mundial, somente poderia ser exercida às custas da liberdade de todos os cidadãos. Estes grandes grupos irão reconhecer que, de agora em diante, acaba de nascer um contrapoder e que este tem vocação para unir todos aqueles que se identificam no movimento social planetário e que lutam contra o confisco do direito de expressão. Jornalistas, professores, ativistas sociais, leitores de jornais, ouvintes de rádio, telespectadores ou usuários da internet, todos se unirão para forjar uma arma coletiva de debate e de ação democrática. Os senhores da globalização declararam que o século 21 seria o das empresas globais; o Observatório Internacional da Mídia (Media Watch Global) afirma que este será o século em que a comunicação e a informação finalmente pertencerão a todos os cidadãos".

Ignacio Ramonet

Publicado na edição brasileira do Le Monde Diplomatique nº 45, outubro de 2003, <www.diplo.com.br>; tradução: Jô Amado; intertítulos da redação do OI

Leia o texto completo no Observatório da Imprensa clicando aqui.

Nenhum comentário: